sexta-feira, 23 de maio de 2014

LUTA, GARRA, FOCO.

 Adriana Buzelin, superação a cada dia

Rede Saci
04/12/2012

Artigo de Adriana Lage

Adriana Lage
Adriana Buzelin sentada em uma cadeira de rodas
Adriana Buzelin é artista plástica, escultora e modelo
Queridos leitores, hoje dividirei com vocês a história de uma bela tetraplégica. Adriana Buzelin, moradora de Belo Horizonte/MG, é a prova viva de que nossas limitações são mais mentais do que físicas. Acho que é mal do nome! A mulher, além de linda e poderosa, tem inúmeros talentos! Risos. Formada em comunicação social, artista plástica, escultora e modelo, Adriana não pára e está sempre enfrentando novos desafios. Garotos, tirem o olho porque ela está noiva de Kleber Bertholdo. Ela cursou Produção Editorial, Design Gráfico e fez muitos cursos. Em 1994, se tornou escultora, ganhando Diploma de Honra ao mérito pela Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte. Com vocês, um pouco sobre essa pessoa fascinante! 
Adriana Lage: Qual deficiência possui? Como se tornou cadeirante?

Adriana Buzelin: Sofri um acidente automobilístico lesionando a cervical (c5/c6). Acidente este que me deixou tetraplégica por muitos anos. Na época, eu estava cursando meu primeiro curso superior (Relações Públicas), trabalhava como modelo publicitário e produtora de eventos. Fazia muitos comerciais de televisão e campanhas publicitárias, participava de concursos de modelo e minha beleza física era um fator muito importante para mim. Também estava começando a trabalhar na área que estava cursando: sendo produtora de artistas, eventos e bandas de rock.
Foram dois anos sem movimentos quase nenhum do pescoço para baixo e sem nenhuma perspectiva médica que me indicasse melhora. Perdi totalmente minha identidade, não me enxergava mais como Adriana. Porém apesar de toda tristeza nunca acreditei que o “para sempre” existia. Por isso, um dia, tomei a decisão mais importante da minha vida. Fazia muita fisioterapia, porém me sentia frustrada porque os movimentos vinham devagar demais. Estava cansada, a ponto de desistir, então percebi que tinha duas opções: ou me entregaria à situação atual que me fazia tão infeliz ou batalhava, com todo empenho, para ter uma vida com qualidade mesmo em uma cadeira de rodas. Optei por continuar a fazer muita fisioterapia, mas também batalhar para ter uma vida mais convencional, por viver e dar rumo a minha vida!
A partir daí, comecei a perceber que meus movimentos começavam a voltar. Já movimentava o pescoço, os ombros e os braços. Passaram-se anos e, sem descanso e com o apoio de minha família, me tornei quase uma paraplégica, só me faltam os movimentos dos dedos das mãos que ainda são poucos.
Adriana Lage: Ser deficiente em nosso país não é nada fácil. Como diria um amigo meu, é preciso matar um leão por dia e reservar outro para o dia seguinte. Quais as principais dificuldades que enfrentou/enfrenta no dia a dia?

