O HDBuzz entrevista Alice e Nancy Wexler, as irmãs que estão na raíz da "Hereditary Disease Foundation"
Por Dr Ed Wild em 20 de Outubro de 2012 Editado por Dr Jeff Carroll ; Traduzido por Filipa Júlio
A "Hereditary Disease Foundation", ou HDF, é um jogador-chave no mundo
da investigação sobre a doença de Huntington. No recente encontro
científico bianual da HDF, em Cambridge, Massachusetts - 'The Milton
Wexler Celebration of Life and Creativity' -, o HDBuzz encontrou-se com
Nancy e Alice Wexler, as extraordinárias irmãs que estão na raíz do
trabalho da HDF.
As Wexlers
A história da HDF está entrelaçada com a história de vida de Nancy e Alice Wexler. Nancy tinha 23 anos e Alice 26 quando o seu pai, Milton, um proeminente psicanalista, lhes contou que a sua mãe, Leonore, tinha sido diagnosticada com doença de Huntington em 1968. Como costuma habitualmente ser, a notícia caiu como uma bomba.No entanto, Milton não era pessoa de receber estas notícias e ficar parado. Contactou Marjorie Guthrie, esposa do cantor folk Woody Guthrie. Marjorie tinha criado o “Committee to Combat Huntington’s Disease” depois de Woody ter falecido com DH no ano anterior.
“O meu pai interessou-se sempre pela investigação e queria recrutar cientistas que tivessem interesse em fazer investigação na doença de Huntington”, recorda Alice.
Era uma empreitada assustadora: o panorama científico era extremamente diferente naquela altura, diz Nancy. “Em 1968 ninguém tinha sequer ouvido falar da doença de Huntington e muito poucas pessoas faziam investigação sobre isso. E quando começámos a procurar pessoas para se envolverem na investigação era extremamente difícil fazer com que se interessassem.”
Alice, historiadora e escritora, cujos livros sobre doença de Huntington incluem ‘The Woman Who Walked into the Sea’ e ‘Mapping Fate’, acrescenta, “Havia até bastante investigação a ser feita no início, mas um dos problemas é que grande parte dela se destinava a identificar pessoas que iriam ter a doença para impedir que tivessem filhos”.
Os workshops da HDF
Imparável, Milton estabeleceu a “Hereditary Disease Foundation” como uma organização sem fins lucrativos e determinou-se a fazer uma viragem significativa na forma como a doença de Huntington era encarada e estudada. Essa permanece a missão das suas filhas e dos peritos que constituem o Conselho Científico da HDF.Por onde começar? Por pôr as pessoas a falar. Baseando-se na sua experiência como psicoterapeuta, Milton organizou um série de workshops — pequenos encontros de cientistas de diferentes áreas, para debater a DH e trocar ideias livremente.
Os workshops da HDF — que decorrem até hoje — começam sempre com uma comunicação de abertura feita aos cientistas por um elemento de uma família Huntington. “A doença de Huntington é uma doença muito obscura de muitas formas”, explica Nancy. “Mesmo os médicos que tratam os doentes de Huntington não têm uma conversa com eles de igual para igual, como seres humanos. E sentimos que isso era essencial. As pessoas sentir-se-iam motivadas, as pessoas ficariam apaixonadas”.
Os workshops da HDF têm regras únicas para encorajar o pensamento criativo dos cientistas. “Tinham que ser pequenos”, diz Nancy. “Quinze a vinte pessoas”, acrescenta Alice. As apresentações com slides e powerpoint estão também banidas, para arrastar os participantes para fora das suas zonas de conforto. “Toda a gente entra em pânico com isso, mas faz com que as pessoas se foquem no que de facto interessa na investigação e no que interessa sobre os dados”, diz Nancy.
A HDF foi instrumental para trazer alguns dos grandes nomes para o campo da doença de Huntington, incluindo vários vencedores de prémios Nobel. Mas as irmãs concordam que atrair e apoiar jovens investigadores sempre foi o ponto-chave. “Esse foi um grande objectivo — encontrar jovens, pessoas que estavam a começar as suas carreiras, e fazer com que se interessassem pela doença de Huntington”, recorda Alice. O motivo do recrutamento de jovens investigadores vai para além da questão do número de anos que têm à sua frente — estão também ainda libertos de preconceitos e de noções pré-concebidas sobre o modo de abordar problemas.
