quarta-feira, 11 de setembro de 2013

"Educação inclusiva sob ameaça."

Fonte:http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=38915

 Educação inclusiva sob ameaça

Rede Saci
10/09/2013

Artigo do Professor Wiliam Machado.

Wiliam Machado
Em ano pré-eleitoral tudo cuidado é pouco para que não caiamos em cilada armada por inúmeros políticos oportunistas de plantão, em especial quando colocado em pauta questões relativas ao implemento da tão sonhada educação inclusiva nos sistemas de ensino público brasileiro. Havemos de refletir sobre o quão custoso foi incluir nas deliberações da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, a histórica conquista de ver garantido acesso de todas as crianças e adolescentes com deficiência, ao ensino em classe regular.
Conquista há muito esperada para erradicar de vez a segregação escolar dessas pessoas, dando-lhes direito de conviver com outras com e sem deficiência, vivenciando o compartilhamento de experiências em grupo, como oportunidades de vislumbrar efetivas transformações no âmbito das relações humanas e processos interacionais em nossa sociedade.
Concordo com a jurista Juliana Segalla, “O direito à educação inclusiva não é apenas um direito dos alunos que têm deficiência, porém também daqueles que não as têm, porque TODOS precisam aprender a conviver com as diferenças e assim se desenvolverem plenamente como seres humanos e cidadãos conscientes”. p. 137 [grifos nossos]
Como militante do segmento organizado das pessoas com deficiência, percebo que os dirigentes das Federações das APAES, Brasil afora, estão sendo manipulados com interpretações politicamente tendenciosas acerca das implicações da Meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) do MEC, a ser implementada a partir de 2016. Afinal, a Meta 4 do PNE visa universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.
De acordo com o Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH 3, toda pessoa tem direitos inerentes à sua natureza humana, sendo respeitada sua dignidade e garantida a oportunidade de desenvolver seu potencial de forma livre, autônoma e plena. O eixo prioritário e estratégico da Educação e Cultura em Direitos Humanos, do PNDH 3, se traduz em uma experiência individual e coletiva que atua na formação de uma consciência centrada no respeito ao outro, na tolerância, na solidariedade e no compromisso contra todas as formas de discriminação, opressão e violência. É esse o caminho para formar pessoas capazes de construir novos valores, fundados no respeito integral à dignidade humana, bem como no reconhecimento das diferenças como elemento de construção da justiça.
Ademais, a Meta 4 traz como estratégias centrais o contabilizar, para fins do repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB: a) as matrículas dos estudantes da educação regular da rede pública que recebam atendimento educacional especializado complementar e suplementar, sem prejuízo do cômputo dessas matrículas na educação básica regular; b) até 2016, as matrículas efetivadas, conforme o censo escolar mais atualizado, na educação especial oferecida em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público, com atuação exclusiva na modalidade, nos termos da Lei n° 11.494, de 20 de junho de 2007.
Consoante com a Convenção da ONU sobre Direitos da Pessoa com Deficiência, a Meta 4 do PNE determina que o ensino suplementar será preferencialmente oferecido pela rede fundamental, enquanto a Federação da APAEs pretende que seja preferencialmente em escolas especiais. Interpretação distorcida que preservaria a segregação escolar, uma vez que retira da rede fundamental a obrigação de se preparar para receber as crianças deficientes.
Confundindo as dimensões conceituais de escolarização e educação complementar e habituados a receber a dupla matrícula dos seus assistidos, dirigentes das APAEs estão sendo levados a acreditar que essas instituições estão fadadas ao fracasso e paralização das suas atividades. Nada disso, ao contrário, o que está em jogo envolve conquista de valor imensurável para pais, familiares e amigos de pessoas com deficiência, porque representa o fim da exclusão escolar desses cidadãos brasileiros.
A propósito, a gestão dessas instituições deve ser fortalecida através da proposição de convênios com os governos municipais, visando repasses mensais de recursos para pagamento de despesas com fornecedores, profissionais, materiais de consumo, equipamentos, etc., além de criteriosa prestação de contas com outras fontes oficiais de apoio. Busca de parcerias na iniciativa privada, também é deveras proveitosa. Embora milhares de municípios brasileiros não contem com os importantes serviços prestados pela APAE, o reconhecimento do seu relevante papel na valorização dos potenciais humanos dessas pessoas é uníssono.
Definitivamente, não se está aqui a negar a importância das instituições que tiveram papel fundamental na educação das pessoas com deficiência, quando ninguém queria saber de educá-las, mas agora o papel dessas instituições mudou, evoluiu. Atualmente, essas instituições devem dar suporte, ensinar a escola comum a receber todos os alunos. A meta deve ser o fim da segregação, podemos sugerir uma reestruturação de papéis: as instituições especializadas (que têm tanta experiência no assunto), em vez de oferecer ensino segregado, devem destinar-se a oferecer um conjunto de instrumentos auxiliares e complementares à educação formal de pessoas com deficiência (que deve ser oferecida pela rede regular), servindo inclusive para capacitação de pais e profissionais, conforme pontua Juliana Segalla.
É preciso que se coloque em prática a mudança paradigmática apregoada pela Convenção da ONU, pois a deficiência não é propriamente uma característica médica, mas sim a condição social produzida pelo déficit de acesso aos direitos e bens sociais que esses indivíduos enfrentam, considerando a sociedade tal como está organizada. Que tenhamos muito cuidado para não sermos influenciados por políticos inescrupulosos em ano pré-eleitoral, pois cidadania, tratamento igualitário e dignidade, implícitos nos inestimáveis avanços decorrentes da educação inclusiva serão legados que deixaremos para novas gerações de pessoas com deficiência.
Mais que isso, que se quebre o ciclo da visão assistencialista e paternalista da deficiência, assumindo que as pessoas com deficiência não precisam da pena dos outros, precisam sim de oportunidades para se desenvolver, como qualquer um.
REFERÊNCIAS
Segalla, Juliana Izar Soares da Fonseca. Direito à Educação. In: Ferraz, Carolina Valença; Leite, George Salomão; Leite, Glauber Salomão; e Leite; Glauco Salomão. (Org.) Manual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. São Paulo. Ed. Saraiva. 2012.

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