Adriana Buzelin: Ser deficiente, em qualquer lugar do mundo, não é fácil. Portar uma deficiência é difícil psicologicamente e fisicamente, pois a meu ver está tudo interligado. A rotina do dia a dia é realmente o mais difícil porque enfrentamos uma ausência de profissionais capacitados para nos auxiliar. O que é corriqueiro para uma pessoa que tem todos seus movimentos e sentidos preservados é um desafio diário para nós.
A começar pela roupa que vestimos. As roupas são totalmente inapropriadas. Colocar uma calça jeans é quase uma maratona e olha que com ajuda de alguém, pois, sem essa ajuda, fica quase impossível no meu caso. A moda inclusiva é necessária! E profissionais da moda ainda não se alertaram que existe um nicho de mercado grande e promissor diante deles.
Isto acontece também com os móveis e utensílios domésticos. Nada está ao nosso alcance, nem com fácil acessibilidade. Máquinas de lavar, fogões, geladeiras, enfim a grande parte dos objetos que usamos no dia a dia é inacessível para nós. É outro problema na área de design de produto.
Também não temos preços justos para o que precisamos. Cadeiras de rodas, almofadas especiais, remédios, médicos, fisioterapia, tudo é muito caro. Além de caro, é também difícil achar novidades que não visam somente a reabilitação. Querer fazer algo que saia fora do convencional é quase impossível. Poucos profissionais percebem a importância de se atualizar. Existem melhoras, existe a possibilidade de ter qualidade de vida e acho absurdo tentar ‘matar’ a esperança de recuperação. Está aí a medicina batalhando para achar soluções para muitas lesões e doenças.
Enquanto estive em São Paulo, achei clínicas de fisioterapia que investiam na recuperação e não somente na reabilitação de uma lesão medular, como é o caso da Fisio Action. E aqui, em BH, quando voltei encontrei este perfil na Aqua Fisio, que segue a mesma linha da clínica de SP acrescentando a hidroterapia.
E, claro, sem deixar de citar a arquitetura. No Brasil, é impossível comprar um imóvel que tenha estrutura para um cadeirante (cito cadeirante porque é meu caso). Portas largas, banheiros maiores, pias e janelas rebaixadas, dentre tantas outras coisas. Nada é projetado para a classe deficiente. Fora de casa, piora muito! Enfrentamos ruas esburacadas, locais sem rampas, banheiros sem adaptação, uma cidade sem segurança e muitas pessoas preconceituosas, por total falta de informação, existe também a ideia que a pessoa com deficiência é incapaz para inúmeras áreas de trabalho. Muita coisa já se tornou lei, porém não é cumprido. Haja visto que encontramos diariamente pessoas que utilizam as vagas reservadas para pessoas com deficiência.
Adriana Lage: Nos momentos de desânimo, onde/em que encontra forças para seguir?

Adriana Buzelin: Descobri que para recomeçar era necessário mudar conceitos e valores que até então eu tinha. Descobri que era necessário sofrer o luto pelos movimentos perdidos e chorar a perda deles. Afinal, era uma forma de romper com o que se foi e ter força para começar um novo trajeto. Era necessário recomeçar e para isto era importante descobrir que existia, mesmo não acreditando, uma beleza em mim além da externa. Era importante me enxergar sob uma nova forma, adquirir autoestima, conquistar minha sexualidade, me aceitar como sou e me ver novamente bela.
Sou uma pessoa, por característica, movida a desafios. Desafios, não obstáculos que citei acima, mas desafios que me fazem me sentir capaz.

Seria hipocrisia dizer que não sinto desânimo, porque sinto e muito; mas, quando olho para vida e vejo o quanto ainda não fiz, me dá forças para querer continuar e conquistar, cada dia mais, um espaço ainda desconhecido. Daí, eu observo as pessoas que me rodeiam e vejo que esperam sempre mais de mim. Sinto que não posso me decepcionar e nem às pessoas que me amam. Sigo em frente e descubro que tenho muito a acrescentar.

Adriana Lage: Sabemos que nós, mulheres com deficiência, somos mais vulneráveis. Como podemos nos proteger da violência contra a mulher? Quais cuidados você toma?

Adriana Buzelin: Não consigo imaginar alguma diferença no aspecto violência contra mulheres com deficiência ou não. Vejo, atualmente, a violência inserida em nossa sociedade com vítimas em todas as classes sociais independente de quaisquer características físicas diferentes. A meu ver, o que devemos, portando ou não uma deficiência, é sempre estarmos atentas às situações que nos colocam vulneráveis. Tem tantas coisas que não faríamos estando em condições físicas normais; imagine com limitações?

Adriana Lage: Já sofreu preconceitos em relacionamentos amorosos por ser deficiente? O que pensa sobre esse assunto?

Adriana Buzelin: Já, claro! Principalmente no início da minha vida como cadeirante. Acho ridículo e de uma extrema mediocridade. Acredito que qualquer ser humano munido de preconceito não deve nem ser considerado um ser pensante. Tenho verdadeiro repúdio a preconceitos.

