terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Saiba mais sobre Raquitismo

Deficiência de Luz Solar e Aleitamento Materno  
Cynthia Good Mojab, Ms, Ibclc, Hillsboro, Oregon

*Publicado em Breastfeeding Abstracts, November 2002, Volume 22, Number 1, pp. 3-4.

Fonte:Sociedade Brasileira de Pediatria

Na ausência de causas orgânicas subjacentes (ex.: doença orgânica hepática ou renal, prematuridade), a deficiência de vitamina D é deficiência de luz solar.

A Vitamina D é, na realidade, um hormônio esteróide sintetizado a partir de um pró-esteróide que é produzido mediante a exposição direta da pele à radiação ultra-violeta B (UVB) do sol. Migração, urbanização, desigualdades sociais e preocupação quanto ao câncer de pele têm reduzido a exposição de muitas pessoas à luz solar no mundo inteiro. No entanto, a exposição direta, casual, da pele à luz solar é o meio biológico normal, mais comum e mais importante para atingir níveis suficientes de vitamina D em seres humanos, sendo que a ingestão dietética se torna importante apenas com produção endógena inadequada e depleção de reservas corporais.

Apenas alguns alimentos contêm níveis significantes de vitamina D (ex.: fígado e óleo de alguns peixes gordurosos). Sem suplementação ou enriquecimento de alimentos, seria muito raro para pessoas de qualquer idade conseguir vitamina D suficiente apenas a partir das suas dietas1.

O Paradigma Original

As fontes biologicamente normais de vitamina D para as crianças amamentadas são primariamente os estoques pré-natais (para os recém-nascidos) e a luz do sol, com uma menor contribuição feita pelo leite humano2,3. Pesquisa tem mostrado que sem a exposição pós-natal à luz do sol, os estoques de origem fetal de vitamina D seriam depletados em oito semanas em bebês amamentados exclusivamente ao seio2.

Entretanto, estudos em crianças têm mostrado que um total de apenas algumas horas de exposição à luz solar no verão produz vitamina D suficiente para evitar deficiência por vários meses1,4,5. Em um estudo de bebês caucasianos menores de seis meses amamentados exclusivamente ao seio, 30 minutos/semana (usando apenas fraldas) ou 2 horas/semana (completamente vestidos, sem chapéu) de exposição à luz solar se mostrou suficiente para prevenir deficiência5. Bebês caucasianos exclusivamente amamentados ao seio expostos à luz solar podem não requerer suplementação de vitamina D durante os seis primeiros meses de vida, a despeito das variações sazonais de exposição a raios ultravioletas (UVB), particularmente se suas mães tiveram exposição à luz solar suficiente ou tomaram vitaminas durante a gravidez6,7. Bebês com pigmentação escura podem requerer três a seis vezes a exposição de bebês de pigmentação clara para produzir a mesma quantidade de vitamina D8.
Quando bebês e suas mães são expostos a quantidades biologicamente normais de luz solar deve-se assumir que o leite humano contém quantidades biologicamente normais de vitamina D. Entretanto, leite humano de mães com níveis séricos de vitamina D considerados dentro da faixa normal para adultos produzem muito menos vitamina D que os 200 a 400 IU/dia comumente recomendados para crianças no primeiro ano de vida1. Uma variedade de estudos mostra que o leite humano maduro tem aproximadamente 5 a 136 IU/L de vitamina D lipossolúvel, dependendo de como sua atividade é medida e do status materno de vitamina D9,10,11. A concentração de vitamina D no leite humano aumenta com os estoques maternos mais altos, os quais dependem da exposição à luz solar, pigmentação da pele, latitude, estação do ano, e - na ausência de exposição a raios ultravioleta suficiente - de vitamina D12. A concentração de vitamina D no leite humano aumenta significantemente com o que são atualmente consideradas doses farmacológicas de suplementos de vitamina D13,14. Ainda, a administração de 1 000 IU de vitamina D a mães nutrizes não normaliza os níveis de vitamina D 25-hidroxi dos seus bebês15. Bebês amamentados requerem suficiente exposição à luz solar ou suplementação para evitar deficiência de vitamina D.

Prevalência de Raquitismo

A deficiência de vitamian D na infância pode causar raquitismo, cujos sinais e sintomas incluem deformidades ósseas e fraturas, fraqueza muscular, retardo no desenvolvimento, baixa estatura, falha de crescimento, distúrbio respiratório, tetania e insuficiência cardíaca16. Os efeitos subclínicos do raquitismo são desconhecidos. A deficiência de vitamina D nos primeiros meses de vida após o nascimento é relativamente rara, mas tem ocorrido congenitamente em bebês filhos de mães que eram gravemente deficientes em vitamina D durante a gravidez17,18. Raquitismo franco aparece mais freqüentemente em crianças de 6 a 36 meses de idade do que em bebês menores de seis meses e sua apresentação clínica varia com a idade de início16.

O raquitismo foi epidêmico nas cidades industriais da América do Norte e nordeste da Europa na virada do século 20. Em torno dos anos 80 havia sido eliminado na maioria dos países desenvolvidos com o uso de vitamia D e de fortificação do leite de vaca. Raquitismo permanece sendo um problema grave em alguns países em desenvolvimento (ex.: 40,7% de crianças cna China; 23% de crianças na região de saúde Ulas central da Turquia)19, 20,21,22. Devido à convergência de uma variedade de fatores de risco, o raquitismo é na realidade mais comum nas regiões do mundo onde a luz solar é abundante (ex.: Índia subcontinental, Egito, Etiópia, Libia, Marrocos, Tunísia) 23,24,25,26. Desde os anos 70, o raquitismo por deficiência de vitamina D em bebês amamentados tem sido documentado em populações de risco na América do Norte, no nordeste da Europa e nos antigos países soviéticos16.

