quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

“Sem sair de casa, nada vai mudar, nada vai acontecer”



AME - Que circunstância levou sua mãe a tomar Talidomida na gravidez? Conte-nos um pouco de sua história, deficiência e restrições em função das sequelas.
Cláudia Marques Maximino: Minha mãe tomou o medicamento para enjoo; era sua segunda gravidez. Na primeira ela não passou mal e na segunda, em que eu estava a caminho, o médico receitou e ela tomou dez comprimidos. Bom, nascer sem pernas e sem braços, há 40 anos, era bem complicado. Os médicos diziam que eu não ia andar, talvez não me desenvolvesse. Minha mãe insistiu, conseguiu uma prótese, me colocou na reabilitação. Acabei estudando e tive problemas na escola, depois encontrei problemas no mercado de trabalho, mesmo sendo formada em Administração e tendo pós-graduação. Hoje as coisas estão melhores, mas na época era bem mais complicado. O preconceito era maior, as dificuldades eram fortes. Minha sorte é que minha família tinha condições para poder aguentar todos os gastos econômicos de valores de próteses e transporte, porque tudo é muito caro. Para ir à escola eu tinha de ir de táxi, minha perna custa R$ 80 mil, na época de crescimento trocava anualmente de prótese. Se parar para pensar, hoje, é difícil saber como minha família conseguiu.
De que forma chegou à liderança da Associação?
Cláudia Marques Maximino: Na verdade, eu me formei e entrei no mercado de trabalho, mas acabava sempre pedindo demissão porque precisava ir de táxi e o salário acabava não compensando. Comecei, então, a trabalhar como vendedora por telemarketing, a partir de casa, para três empresas. Em um mês eu realizava vendas e tinha dinheiro, no outro eu podia passar fome. Eu soube que existia uma lei, que dava direito a um quarto de salário, mas que o governo deixou de nos pagar a partir de 1987. A lei dizia que o reajuste era anual na base da URVM, que passou para OTM e depois BTNS e esses índices deixaram de existir e o governo acabou não colocando nenhum outro índice para substituí-los. Decidi, então, ir atrás do que era meu, já que eu precisava por não conseguir trabalho e precisava garantir o arroz com feijão. Em 1991, eu coloquei um anúncio no jornal procurando outras pessoas. Na época, o senador Mário Covas me ajudou bastante em São Paulo, e fizemos um grupo de dez pessoas para poder mudar a lei e falar em nome de tantas outras pessoas que sequer tinham estudo e condições de ir atrás. Em 1992, nós tínhamos uma audiência marcada com o ministro Britto [Ministro da Previdência Social em 1992, Antônio Britto] e, em 1993, a lei já havia sido mudada, garantindo o direito de todo mundo pelo menos a ter a atenção resguardada e receber seus direitos com a devida correção.
AME - Quais foram os marcos e principais conquistas na trajetória de sua luta por direitos?
Cláudia Marques Maximino: Foram vários momentos. Teve a primeira lei, que foi a nº 8.686/93 que, além de rever os valores das pensões, também colocou o direito à assistência médica, a órteses e próteses que, até então, o governo não havia pago nada. Ainda hoje, essa lei tem dificuldades de ser cumprida. Quando a pessoa chega e bate na porta do SUS o atendente diz que ela não existe, mas pelo menos é uma coisa que abre o precendente para entrar com uma ação e receber mais facilmente, existe algo garantido. A pessoa pode entrar na justiça e acaba recebendo de qualquer forma. Nesses anos todos, a gente participou de várias mudanças de governo, fizemos parte de Conselhos, como o Conselho Nacional de Saúde e da CORDE quando ainda era consultivo e conseguimos mudar para deliberativo. Fazer a mudança social no país foi legal. E o maior marco agora foi a indenização por danos morais. Com a lei nº 12.190/10 havia 50 anos esperávamos que o Brasil tivesse tomado conta. Saber que o país reconheceu o erro foi muito bacana. Foi difícil conseguir convencer os deputados e os senadores desde o projeto até a sanção. Foi bem complicado, mas foi gratificante, apesar que também não sabemos quando o bônus vai sair, talvez ainda demore alguns meses pois tem a questão de orçamento e também vem o ônus da coisa, já que muitas pessoas que não têm o direito querem receber a indenização. Isso me chateia porque você luta por uma causa justa e aparecem os oportunistas. As pessoas, às vezes, nascem com síndromes genéticas e querem solicitar [o benefício das vítimas da talidomida] por ter uma outra deficiência de nascença.
AME - De que forma o reconhecimento do governo, indenizando as vítimas da talidomida, contribui para amenizar o erro?
Cláudia Marques Maximino: Não há valor que pague tudo o que as pessoas perderam, o que pretendiam fazer e nem todos puderam sequer estudar ou entrar na reabilitação, mas esse pouco de dinheiro - algumas pessoas podem dizer que é um dinheirão, mas se você pensar bem é até um valor pequeno frente a tantas coisas passadas pelas pessoas. Mas vai dar um conforto maior agora na velhice para as pessoas que perderam pai e mãe e vão precisar. Porque tem gente que precisa de uma pessoa 24 horas por dia para cuidar e ela tem que ter, porque a pensão não é lá grande coisa e há gastos com algumas coisas, como fisioterapia, assistente pessoal, transporte, etc. É tanta coisa que a própria pensão não cobre. Essa indenização vai dar um conforto pequeno. Ela vai amenizar o coração, vai dar a sensação de que foi reparado de alguma forma o erro.
AME - O que a população em geral deve saber sobre a Talidomida?
