Yedda com a mãe, Sheila, Sheila vencida por um câncer em 17 de abril
Yedda (D) com a mãe, Sheila, vencida por um câncer em 17 de abril

Esta é uma história de amor e separação contada por Yedda Macdonald, uma dessas filhas extremamente afetuosas. Com este texto, ela presta tributo à sua valente mãe, Sheila Regina Raynsford, que partiu rumo às estrelas no dia 17 de abril, vítima de um câncer. Para a filha, a mãe era “uma mandala cheia de cores, movimento e vitalidade.”
Leia o que Yedda escreveu:
Li outro dia num livro algo óbvio, porém, poético e verdadeiro: a vida começa e termina com uma separação. Desde a nossa primeira respiração até a última, atravessamos a vida elaborando encontros, desencontros e reencontros até a nossa despedida e separação final.
Todos os dias, nas últimas duas semanas, vou ao hospital visitar minha mãe. Converso com ela, seguro a sua mão, ouvimos música e quando posso alimento-a como ela fez quando eu era criança. E todos os dias me despeço dela e saio sem saber se a verei novamente com vida.
Nunca imaginei que essa experiência pudesse ser tão bonita, doce e, sobretudo, uma dádiva, um privilégio ter tantas despedidas. Hesitei em compartilhar esse texto, mas diferente do que pensamos quando estamos sofrendo muito, a morte não é algo subjetivo, não é azar, não é castigo ou punição, mas é arquetípica, humana e um ritual iniciático que todos nós passamos ou passaremos com ente queridos.
Maior legado de Sheila foi a coragem
Maior legado de Sheila foi a coragem
Vejo nesses dias de visita hospitalar pessoas felizes na maternidade, famílias chorando perdas, outras aliviadas saíndo. E tudo isso é de todos e cada um de nós. O mais importante que tenho aprendido é que tanto as alegrias, como as tristezas podem nos trazer felicidade.
Não me sinto infeliz com essa despedida. Sinto-me triste. Mas, quando olho para os olhos vivos da minha mãe e tenho esse tempo de silêncio, de convívio nessa transição, sinto gratidão e honra.  Sofrer não é infelicidade. É condição de estar vivo. Assim como festejar, comemorar também são condições do viver.
Compartilho com vocês essas reflexões porque escrever é a forma que encontro de me centrar. E escrever para si próprio é pequeno, egoísta. E talvez o maior legado da minha mãe seja a coragem que sempre teve em se expor na sua alegria, loucura, braveza e coragem. A ela devo essa coragem em ser honesta e o prazer que tenho em compartilhar meus sentimentos sem pudor, mas com dignidade.
 Carta aberta à mãe que começa a partir
Mãe, ontem tivemos que decidir por você, pelo seu conforto e paz a sedação. Não foi fácil decidir pela perda do nosso elo mais consciente. Mas, estamos sempre unidas por um elo muito mais sutil e grandioso: o da espiritualidade e para esse não há sedação, pelo contrário, para esse há o despertar de uma consciência mais cósmica.
No silêncio do seu quarto, observo seu corpo adormecido, mas sinto seu espírito vivo e passeando por outras dimensões. Sinto-a libertando-se pouco a pouco desse mundo de limitações, dessa passagem que viemos para tentarmos evoluir nas relações, nas conquistas e nas perdas. Vai guerreira, deixa essa roupa que te serviu e vista outra mais liberta, mais leve e vá para a sua nova aventura.
Sinto saudades todos os dias, mas aprendo no seu silêncio e sono eterno a me desapegar, a não relutar. Mas, ainda tenho muito o que aprender. Às vezes, me revolto mas olho seu semblante tão sereno e vejo que essa conquista por um fim sereno é seu grande presente, sua dádiva após uma vida de muita luta, ansiedade, euforia, mas pouca paz. Portanto, usufrua dessa paz tão almejada. Que assim seja.