segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Voto livre do eleitor com deficiência

Por: 
Izabel Maior*
Estamos em mais um importante ano para a democracia brasileira, no qual, pelo voto direto, a população pode fazer escolhas e mudar os rumos da sua própria vida. Cada cidadã e cada cidadão tem a responsabilidade de confrontar pros e contras das propostas dos partidos políticos e de seus candidatos. No entanto, a política partidária está tão desgastada por promessas não cumpridas que muitos eleitores preferem alienar-se do debate, deixando para outros a possibilidade de decidirem em seu nome. Não concordo com essa atitude. Desejo participar e definir quais serão os deputados, no âmbito estadual e federal, e quais os senadores que defenderão as principais questões no legislativo. Da mesma forma, em 2014, vamos votar em governadores e para o cargo de presidente. Muitas novas ideias podem merecer nossa escolha, assim como, iremos dar outro crédito aos parlamentares e políticos do executivo que agiram corretamente com o povo, transformando as promessas em ações concretas.
Ano de eleição é aquele momento em que fotos sorridentes, apertos de mão e beijos em criancinhas dominam o noticiário. Quem deseja ser visto ao lado de um político precisa se apressar, pois é agora ou quase certamente não mais terá a mesma oportunidade. Depois de tomar posse, o acesso a quem você elegeu sem bons critérios será quase impossível pelas mais diferentes razões. Só restará lamentar e culpar a democracia? Errado! Votar é um direito importante que não pode ser tirado de nenhum de nós. Houve muita luta em passado recente para acabarmos com o regime de ditadura militar (1964 a 1985), no qual o eleitor foi engavetado, silenciado, sem direito à voz e a voto direto. Não havia liberdade de expressão.
Penso que você já sabe de quase tudo isso, mas talvez não saiba que garantir os direitos de inclusão social das pessoas com deficiência é uma batalha ainda mais árdua e essencial. São muitas as armadilhas preparadas para os eleitores com deficiência, suas famílias, amigos, profissionais da área e simpatizantes da causa. Muitos candidatos se dirão defensores dos nossos direitos.
Vamos tentar demonstrar como precaver-se da maioria deles, com o objetivo de valorizar o seu voto, sem defender partidos ou candidatos, sem estabelecer juízo de valor para influenciar a sua opção. Estamos tratando da importância da democracia, da liberdade de escolha e da participação na vida política a que todos temos o direito individual, garantido pela Constituição Federal de 1988. Com o advento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada como emenda constitucional em 2008 e promulgada em 2009, pelo Decreto nº 6.949, dispomos do artigo 29 – participação na vida política e pública. O texto é: “assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas”.
Para que você e eu possamos ser eleitores conscientes e libertos, a justiça eleitoral, os partidos políticos, os candidatos e os meios de comunicação têm de cumprir com a obrigação de apresentar as suas propostas com acessibilidade adequada a todos os tipos de deficiência, contemplando as especificações que o segmento requer. A propaganda gratuita definida pela lei eleitoral é financiada pelo dinheiro público, portanto do pagamento que fazemos via impostos e taxas. A propaganda é tão essencial à eleição dos candidatos que os partidos políticos fazem de tudo para conseguir mais alguns minutos na televisão e no rádio. O candidato que passa mais tempo sendo visto e ouvido, em tese, terá maior chance de ser escolhido pelo eleitor. A nossa atenção deve voltar-se para  conteúdo das propostas e a necessária explicação.
Acostumamo-nos com a desobediência legal e muitos políticos não irão se preocupar com o eleitor surdo e sua forma específica de acessar a informação: legenda com caracteres no padrão de visibilidade e Libras. Muitos deixarão de lado o fato de o eleitor cego não ter acesso  às imagens do programa partidário, questão que deve ser resolvida com a audiodescrição. A grande maioria tampouco dará atenção aos eleitores com deficiência intelectual. As propostas devem ser apresentadas em linguagem e texto com leitura fácil, o recurso de acessibilidade indicado. Por sinal, quando se é capaz de expor ideias de maneira a serem facilmente absorvidas, significa que têm coerência, que não há subterfúgios e floreios a mascarar o conteúdo dúbio e vazio. Comunicação fácil e direta é um ponto a favor dos candidatos que querem verdadeiramente prestar contas e expor novas propostas aos eleitores.
Em campanhas eleitorais anteriores, os partidos e os candidatos, com algumas exceções, nada fizeram para a “garantia de que os procedimentos, instalações, materiais e equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão” para os eleitores com deficiência, como a legislação determina.