Cláudia Marques Maximino: Ela tem efeitos benéficos para quatro ou cinco utilizações no tratamento de hanseníase, AIDS, alguns tipos de câncer e Doença de Krohn, porém, tanto os médicos quanto os pacientes devem utilizar da forma correta, como: ter certeza que a mulher não está grávida; quem faz uso do medicamento talidomida deve fazer o uso de preservativo, não deve engravidar de forma alguma. Agora,com a indenização, acredito que as sanções devam ser maiores, porque se o paciente tomar errado pode gerar a indenização e podemos imaginar que algumas pessoas podem tomar errado apenas por isso. Se isso acontecer daqui para a frente, as pessoas devem ser responsabilizadas pelo uso. Uma de nossas reivindicações é que o médico ou o paciente sejam responsabilizados criminalmente se for feito uso da talidomida e a mulher tiver filhos, porque não se pode tomar remédios de forma errada.
AME - Quais serão os próximos passos, o que ainda falta conquistar em termos de direitos?
Cláudia Marques Maximino: Para falar a verdade, eu estou cansada. Foram tantas coisas nesses 18 anos e eu trabalho praticamente sozinha na Associação. E eu sempre fiz questão de não ter ajuda nem do Estado, nem da prefeitura e nem fazer projetos para não ficar devendo nada e para poder cobrar os direitos. Então todas as parcerias que fizemos até hoje foram com associações internacionais, tanto sueca como irlandesa ou alemã, mas é um trabalho muito solitário e aqui a gente precisa ser tudo: assistente social, psicóloga, advogada, administradora. Sinceramente, eu não sei dizer se eu vou ter uma brilhante ideia. Mas tudo que eu pretendia, eu alcancei, como isenção de imposto, atenção, aparelhos, indenização moral, revisão da lei. Conseguimos bastante coisa, mas é lógico que nesse contexto você acaba brigando por outras coisas de todas as deficiências. Nós não nos limitamos somente à Talidomida, nós brigamos por transporte, educação, lazer, preconceito, tudo. Mas eu acho que o Brasil já avançou bastante, as cabeças estão aceitando muito mais. Hoje em dia é completamente diferente quando nasce uma criança com deficiência hoje do que quando eu nasci. Quando eu nasci, nós éramos chamados de “monstrinhos”. Hoje, se houver um preconceito tão forte assim, pode resultar em prisão. No prédio onde moro desde os sete anos, algumas pessoas diziam que eu não podia morar, pois não é hospital. Não sei dizer quais são os planos, eles serão formulados conforme a demanda. Nós temos, na verdade, dois Projetos de Lei tramitando no Congresso que tratam da redução do tempo de trabalho para vítimas de Talidomida, mas também existe um projeto que aborda todas as outras deficiências. Mas eu imaginei colocar separado para a Talidomida, porque se conseguimos ganhar para uma deficiência, por isonomia fica mais fácil aprovar para o resto. Como o nosso é um grupo menor de pessoas, fica mais fácil conquistar o direito. Conseguimos outras coisas legais, pois antes não havia nenhum controle da droga e só de saber que hoje é controlada é ótimo. Mas não podemos deixar cair no esquecimento, precisamos sempre cobrar a aplicação da lei para que haja fiscalização, para que o Ministério da Saúde treine seus médicos de forma que não aconteçam novos casos.
AME - E quais são os planos para a profissional e a mulher Claudia?
Cláudia Marques Maximino: Eu acho que fiz história, dou aula, dou palestras e gosto do que faço. Eu devo tirar umas férias depois de receber o dinheiro (risos). Nesses anos todos, eu me decepcionei muito com o ser humano, então, uma das coisas que eu quero ajudar muito - e eu já faço isso - são animais abandonados. É uma coisa que acredito que o país deveria fazer uma política para acabar com isso, porque é muito fácil, basta querer e fazer. Eu quero lutar por uma legislação federal para controle de natalidade, pois há muitos animais na rua e isso precisa mudar. Eu acredito que vá continuar do mesmo jeito, trabalhando na Associação, atendendo às pessoas que vêm aqui pedir informações. A Associação não vai fechar, mesmo porque se fechamos, perdemos tudo que conquistamos. Mas eu quero também me dedicar mais a outras coisas, como a família, que ficou meio distante desde que comecei, do zero. Na época eu ganhava dois litros de leite por mês, tinha uma máquina de escrever simples e lutava para conseguir passagens aéreas para ir a Brasília me reunir com deputados e ministros. Eu sou tida como briguenta, maleducada porque cansava de brigar no passado. Isso até hoje acontece em postos do INSS, quando a pessoa vai atender e diz que a lei não existe e que não se tem direito à pensão. Hoje, quando eu mando uma pessoa com as características ao posto do INSS, ela já vai com tudo, ela já vai com a lei, com a orientação interna e não tem porque dizerem que não existe. Mas eu não posso dizer de forma muito objetiva os planos.
AME - Poderia deixar uma mensagem aos nossos leitores que, em geral, não têm deficiência
Cláudia Marques Maximino: Acreditem que tudo é possível com vontade, determinação e trabalho, porque sem trabalho não cai nada na cabeça. Sem sair de casa, nada vai mudar, nada vai acontecer. Ainda tem muito que se fazer no país e temos que começar a cuidar com mais carinho não só das pessoas, mas do planeta, senão vai acabar tudo e não vai dar tempo de ninguém fazer nada. Resumidamente, é trabalhar e acreditar que tudo é possível, que dá para sair do zero e conseguir o máximo.

Fonte: http://www.ame-sp.org.br/  

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