Nancy, uma contadora de histórias irreprimível, faz uma paródia afectuosa sobre um investigador sénior num dos primeiros workshops: “Bem, este encontro vai demorar meia hora, no fim da qual iremos ter a verdade revelada e depois — nada irá acontecer!” Mas os investigadores mais jovens não tinham este fatalismo — “nenhum sentido do que é impossível”, como diz Nancy.
O marcador, o gene e depois
A ênfase neste pensamento não restrito e em usar as mentes mais brilhantes para lutar pelo aparentemente impossível criou um leque impressionante de progressos científicos apoiados pela HDF.As descobertas de um marcador de ADN para a doença de Huntington, em 1983, e do próprio gene da DH, em 1993, foram aceleradas pelos workshops, organização e financiamento da Fundação. “Encontrar o marcador foi radical; alterou absolutamente o planeta”, brinca Nancy — mas não está longe da verdade: o marcador de ADN focalizou a busca do gene da DH. E com o gene da DH tivemos a compreensão total de como é que a DH causa danos e tivemos o vasto reportório de alvos terapêuticos que temos actualmente. Para lá da DH, os esforços dos “caçadores de genes” foram essenciais para a revolução na genética que, esperamos, venha a produzir tratamentos para muitas doenças, incluindo a doença de Huntington. “Os caçadores de genes inventaram, durante este percurso, cerca de catorze tecnologias”, diz Nancy.
Nancy está também na raíz do “Venezuela Project” — um estudo com 32 anos baseado numa região daquele país em que a DH é muito mais comum do que em qualquer outra parte. Centenas de voluntários daquelas aldeias, com relações familiares entre si, participaram na investigação que conduziu à descoberta do marcador e do gene. O ADN do “Venezuela Project” foi também utilizado para descobrir que a extensão da repetição CAG — o número de erros no gene DH da pessoa — pode afectar a idade em que a pessoa poderá começar a desenvolver os sintomas de DH.
Desde que o gene foi descoberto, o trabalho apoiado pela HDF conduziu a grandes progressos. Em 1996, Gill Bates, do “King’s College” de Londres, desenvolveu o primeiro modelo com ratinhos Huntington. Denominados “R6/2”, os ratinhos de Bates ensinaram-nos imenso acerca da forma como a DH provoca danos, e são ainda hoje usados para estudar a doença e testar possíveis tratamentos. Inesperadamente, Bates encontrou amontoados de proteína, designados “agregados”, nos cérebros dos seus ratinhos. “Ninguém pensava que a doença de Huntington tinha agregados”, recorda Nancy, mas, partindo dessa descoberta nos ratinhos, pouco depois demonstrou-se que esses agregados eram uma alteração importante também nos cérebros dos doentes de Huntington.
Outro momento decisivo foi o estudo de 2000 feito por Ai Yamamoto, que criou um ratinho Huntington em que o gene anormal podia, artificialmente, ser “desligado”. Para surpresa de todos, desligar o gene fez com que ratinhos que já tinham desenvolvido sintomas ficassem melhor. Nancy fica particularmente satisfeita por recordar essa importante descoberta, porque a HDF apoiou Yamamoto desde o início da sua carreira. “Demos-lhe financiamento para desenvolver o seu trabalho académico. Ela nem sequer tinha o doutoramento!” ri-se ela.
O trabalho de Yamamoto abriu caminho para as terapias com silenciamento de genes ou com redução da huntingtina que estão agora perto de serem testadas na doença de Huntington. Em 2002, a HDF promoveu o primeiro workshop sobre a utilização de substâncias RNA para “desligar” o gene da DH, e investigadores financiados pela HDF, como Beverly Davidson — que entrevistámos recentemente na nossa rubrica “EuroBuzz” — permanecem figuras centrais para fazer evoluir essas terapias para ensaios clínicos, da forma mais rápida e segura possível.
