domingo, 14 de junho de 2015

Contenção física de pessoas idosas mais frágeis: proteção e cuidado?

Escrito por  Arianna Kassiadou Menezes(*)
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contencao-fisica-de-pessoas-idosas-mais-frageis-protecao-e-cuidado-fotodestaqueExemplos dramáticos acontecidos na China e Brasil mostram o que acontece quando se utilizam medidas de restrição da liberdade sob a alegação de proteção e cuidado. Nos dois casos, incêndio em instituições de longa permanência para idosos, resultou em vítimas fatais porque havia pessoas contidas que não puderam se defender e não puderam ser alcançadas em tempo hábil para serem salvas.
No caso brasileiro as pessoas idosas estavam contidas no leito amarradas com lençóis.
Nestes últimos dias eu tive acesso a duas notícias lamentáveis relacionadas à realidade sobre a qual estamos conversando no Grupo da Tríplice Aliança. A prática rotineira e naturalizada de contenção física das pessoas idosas mais frágeis ou demenciadas.
Uma das notícias veio da China, e a outra, de uma pequena cidade brasileira próxima a São Paulo.
Nos dois casos havia acontecido um incêndio em instituições de longa permanência para idosos que resultou em vítimas fatais porque havia pessoas contidas que não puderam se defender e não puderam ser alcançadas em tempo hábil para serem salvas. No caso brasileiro as pessoas idosas estavam contidas no leito amarradas com lençóis (As matérias sobre os casos estão nas referências abaixo).
Eu me lembro de uma história semelhante que aconteceu há cerca de dez anos aqui na nossa cidade, e quando o nosso amigo de Trieste, Fabio Cimador, esteve fazendo palestras no Brasil em 2014, ele relatou vários casos como este acontecidos na Itália e em outras regiões da Europa.
Este é um dos exemplos mais dramáticos do que pode acontecer quando se utilizam medidas de restrição da liberdade sob a alegação de proteção e cuidado, quando na verdade está sendo colocada em evidência uma grave carência de recursos adequados para os cuidados de uma pessoa mais vulnerável, um total desconhecimento das opções para este cuidado e uma banalização dos riscos que as práticas de contenção podem causar.
É lamentável que ainda tenhamos que conviver com esta realidade em pleno século XXI quando um mundo que se diz globalizado, globaliza as operações econômicas, mas não se esforça de fato, para globalizar o acesso ao conhecimento e aos meios que podem difundir e ampliar concretamente o bem estar humano.
O envelhecimento com fragilidade é um subproduto do desenvolvimento que a humanidade alcançou, e ainda não estamos preparados para enfrentar esta realidade oferecendo condições de vida digna para as pessoas que se encontram nesta circunstância. Fazemos questão de viver e difundir a ilusão sobre a possibilidade de um envelhecimento sem velhice, gostamos de pensar que existe uma possibilidade de juventude eterna, de competitividade eterna e de produtividade eterna.
A China vive um drama muito particular dentro deste panorama. Trata-se de uma economia emergente e participante dos BRICS, assim como o Brasil, que faz uma entrada agressiva no mercado internacional através da produção em massa de bens de consumo, utilizando um trabalho humano que se assemelha a um sistema moderno de trabalho escravo, e de uma política de contenção artificial do crescimento populacional através da lei do filho único.
Posso dizer através das informações que eu tenho tido acesso ao longo dos últimos anos, que o envelhecimento na China contemporânea representa um modelo do que seja uma situação verdadeiramente dramática. O país não se preparou através da organização de um sistema que contemple os cuidados de longo prazo e não existem famílias cuidadoras disponíveis. Pelo que eu sei, a situação da rede de instituições de longa permanência é sofrível, como ainda é, em diversas outras regiões do mundo.
Infelizmente não podemos descrever uma realidade muito diferente desta no Brasil. Um país que fez belíssimas leis para garantir os direitos e os cuidados das pessoas idosas, mas que não deu qualquer importância à concretização de políticas públicas de fato, e nem realizou avanços na discussão sobre uma rede assistencial adequada, competente e condizente com as demandas e as necessidades mais concretas deste grupo populacional.
contencao-fisica-de-pessoas-idosas-mais-frageis-protecao-e-cuidado-foto1O Brasil não discute a questão do envelhecimento populacional com dependência. O Brasil não discute a questão referente à necessidade de uma rede organizada que dê conta dos cuidados de longo prazo. O Brasil não discute a necessidade de formação qualificada para profissionais que já atuam ou que desejam atuar neste segmento assistencial. O Brasil não discute a cidadania da pessoa idosa, a não ser que esta pessoa seja um potencial consumidor de bens ou de serviços lucrativos ou um “velhinho” que goste de frequentar grupos de bailes.
O Brasil resolveu que, neste campo, a melhor política é a de imitar um avestruz. Fingir que nada está acontecendo, porque existem outras prioridades neste momento.
Mas se pensarmos que toda organização social representa um grande sistema ecológico interligado e interdependente, vale a pena relembrar também uma lei clássica da física elaborada por Isaac Newton, e que diz o seguinte: “Se um corpo A aplicar uma força sobre um corpo B, receberá deste uma força de mesma intensidade, mesma direção e de sentido contrário.” Os fatos, as suas causas e as suas consequências acabam estando sempre interconectados e interdependentes.
Avançar na discussão sobre as políticas e as práticas de qualidade na área dos cuidados de longo prazo às pessoas idosas em situação de dependência é uma questão básica e estruturante dentro da realidade demográfica e epidemiológica que vivemos na atualidade.
Referências
Do G1 Ribeirão e Franca. Idoso é achado amarrado e clínica clandestina é interditada em Ribeirão. Disponível em http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2015/05/idoso-e-achado-amarrado-e-clinica-clandestina-e-interditada-em-ribeirao-preto.html. Acesso em 06 de maio de 2015.
O POVO Online. Incêndio em asilo da China deixa 38 mortos, diz imprensa estatal. Disponível em 05/25/noticiasasia,3443547/incendio-em-asilo-da-china-deixa-38-mortos-diz-imprensa-estatal.shtml. Acesso em 25/05/2015.
(*)Arianna Kassiadou Menezes é uma das mentoras do Grupo da Tríplice Aliança, grupo de discussão de um movimento muito importante sobre estas questões, existente no Rio de Janeiro, Argentina e Itália. Email: menezesp48@globo.com. Face do grupo, onde este texto foi primeiramente publicado: https://www.facebook.com/groups/triplicealleanza/
http://www.portaldoenvelhecimento.com/cuidados/item/3657-contencao-fisica-de-pessoas-idosas-mais-frageis-protecao-e-cuidado 

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