quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Rosely Sayão


Gerações

Faz semanas que temos falado do Dia da Criança, comemorado em 12 de outubro. Escolas realizam eventos para seus alunos, a mídia faz reportagens sobre o assunto, famílias agendam idas a lojas para comprar brinquedos para os filhos, que ficam ansiosos com o que vão ganhar.
Todo esse barulho em torno da data está relacionado a uma valorização da infância e das crianças em nossa sociedade? Não. Valorizamos o consumo, que nessa época explode porque ninguém quer ver o filho com carinha triste por não ter ganhado o que esperava.
O único que ganha com essa data é o mercado que trabalha com produtos destinados às crianças.
No dia 1º de outubro, foi comemorado o Dia do Idoso. Alguém leu ou viu reportagens sobre os nossos velhos, observou campanhas, mesmo publicitárias, incentivando a compra de presentes para esse público?
Nesse caso, o silêncio foi quase absoluto. Por mais que eu tenha procurado, só consegui ler uma ou outra notícia ou lembrança da data. Nem mesmo o mercado de consumo valoriza os velhos.
Crianças, jovens e velhos teriam muito a ganhar uns com os outros se convivessem. Mas, em nossa sociedade segregacionista geracional, dificilmente eles se encontram.
Temos festas para crianças em que os adultos e os velhos ficam de fora. É que achamos que as crianças não precisam de nada além de doces, refrigerantes e animadores de plantão para entretê-los, não é? O que fariam os velhos em festas de criança? E os jovens?
Temos bailinhos para os velhos dançarem também. Jovens e adultos que ainda não se consideram velhos jamais -JAMAIS- frequentam esses locais, a não ser para levar ou buscar algum parente.
Em restaurantes, só há crianças e idosos na mesma mesa se a refeição é em família. Mesmo assim, não é tão comum. Observe, caro leitor, como as mesas desses locais são ocupadas: grupos de pessoas da mesma idade são a maioria. Claro! Pensamos que velhos, crianças e jovens não têm nada em comum, então, por que haveriam de conviver?
Estava me esquecendo das casas noturnas. É nesses locais que melhor podemos constatar como evitamos conviver e nos relacionar com pessoas de idades distantes. Hoje, há casas noturnas para pessoas entre 20 e 30 anos, outras para os que têm mais de 30 e outras para os que têm mais de 40. E os que têm mais de 60? Ora, o lugar deles é nos bailinhos para esse grupo chamado de terceira idade -expressão que eu desprezo, por ser mais um recurso social para esconder a velhice.
Nem sempre foi assim. Atualmente, por exemplo, está sendo reprisada uma novela exibida no final da década de 1970 cujo título é o nome da uma casa noturna frequentada por jovens, adultos e velhos. É lá que todos, juntos, se encontram, se relacionam e se divertem.
O resultado dessa separação das gerações é que crianças não sabem conviver com velhos, jovens pensam que não têm assunto a conversar com os velhos e estes se espantam com a vitalidade das crianças e com o estilo de vida dos jovens. Só desencontros.
As crianças serão jovens, adultos e velhos um dia. Os velhos já foram crianças e jovens. Por que evitamos o relacionamento entre eles? Teriam tanto a aprender uns com os outros, a ensinar, a compartilhar.
Podemos mudar isso, não podemos? Mas queremos? 
rosely sayão
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças.
Editado em "Cotidiano", 7/10/2014, jornal "Folha de São Paulo"

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