terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Parkinson - avanços nas pesquisas

Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/12/18/movimentos-sob-controle/

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Movimentos sob controle

Compostos parecem reduzir um grave efeito colateral do tratamento do Parkinson
FRANCISCO BICUDO | Edição 214 - Dezembro de 2013
© LAUREN SHEAR / SCIENCE PHOTO LIBRARY
Encontrar estratégias para minimizar um dos efeitos colaterais mais comuns do tratamento prolongado contra Parkinson, os movimentos repetitivos e involuntários conhecidos pelo termo técnico discinesia, é um dos desafios atuais dos grupos que estudam a doença. Trabalhos feitos pelo grupo de Elaine Del-Bel, do Departamento de Morfologia,  Fisiologia e Patologia Básica da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), sugerem que o controle dessa disfunção pode ser alcançado se for possível regular a quantidade de óxido nítrico no cérebro, onde o composto atua como neurotransmissor. O uso de duas substâncias, uma que inibe a ação do óxido nítrico e um conhecido corante, para controlar a produção desse neurotransmissor, foi testado em animais e os resultados foram animadores. “O óxido nítrico deve atuar em conjunto com a dopamina [outro neurotransmissor] para que os movimentos aconteçam com harmonia. Ao modular o primeiro neurotransmissor, controlamos também os níveis do segundo, fazendo desaparecer a discinesia”, explica a pesquisadora, cujos estudos são conduzidos no âmbito de um projeto temático da FAPESP.
No tratamento do Parkinson, quando se chega a um estágio em que a pessoa já não consegue mais controlar tremores nas mãos e nas pernas e tem dificuldades para se levantar da cadeira ou assinar o próprio nome, por exemplo, os médicos costumam recomendar o uso de remédios compostos à base de uma substância chamada Levodopa (ou somente L-Dopa). Ela é precursora da dopamina, neurotransmissor associado aos movimentos e que é produzido em quantidade insuficiente no cérebro de pacientes com a doença – daí as limitações motoras. Com a regulação da dopamina, os tremores tendem a desaparecer e o controle da movimentação retorna a um nível satisfatório.
Esse período de recuperação, a fase de “lua de mel” da doença, permite ao paciente ganhos consideráveis, pois ele volta a dar conta com relativa facilidade de tarefas cotidianas e triviais, como usar talheres e segurar copos, sem riscos de derrubá-los. Os benefícios, no entanto, têm prazo de validade. Duram em média cinco anos. Depois desse período, por razões ainda pouco conhecidas, as tremedeiras involuntárias ressurgem, ainda mais fortes e agressivas. É quando se manifesta a discinesia, disfunção que pode fazer o paciente mover involuntariamente os músculos da face, dos braços e das pernas. Em grego, a palavra kínesis significa movimento.
Reação em cadeiaNum primeiro trabalho, publicado em janeiro de 2009 na revista Neuroscience, o grupo de Ribeirão Preto inicialmente induziu Parkinson em ratos, injetando toxinas nos neurônios responsáveis pela produção de dopamina e aguardando que as lesões provocadas atingissem cerca de 80% das células nervosas, para simular o estágio avançado da doença. Os animais foram em seguida tratados com a L-Dopa até que surgissem os sintomas da discinesia. Por fim, os pesquisadores aplicaram nos ratos o composto 7-nitro-indazol, que inibe a ação de enzimas importantes para a produção do óxido nítrico. A esperada reação em cadeia funcionou. Com menor quantidade do neurotransmissor no sistema nervoso, os movimentos involuntários praticamente desapareceram.
A pesquisadora lembra que a investigação sobre os efeitos do óxido nítrico não foi aleatória. “Já sabíamos que ele é um neurotransmissor fabricado sob demanda, de acordo com as necessidades do organismo, altamente solúvel, que atua em muitos neurônios e, principalmente, que pode modular a atividade de outros neurotransmissores”, explica Elaine. Ela reconhece que essas associações ainda precisam ser estudadas e complementadas: “A discinesia é um quadro complexo e envolve a degeneração celular e a ação de diversos neurotransmissores”. No entanto, os resultados do estudo mostram que, ao regular a quantidade de óxido nítrico, controla-se por tabela o nível de dopamina no cérebro e, por consequência, a discinesia. Nesses casos, a eliminação parcial ou por completo dos sinais da discinesia pode se dar graças a um efeito conhecido como turnover da dopamina. “Com apenas uma dose do composto 7-nitro-indazol, a discinesia desaparece, e o animal consegue recuperar quase 100% dos movimentos. Se fôssemos transportar para seres humanos, seria como dizer que retornam à fase de lua de mel do tratamento da doença. Foi a primeira vez que essa relação foi identificada”, afirma Elaine, que neste ano publicou outros dois artigos sobre o papel do óxido nítrico no controle da discinesia.
© EDUARDO CESAR
Azul de metileno: corante em teste contra discinesia
Azul de metileno: corante em teste contra discinesia