Adriana Lage: Como a arte entrou em sua vida? O que ela representa para você? Como podemos ter acesso ao seu trabalho?

Adriana Buzelin: A arte sempre fez parte da minha vida. Meu avô paterno era maestro, minha tia cantora lírica e minha mãe artista plástica. Dancei balé clássico por 11 anos, toquei piano por muitos anos também, porém após o acidente, sem movimentos nos dedos e com a necessidade de resgatá-los, comecei a mexer com argila. Foi onde fiz minha primeira obra que, como citei, ganhou premiação.
As favelas sempre povoaram meu imaginário. Ainda garota, aos 12 anos de idade, costumava acompanhar minha mãe, a artista plástica Iole Marques, em visitas a favelas de Belo Horizonte. Naquela época, tinha uma visão de menina: acha lindos aqueles labirintos com suas casinhas e bananeiras. Através de minhas favelas-esculturas, meu nome já ultrapassou os limites geográficos de Minas Gerais e até do Brasil.
A relação com o aglomerado tipicamente brasileiro foi reavivado ainda no pós-acidente; enquanto fazia exercícios fisioterápicos, observava, na janela de seu quarto, a favela do Alto Vera Cruz em Belo Horizonte.
Hoje em dia, você pode encontrá-las à venda na loja do Palácio das Artes em BH e até através do meu facebook. (www.facebook.com/adribuzelin).
Adriana Lage: Qual o segredo para ser uma mulher tão bela? Poderia nos contar quais cuidados são imprescindíveis para seu corpo e alma?
Adriana Buzelin: Obrigada! Em primeiro lugar, antes de qualquer coisa, você tem que gostar de si mesma. Eu reaprendi a gostar de mim e a enxergar que era possível existir beleza neste novo corpo que me foi imposto após o acidente.
Posso te dizer que se cuidar fazendo exercícios físicos, tratar da pele e do cabelo, alimentar-se bem e ser atenta ao alertas do seu corpo, te mantêm saudável e, por consequência, bonita Mas nada equivale à aceitação de si mesma. Estar de bem com seu corpo te faz feliz e ninguém que está infeliz fica belo.
Da minha alma, cuido com delicadeza. Tento ser muito doce comigo, apesar de exigir de mim mais que qualquer pessoa que conviva comigo. Procuro estar com os olhos abertos para vida, aberta a novas experiências e nunca perco a esperança de hoje estar melhor que amanhã.

Adriana Lage: Você também trabalha como modelo? Fale um pouco sobre sua carreira? O mercado da moda está aberto para pessoas com deficiência? Qual a reação do público diante de modelos cadeirantes?

Adriana Buzelin: Tive uma oportunidade de tirar umas fotos por pura vaidade pessoal que rendeu alguns frutos. Resolvi me dar oportunidade de me ver através de uma máquina fotográfica e para isto você tem que estar muito bem com seu corpo, tanto que achei as fotos muito bonitas. Divulgada estas fotos, pessoas da área de moda me convidaram para fazer um book profissional. Eita, surgiu um desafio e como não gosto nada de desafios, é claro, que fui tentar! rs...
Após isto, fui convidada a dar um depoimento para a revista Viver Brasil, de outubro/2012, onde apareceu, inclusive, umas das fotos do meu book feitos pela agência de modelos Woll de BH.