Os partidos políticos mantem fiscais devidamente credenciados para acompanhar o processo de votação nas seções eleitorais, portanto podem e devem também fiscalizar se a justiça eleitoral fornece a tecnologia assistida para os eleitores que necessitam de, por exemplo, fones para retorno do áudio da urna eletrônica. Da mesma maneira devem se certificar se o eleitor vai exercer o voto com liberdade, segurança e sem discriminação. A proibição de o cão-guia acompanhar seu dono até a cabine de votação representa crime de discriminação e os partidos políticos não podem se omitir nessas circunstâncias. As dificuldades de acesso físico às seções eleitorais também dizem respeito aos partidos políticos na defesa do direito dos eleitores com deficiência. Esses são alguns exemplos que acontecem no dia da votação.
O eleitor precisa ser atento e sábio para discernir entre as plataformas políticas e as formas de atuar no legislativo ou nos cargos executivos – governos dos estados e da condução do país. Há atribuições próprias e muitos tentam confundir o eleitor ao dizer que podem realizar tudo indiscriminadamente.
Sabemos que a inclusão das pessoas com deficiência faz parte do conjunto de ações para o desenvolvimento e o crescimento do país, como o combate à miséria, as obras de infraestrutura, o acesso à água, à moradia, etc. Somente com a solução dessas mazelas acontecerá a igualdade de oportunidades e o término da discriminação.
Temos consciência da grave situação de corrupção, sonegação de impostos, bem como o esgotamento das instituições responsáveis pela segurança pública. Para a prevenção e controle da violência é indispensável haver polícias efetivas e atuantes, com inteligência e tecnologia, capacitação dos profissionais e acompanhamento de sua conduta para com a população.
O que os candidatos têm a propor para a garantia da integridade física, prevenção do abuso, da violência e exploração das pessoas com deficiência? Sem conhecerem e usarem as formas de comunicação corretas, os agentes da segurança pública continuarão a  torturar e até matar surdos que não respondem quando são abordados. Parece absurdo, mas acontece. Este é um exemplo da atenção do eleitor ao analisar uma questão geral – a garantia da segurança pública para todos, com a especificidade que é um direito do cidadão surdo – ter segurança e utilizar a Libras em abordagens, interrogatórios, depoimentos e outras ações.
A condução correta da economia para impedir a inflação é outro aspecto indispensável para assegurar a capacidade de o poder público investir nas pessoas. O aumento da inflação prejudica diretamente o investimento em saúde e reabilitação, equipamentos de suporte à vida, medicamentos, tecnologia assistiva, recursos para a educação inclusiva, oportunidades de trabalho digno, proteção social e previdenciária, além de tantas outras obrigações e direitos do povo. Entretanto, sem previsão no planejamento dos governos e nos orçamentos não se fazem as intervenções diretas ou o repasse de verbas para a acessibilidade, a saúde, a educação e outros.
Quando os políticos eleitos devem favores de campanhas ao lado obscuro do empresariado, por exemplo, de obras e de transportes, dificilmente a fiscalização da existência de acessibilidade será realizada. Portanto, mais um aspecto importante para a decisão do eleitor com deficiência é conhecer a lista de financiadores das campanhas dos partidos políticos, pois algumas empresas são contumazes descumpridoras da legislação de cotas para trabalhadores com deficiência e também não cumprem as medidas de acessibilidade.
Como alertas a serem  usados destaco: candidatos que falam “vou trabalhar pelos deficientes físicos” ou “defendo as pessoas especiais”, ou ainda “vou doar cadeira de rodas”. Nesses casos o discurso demonstra o desconhecimento básico dos direitos.
Assim, a análise dos programas de governo dos partidos, promessas factíveis dos candidatos, a maneira como comunicam suas ideias (com acessibilidade), e a conduta pró-inclusão de seus apoiadores de campanha são ótimos indicadores para a decisão do eleitor com deficiência.
Indico a leitura do artigo 29 da Convenção da ONU sobre nossos direitos de participação na vida política e pública. Vamos usar o nosso voto e a nossa força de eleitores e desse modo apressar a inclusão de todas as pessoas.
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*Izabel Maior é médica, eleitora carioca, militante histórica do movimento de inclusão, atuou na ratificação da Convenção e é ex-secretária nacional de promoção dos direitos das pessoas com deficiência. É conselheira do Comdef Rio representando o SóLazer.
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