Na sequência, os pesquisadores decidiram avançar um pouco mais para apostar em outra ideia promissora: substituir o 7-nitro-indazol pelo azul de metileno, substância também conhecida por impedir a ação do óxido nítrico. “A vantagem do azul de metileno em relação ao 7-nitro-indazol é que ele já é largamente usado em testes clínicos em seres humanos e até mesmo em tratamentos de infecções em unidades de terapia intensiva”, diz a pesquisadora. Mais uma vez a expectativa foi confirmada: a discinesia retrocedeu. O corante provavelmente reduziu a disponibilidade de óxido nítrico no sistema nervoso. “Essa foi a segunda evidência desse mecanismo de associação entre os dois neurotransmissores”, diz Elaine. O estudo é desenvolvido em colaboração com o neurologista Vitor Tumas, responsável pelo Ambulatório dos Distúrbios do Movimento do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, que deverá testar o azul de metileno em pacientes humanos com discinesia. “Essa linha de pesquisa vem oferecendo contribuições bastante originais, incluindo os primeiros estudos a indicar o papel que o óxido nítrico pode ter no controle motor, e sugere possíveis testes clínicos e aplicações terapêuticas”, comenta Francisco Silveira Guimarães, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, coordenador do projeto temático.
Para Henrique Ballalai Ferraz, professor de neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o trabalho dos colegas da USP de Ribeirão Preto representa avanços importantes, mas ainda não encerra a questão do controle das discinesias. “O grupo olhou para uma faceta relevante, que ainda não tinha sido evidenciada, mas ela não é a solução definitiva”, afirma Ferraz. Segundo ele, trabalhos internacionais mostram que a modulação de outros neurotransmissores, como a adenosina, a serotonina e o glutamato, também permite estabilizar os movimentos em pacientes com Parkinson. “A questão é mais ampla. A discinesia envolve vários sistemas de neurotransmissores”, diz o pesquisador da Unifesp.
Descrita pela primeira vez em 1817 por James Parkinson (1755-1824), a doença se manifesta quando os neurônios da chamada substância negra, que ficam no tronco cerebral, morrem e deixam de produzir dopamina. Como um neurônio pode ser comparado a uma árvore, com vários galhos, ramificações e distintas conexões, há redução também do neurotransmissor nos neurônios dos núcleos da base, localizados abaixo do córtex cerebral. Essa região, em parceria com o córtex motor, é a principal responsável pelos movimentos voluntários. “O complicado é que o diagnóstico só pode ser definido com segurança a partir da manifestação dos sintomas motores, que são bem característicos, e quando a doença já está geralmente em estágio bem avançado e cerca de 80% da dopamina já desapareceu”, diz Elaine. Inicia-se então o tratamento com a L-Dopa.
Por conta de mecanismos ainda não completamente esclarecidos, a substância funciona bem no início do tratamento, mas seu uso regular e contínuo faz surgir como efeito colateral a discinesia. “Provavelmente o que acontece é uma maior quantidade de dopamina no cérebro, associada a complicados processos decorrentes da morte de neurônios. A liberação do neurotransmissor não é natural, fisiológica, mas induzida por medicamentos no organismo. Como ação rebote, os movimentos involuntários anormais aparecem”, comenta Elaine.
© LÉO RAMOS
Exercício físico: melhora cognitiva dos pacientes com a doença
Exercício físico: melhora cognitiva dos pacientes com a doença
Os possíveis benefícios de exercitar corpo e mente
Além de procurar marcadores que possam antecipar o diagnóstico do Parkinson 
e testar formas de reduzir os efeitos colaterais do tratamento prolongado, as pesquisas buscam garantir uma maior qualidade de vida aos pacientes, que sofrem de uma doença progressiva e irreversível. Na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), campus de Rio Claro, Lilian Teresa Bucken Gobbi analisou os efeitos de diferentes exercícios, físicos e cognitivos, em pacientes com Parkinson. Como qualquer movimento feito pelo corpo exige dopamina, os médicos tendem a recomendar menos atividades físicas para os pacientes com Parkinson, para não gastar reservas daquilo que já é produzido em menor quantidade. Mas a literatura médica indica que adultos sadios que fazem exercícios têm menor probabilidade de desenvolver a doença. “Costuramos as duas informações, aparentemente contraditórias, e resolvemos investigar”, diz Lilian, coordenadora do Laboratório de Estudos da Postura e da Locomoção (Leplo) da Unesp.
Ela trabalhou com três grupos de pacientes, que cumpriram duas sessões semanais de exercícios, cada uma com uma hora de duração. O primeiro grupo fez ginástica geral (musculação, movimentos rítmicos e de flexibilidade); o segundo, além da ginástica geral, adotou caminhadas que exigiam sair 
do ambiente conhecido para enfrentar outros trajetos com piso irregular, por exemplo, com intuito de estimular a atenção e o sistema sensorial. O terceiro, chamado de ativaMente, enfrentou desafios lógicos e matemáticos. 
O estudo deve durar três anos– e os participantes de cada equipe, a cada ano, irão trocar os exercícios, até que tenham circulado por todas as abordagens propostas.“É um trabalho de longa duração”, diz Lilian.
Os primeiros resultados são animadores. Depois de quatro meses, pacientes dos três grupos conseguiram melhorar as variáveis cognitivas da doença. “Em um ano, é esperado que, nos testes cognitivos usados para avaliar Parkinson, os pacientes piorem em média oito pontos. Com os exercícios, físicos ou mentais, não houve avanço nessa pontuação, e o quadro ficou estável”, diz. Uma explicação possível para a conquista é a plasticidade cerebral, com os neurônios que ainda funcionam, estimulados pelos exercícios, assumindo as funções dos que já morreram. “Além disso, as sessões de atividades aconteciam sempre no início da manhã, logo em seguida à administração dos remédios, e, atuando em conjunto, podem ajudar a equacionar a ação da droga no cérebro”, completa.
ProjetoNeurotransmissores típicos e atípicos em transtornos neuropsiquiátricos (07/03685-3);Modalidade Projeto Temático; Coord. Francisco Silveira Guimarães – FMRP/USP;Investimento R$ 1.947.653,25 (FAPESP).

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