sexta-feira, 26 de setembro de 2014

No meu quintal, não!
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As mudanças em São Paulo: “Enquanto não nos dispusermos a fazer concessões pelo bem estar comum, nunca nenhum projeto será bom o suficiente para tornar São Paulo a cidade que sonhamos ter”. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)
São Paulo está passando por mudanças. Muitas ao mesmo tempo e algumas bem profundas, que pisam nos calos do paradigma conservador que a cidade cultiva com tanto orgulho. E enquanto muitos aplaudem, muitos outros vaiam. Às vezes nem por oposição estrutural, mas apenas pelo receio da mudança na sua confortável realidade. No mundo do planejamento urbano, há um nome para isto: NIMBY.
Um acrônimo inglês para Not In My Backyard, que traduzido literalmente significa algo como “Não no meu quintal”. Os NIMBYs ficaram assim conhecidos pela oposição seletiva dos residentes a projetos de desenvolvimento apenas porque são próximos às suas casas. Paradoxalmente, os NIMBYs são a favor desses projetos, contanto que sejam em outra região. Há exemplos em todas as esferas urbanas, desde protestos de alguns contra metrô em Higienópolis ou ciclovias na Paulista, até desocupação de prédio na São João, ou até o descontentamento com o Museu da Imagem e Som pelo sucesso da atração cultural mais visitada nos últimos tempos. Embora as discussões se percam nos detalhes de cada projeto, percebe-se que o verdadeiro conflito acontece longe das ruas, incrustado por gerações nas mentes paulistanas. Uma teimosa visão insular de cidade, onde cada habitante é dono de sua própria ilha, e recusa-se a partilhar ou colaborar com a vida do todo. Deste modo, enquanto não nos dispusermos a fazer concessões pelo bem estar comum, nunca nenhum projeto será bom o suficiente para tornar São Paulo a cidade que sonhamos ter. Sempre esbarrará em uma parcela da população que protege seu quintal e seus hábitos, costumes e crenças com unhas e dentes.
Ao perguntar a qualquer habitante de qualquer esfera social se preferiria um sistema de transporte público mais extenso e com maior qualidade, a resposta é sempre um unânime e uníssono sim. Até que interfira nos generosos espaços dos transportes individuais, porque aí já se torna uma afronta autoritária contra o direito de ir e vir dos carros e motos da cidade. Vi muitas reclamações sobre os números de ciclistas e as faixas dadas a eles, e como isso é antidemocrático com os milhões de motoristas, que agora têm apenas das algumas das suas dezenas de milhares de faixas a menos. O que é ilógico, porque a comparação democrática não se dá por números e sim por área e externalidades. Um motorista ocupa 8 vezes mais espaço e emite 11 vezes mais poluentes do que um usuário de ônibus, consome 25 vezes mais energia do que um usuário de metrô, ocupa o espaço de 30 bicicletas, além de causar 1.117 mortes no trânsito por ano e bilhões em gastos públicos com saúde. Deste modo, democrático mesmo (pois na democracia todos os cidadãos têm o mesmo valor) seria dar 8 faixas aos ônibus e uma aos carros, isto sem contar as bicicletas. Se ainda não faz sentido, pense nos assentos de um avião. Você aceitaria que um passageiro tivesse 8 assentos enquanto você e mais 7 tivessem assentos 12% menores, sendo que todos pagam o mesmo preço na passagem? Da mesma forma, todos sonham com uma sociedade mais justa, menos violenta, com espaços urbanos compartilhados e acessíveis. Mas não se conformam quando se vêem requisitados a fazer concessões para que a justiça aconteça.
É como a pessoa que quer perder peso sem mudar a alimentação. Além de impossível, é uma atitude completamente ilógica sobre o processo. O cidadão gostaria que São Paulo tivesse as ruas prazerosas de Paris, o transporte público de Londres e a riqueza cultural de Barcelona, mas se indispõe ao metrô perto de casa, ao museu barato no seu bairro e à bicicleta na faixa ao lado do seu SUV. Sim, todos gritam e todos sabemos que São Paulo não é Paris, nem Amsterdam, nem Copenhague nem Londres. Mas todas essas cidades foram São Paulo 40 anos atrás, o que mostra que São Paulo pode não apenas ser uma delas, mas sim uma combinação ainda melhor de todas, em 20 anos à frente. Londres sofria com congestionamentos intermináveis, e Amsterdam era coberta por estacionamentos. Obviamente, não estou falando de modo geral. Temos visto um massivo apoio às ciclofaixas e às faixas de ônibus, incluindo dos próprios motoristas. Este artigo trata de uma parcela da população, geralmente conservadora, que se opõe à democratização dos espaços dos seus bairros e das ruas dos seus trajetos.
O problema no discurso destes céticos é a vontade do benefício sem o comprometimento com o esforço. Até concordam que a cidade seria muito melhor de outra forma, mas querem apenas mergulhar na piscina quando ela já estiver pronta. Querem todas as vantagens das grandes cidades, sem que se mexam nas largas avenidas para não atrapalhar a fluidez de seus possantes. Nisto, outro ponto ilógico dos NIMBYs paulistanos que as teorias dos transportes explicam: tirar uma faixa dos carros para dar aos ônibus, ou mesmo bicicletas, não aumenta proporcionalmente o trânsito da cidade, porque a população de São Paulo é um número finito. Logo, com a menor oferta de espaço, há uma migração dos motoristas aos outros modais que compensa o menor espaço com menor demanda. Consequentemente, a fluidez mantém-se, ou, em muitos casos, até melhora.
Portanto, antes de discutirmos quem tem mais direito sobre a cidade, temos que pensar em como vemos a relação entre a percepção do espaço próprio contra o espaço compartilhado. Pois ninguém tem mais direito sobre a cidade. E se lhe parece que estão priorizando usuários de transporte público e ciclistas às custas dos motoristas, na verdade este é apenas o ajuste de décadas de prioridade dos automóveis sobre todos os demais modais. Estruturas físicas agregadoras não funcionam enquanto usadas por mentes segregadoras.Não é a questão de querer pedalar ou não, ou andar de carro ou de ônibus ou de metrô. Mas sim de entender que enquanto eu não ceder o meu quintal, a rua nunca será tão bonita quanto eu gostaria que fosse.
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