Hoje e amanhã
Depois da descoberta do gene, porque é que a doença de Huntington provou ser um osso tão duro de roer? “A biologia é realmente complicada; nós somos realmente complicados, as nossas células são realmente complicadas”, explica Nancy. “Sempre que procuramos perceber o que é que o gene Huntington anda a fazer, encontramos alguma coisa fascinante e interessante, talvez relevante, ou talvez não. E, assim, mesmo perceber o que é que é relevante é complicado”.Nancy desafia um lugar-comum mencionado muitas vezes no campo da DH — a ideia de que “curámos os ratinhos” de muitas maneiras diferentes e de que o problema, agora, é “traduzir” esses sucesso para os doentes humanos. “Eu penso, francamente, que ainda não tivemos muito sucesso nos modelos. Uma coisa que resultou mesmo foi o silenciamento de genes nos ratinhos.”
Um sucesso que Nancy considera convincente é uma substância chamada SAHA, que Gill Bates testou pela primeira vez em ratinhos Huntington num estudo apoiado pela HDF, em 2002. A história da SAHA é um bom exemplo do porquê dos progressos na ciência parecerem tão dolorosamente lentos às pessoas que estão à espera de grandes descobertas.
Pensava-se que a SAHA conseguia restaurar a troca normal de genes, que corre mal na DH. “Os ratinhos melhoraram. Melhoraram a sua força de preensão e melhoraram um pouco a sua sobrevivência. Mas a SAHA é tóxica. Gill dedicou anos da sua vida a estudar como é que actuava”.
Dez anos depois, Bates apresentou os resultados mais recentes do seu trabalho no encontro da HDF, onde conheceu as Wexlers. “Ela descobriu que actua fazendo algo na célula — não no núcleo onde está o ADN. E apresentou isso mesmo no nosso encontro, dez anos depois. E a Gill trabalha mais do que qualquer pessoa que eu tenha conhecido na minha vida!” É um exemplo real da quantidade de tempo que pode passar desde uma descoberta até uma maior compreensão dos mecanismos que estão por detrás dela.
Assim, tendo em mente a quantidade de trabalho que há para fazer, e o optimismo em torno dos recentes avanços em direcção a tratamentos eficazes para a doença de Huntington, qual é o foco da HDF no futuro próximo? “Ir mais além”, atira Nancy, com o seu entusiasmo característico.
“Tentamos não pôr todos os ovos no mesmo cesto”, acrescenta Alice, “mas também tentamos não nos dispersar. O silenciamento de genes tem sido uma abordagem que julgamos que vale a pena. Depois, há a questão dos biomarcadores — de como é que medimos se um potencial tratamento está de facto a resultar em humanos — esse é outro grande tema. Penso também que, como os ensaios clínicos são tão caros e tão difíceis de fazer, temos mesmo que insistir para que o trabalho seja feito convenientemente com os ratinhos”.
Ajudar a transformar os melhores tratamentos potenciais nos ensaios clínicos mais bem planeados é também um foco essencial. “Promovemos inúmeros workshops que abordam o planeamento de ensaios clínicos”, diz Nancy.
A tradição de “pensamento cor-de-rosa” da HDF mantém-se notória também no seu trabalho. O encontro científico bianual da Fundação, onde encontrámos as Wexlers, é famoso entre os cientistas como sendo um sítio onde são apresentadas e debatidas novas ideias excitantes. A par de assuntos muito falados como as técnicas de silenciamento de genes e marcação química da proteína huntingtina, os projectos apoiados pela HDF apresentados no encontro incluíram estudos tão diversos como o de saber que bactérias vivem nos intestinos de ratinhos Huntington; novas formas de medir rapidamente problemas de trocas de genes; estudar o gene da DH nas drosófilas; e modificação genética de células para produzirem anti-corpos que as protejam da proteína mutante nociva.
Acabamos a entrevista, perguntando o que é que os anos mais próximos irão trazer à investigação na DH. “Dá-me a sensação que estamos num momento histórico”, admite Alice. “Mas não sabemos. Julgo que, de certa forma, ainda nos defrontamos com um equilíbrio entre optimismo e realismo. Manter esse equilíbrio é, para mim, um grande desafio”.
Quando perguntamos o que é que a próxima década da investigação na DH poderá trazer, a resposta de Nancy é mais curta e bonita. “Irei para o céu e dançarei”, diz ela, e sorri.
Nenhum comentário:
Postar um comentário