Com deficiência visual e auditiva, José Trevisan encontra a alegria se lançando na poesia aos 78 anos
"Sou e sempre serei um homem simples e da roça", resume o aposentado
José Trevisan, que aos 78 anos de idade a serem completados na próxima
semana, se lança numa aventura que muitos acreditam só serem capazes de
realizar na juventude: ser poeta.
Não que ele próprio se
apresente como um autor de rimas, mas é do trabalho de criação de versos
que ele tem tirado muito da sua alegria nos últimos meses. "Acho que
foi Deus quem me apresentou a essa oportunidade e eu coloquei para fora
algo que nunca tinha tentado fazer, mas que sempre admirei nas antigas
modas de viola que ouvia desde que era moleque", conta Trevisan.
Nascido
na cidade de Itaiaçu, na região de Ribeirão Preto, ele vive em Santa
Bárbara d'Oeste desde 1980, quando veio tentar a vida trabalhando na
zona rural.
Aos 50 anos ele começou a apresentar perda da visão
do olho esquerdo, e nos últimos tempos, o problema de estendeu para o
direito. A audição também acabou sendo prejudicada, o que se tornou um
sério problema no dia a dia do aposentado.
Foi aí que ele passou a
frequentar o CPC (Centro de Prevenção à Cegueira) de Americana, e
acabou tendo contato com aulas de teatro. "Nunca tinha ido ao teatro,
mas meu sonho de juventude era ser palhaço e estou convencendo os
professores a fazerem um espetáculo de circo", confessa Trevisan.
Enquanto
isso não acontece, ele diverte os outros participantes mostrando seus
poemas, os primeiros em quase oito décadas de vida. "Trabalhamos em
apresentações individuais para ajudar na desinibição, e ele foi desde o
começo um dos mais participativos. Mostrou um poema recitado e tem se
tornado uma atração entre os outros alunos", conta a psicóloga Fernanda
Nascimento Parra.
As criações de Trevisan são simples e remetem
ao meio rural de onde ele veio, num estilo que poderia ser categorizado
de näif. Mesmo assim, as histórias e rimas simples conquistam os
ouvintes pela criatividade.
Escrita
A perda quase total
da visão atrapalha a escrita do novo poeta, que guarda os versos na
cabeça e depois pede ajuda aos professores e psicólogos do CPC para
passar tudo a limpo.
"Queria poder escrever todos os poemas, mas
infelizmente a pouca visão não me permite. Mas não reclamo, dá para
riscar uns garranchos que vou guardando na cabeça. Por isso não tenho
tantos poemas, porque se escrever muitos não decoro", explica.
Pais
de três filhos, avô de dois netos e uma bisneta, Trevisan não esconde
que sonha em um dia poder lançar um livro ou ao menos ter suas criações
publicadas em jornais ou revistas literárias. Ou quem sabe, ter suas
letras musicadas por alguma dupla caipira "das antigas", como ele
descreve. "Pena que não temos mais Tonico e Tinoco, porque as letras que
eles escreviam para as modas de viola sempre me emocionaram", relembra.
Mas
não que isso seja uma prioridade na sua vida, já que o encontro com os
amigos e a família é sua real fonte de alegria. "Hoje sou muito feliz e
me sinto começando uma nova vida através dessas coisinhas que escrevo",
afirma.
Para Fernanda, é como se a literatura simplista do
aposentado lhe tivesse trazido a autoestima, a espontaneidade e a
vontade de viver muito mais além da idade que já possui. "Ele é o poeta
do CPC e está feliz com isso, produtivo. É como se suas limitações
ficassem pequenas diante do resto", finaliza.
"A carne e o cão vaidoso", por José Trevisan
Há muito tempo um cão vaidoso existia.
Saborear uma carne era o que ele queria.
Saindo da sua casa, na cidade chegou.
Perambulando pela calçada, em frente ao açougue parou.
Sentindo o cheiro da carne, dentro do açougue ele entrou.
Abocanhando uma carne, pra fora ele voltou.
Seguindo a estrada adiante, um rio ele avistou.
Chegando na beira da margem, foi assim que ele ficou:
Parou, pensou, olhou.
Andando em cima da ponte, para baixo ele olhou.
Na água a sombra da carne aumentou,
E o que tinha na boca soltou
Dentro do rio se atirou.
Mergulhou, mergulhou, mergulhou, mas nenhuma carne encontrou.
Saindo triste do rio para sua casa ele voltou.
Chegando lá no terreiro foi assim que ele uivou:
Auuuuuuuuuuu.....auuuuuuuuuuuuuu...auuuuuuuuuuu...
Os uivados foram tão tristes que o sertão se abalou.
Pensando consigo mesmo:
" que idiota que eu sou,
Queria comer tanta carne, mas sem nenhuma eu estou".
É assim: ele teve um bom começo, mas não teve um bom fim.
É sinal que para os gulosos acontece sempre assim.
Fonte: Jornal O Liberal
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nunca é tarde para conseguir tudo aquilo que se deseja! parabéns a mais um poeta!
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