Sou considerada a primeira modelo cadeirante de Minas Gerais, porém percebo claramente como este mercado está engatinhando. Não posso dizer que existe ainda uma carreira como modelo porque as coisas estão começando agora. Tenho tentado divulgar e me inserir no mercado da moda, mas ainda tem muitas restrições. Novidade alguma dizer que fora do país existe um mercado interessante e reconhecido de modelos com deficiência. Até mesmo, em São Paulo, esta área começa a ser vista com bons olhos, mas, infelizmente o mercado ainda está muito fechado e são poucos que percebem a possibilidade de mudar o estereótipo do modelo publicitário, afinal a reação do público tem sido boa e muitos conseguem admirar um novo conceito de beleza. 
Tem um texto de Joaquim Nabuco que expressa muito o tento dizer:
“A borboleta nos acha pesados, o pavão malvestido, o rouxinol roucos, a águia rastejantes.” Estas palavras traduzem claramente algo que nem todos veem: tudo na vida é relativo, tem diversas formas, dependendo de como enxergamos. Inclusive a beleza.
Adriana Lage: Recentemente, você realizou o grande sonho de mergulhar. Como foi a experiência? Onde mergulhou? Quais passos um tetraplégico deve seguir para mergulhar?
Adriana Buzelin: Aí que está: nunca sonhei em mergulhar! Sonhava em saltar de paraquedas, mas mergulhar não. Até mesmo por total falta de informação, eu não sabia que poderia me tornar uma mergulhadora.
O mergulho surgiu em minha vida da forma mais linda possível. Meu irmão, Márcio, estava de férias em Fernando de Noronha. Mergulhando de forma recreativa, percebeu que a sensação era tão ímpar e singular que poderia me tirar desde universo terrestre onde enfrento tantos obstáculos físicos. Me ligou, me relatou como era fascinante estar submerso e me fez a proposta de ir tentar fazer o mesmo.
Daí, fui à busca de escolas e profissionais que fossem habilitados em mergulho adaptado.
Foi então que me surpreendi novamente, pois, em Belo Horizonte, não temos nenhuma escola de mergulho que se proponha a habilitar uma pessoa com deficiência. Pesquisei na internet e descobri a pessoa pioneira em mergulho adaptado no Brasil (HSA): Lucia Sodré. Conversando, ela me explicou que a HSA (Handicap Scuba Association), fundada em 1981, dedicou-se a melhorar o físico e o bem-estar social das pessoas com deficiência através do esporte de mergulho, tendo mergulhadores instrutores em alguns pontos do Brasil e um deles em São Paulo. A Scafo/SP e William Palma Spinetti dão este curso especializado para pessoas com deficiência. Qualquer pessoa com limitação física e que compreenda as regras de segurança que envolve mergulhar podem, se com saúde, ingressar no mergulho adaptado.
Digo que foi a melhor experiência que tive em toda minha vida. A partir do momento que adentramos no universo do mergulho, nossa vida se transforma; abre-se um novo olhar e aí não conseguimos viver mais sem. Queremos, cada vez mais, ousar, experimentar, descobrir...
Fomos eu, Kleber e companheiros de mergulho para Ilha Bela - litoral de SP. Não havia medo, não havia receio, havia apenas uma imensa felicidade de estar ali. A sensação da água te dando liberdade e leveza era o que sentia em meu corpo enquanto em minha mente só me trazia uma sensação de um imenso prazer de capacidade e fascinação por poder desvendar este novo universo que nunca sairei dele. Mesmo com pouca visibilidade, consegui ver corais, peixes, pepinos marinhos, estrela marinha que pude passar a mão nela. Uma estátua de Netuno, uma carroceria de caminhão... Depois disso, percebi que minha vida não seria mais a mesma!

Que venham as próximas viagens e os próximos mergulhos em águas claras e quentinhas, afinal, agora possuo habilitação básica para mergulhos internacionais. E ainda quero me especializar mais. O problema agora é conseguir acessibilidade às cidades e hotéis do mundo, principalmente do Brasil!
Adriana Lage: Como você definiria Adriana Buzelin?
Adriana Buzelin: Perseverante, exigente e determinada. Faço qualquer coisa pra me sentir capaz e ser feliz.
Adriana Lage: Quais serão seus próximos desafios?

Adriana Buzelin: Não sei! Eles virão e eu vou encarar, sempre!
Adriana Lage: Qual mensagem deixaria aos leitores da Rede Saci?
Adriana Buzelin: Tente ser feliz consigo mesmo. Trace metas e objetivos para sua vida por mais difíceis e impossíveis que eles inicialmente pareçam. Lute por seus direitos, tente ser independente, se esforce para ser capaz. A felicidade e a capacidade andam juntas e são as chaves do sucesso. Se realize!

Fonte:http://saci.org.br/?modulo=akemi&parametro=36246

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