Muitos fatores (ex.: genético, hormonal, nutricional, cultural) interagem para causar raquitismo em crianças suscetíveis. Deficiência materna de vitamina D durante a gravidez, que freqüentemente é assintomática, resulta em desenvolvimento insuficiente dos estoques fetais de vitamina D17,18. Fatores ambientais de risco para deficiência de vitamina D no bebê amamentado interagem uns com os outros e se sobrepõem significantemente com aqueles da deficiência materna. Esses incluem: confinamento durante as horas de luz diurna, viver em altas latitudes, viver em áreas urbanas com prédios e/ou poluição que bloqueiam a luz solar, pigmentação cutânea escura, uso de protetor solar, variações sazonais, cobrir muito ou todo o corpo quando em ambiente externo (ex: devido ao clima frio, roupa, medo de câncer de pele), ordem crescente de nascimento, exposição ao chumbo27 e substituição do leite materno por alimentos pobres em cálcio ou alimentos que reduzem a absorção de cálcio. Na presença desses fatores de risco, outros fatores de risco incluem o não consumo de leite de vaca e de outros alimentos fortificados com vitamina D ou de suplementos de vitamina D.

Complexidade e Controvérsia

Não há consenso global sobre se se deve ou como rastrear bebês, crianças ou mulheres grávidas com deficiência de vitamina D ou como prevenir melhor a deficiência de vitamina D em bebês amamentados e crianças. As recomendações para a prevenção da deficiência de vitamina D em bebês amamentados incluem a suplementação universal de bebês em risco e pequenas doses habituais de luz solar; algumas regiões com luz solar abundante ainda não desenvolveram recomendações28,29,30,31,32.

Recomendações para suplementação de bebês em risco podem ser difíceis de serem interpretadas e aplicadas (ex.: dificuldade em definir "pele escura"). A avaliação exata da exposição a raio ultra-violeta pode ser difícil.

Pesquisa mostrando a relação entre exposição solar e risco aumentado de câncer de pele tem levado algumas agências a recomendar a evitar toda exposição à luz solar. A determinação da quantidade exata de exposição à luz solar regular, breve e não térmica necessária apenas para produzir vitamina D suficiente em bebês e crianças depende de muitos fatores.

Não há riscos conhecidos da suplementação oral de bebês e crianças com 200 a 400IU/dia. Suplementação com vitamina D e fortificação têm sido usadas em muitos países por décadas. Entretanto, isso não significa que a suplementação não é problemática ou sem risco. A prevenção de deficiência de vitamina D por meio da suplementação rotineira de todos os bebês amamentados menores de seis meses de idade pode ser vista por alguns como alguma evidência de que a amamentação é inadequada. Entretanto, relatos continuados de raquitismo em bebês exclusivamente amamentados podem também minimizar esforços para aumentar as taxas de iniciação do aleitamento materno e as taxas de aleitamento materno exclusivo. Muitas perguntas relacionadas à suplementação de vitamina D em bebês amamentados permanecem abertas - e não respondidas - na literatura científica:

• A suplementação com vitamina D tem algum efeito fisiológico deletério para o bebê?

• Como a suplementação de vitamina D em bebês amamentados, em várias dosagens, idades e latitudes afeta a prevalência de raquitismo por deficiência de vitamina D entre bebês de risco?

• Como a recomendação universal de suplementação com vitamina D afeta crenças e comportamentos sobre aleitamento materno (ex.: uso de outros suplementos, introdução precoce de outros alimentos, desmame)?

• Como a exposição direta à luz solar, que não é maior que a necessária para produzir vitamina D suficiente no bebê amamentado afeta o risco do bebê de ter câncer de pele ao longo da vida?

• Quais meios de prevenir deficiência materna de vitamina D seriam mais efetivos para reduzir o risco de deficiência precoce de vitamina D em bebês?

Dada a variação de incidências, combinações de fatores de risco para deficiência de vitamina D, práticas culturais e recursos financeiros, que ocorrem globalmente, uma recomendação uniforme para a prevenção é improvável que atinja com sucesso as necessidades de bebês que vivem em diferentes áreas do mundo. Organizações internacionais como La Leche League International e o UNICEF reconhecem que a suplementação de vitamina D é necessária quando a exposição à luz solar é inadequada e que alguns bebês têm um risco mais alto de deficiência de vitamina D que outros32,33. Pesquisas sobre este assunto complexo, global, controverso e interdisciplinar são incompletas e devem ser expandidas.

*Cynthia Good Mojab é Pesquisador Associado no Departamento de Publicações da La Leche League International e Editor Senior na Platypus Media. Ela é um pesquisador independente, autora, e conferencista nas áreas de psicologia, cultura, e família, particularmente em relação a aleitamento materno.
Referências

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33. Mohrbacher, N. and J. Stock. THE BREASTFEEDING ANSWER BOOK (2d rev. ed., in press).
Schaumburg, IL: La Leche League International, 606-7.

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