Pais permitem que filhos façam plásticas e acreditam que cirurgias podem melhorar a vida das crianças, mostra reportagem de VEJA desta semana
Mariana Amaro
MAIS UM MOTIVO PARA SORRIR - Paula Werneck fez redução de
mamas e um tratamento nos dentes que durou quatro anos. No fim dele,
chorou de felicidade: “Estou mais bonita”
(Ernani D'Almeida)
Paula Werneck é uma carioca de 25 anos que toca bateria, joga vôlei e trabalha em uma cantina. Sua vida melhorou em muitos aspectos. Até cinco anos atrás, ela sofria de dores de cabeça e só comia alimentos moles por causa dos dentes frágeis e pequenos. Quando a arcada dentária superior encostava na inferior, seu maxilar era todo projetado para a frente. Daí, as dores. Levada pela mãe, durante quatro anos a jovem passou por um tratamento que aumentou em 4 milímetros cada um de seus dentes. Com o maxilar reposicionado, o pescoço e o queixo de Paula ganharam novas curvas. O lábio superior também foi reposicionado e até as dobras de pele embaixo dos olhos, outra característica da síndrome, ficaram mais suaves. As dores de cabeça sumiram e o sorriso de Paula ficou mais iluminado ainda. Antes do tratamento dentário, ela já havia se livrado das dores nas costas com uma cirurgia de redução de mamas. “Algumas pessoas da minha família falavam que eu estava fazendo minha filha sofrer, que eu tinha de aceitá-la como ela era. Fui em frente porque sabia que isso ia fazer minha filha viver com mais qualidade”, diz a arquiteta Helena Werneck, mãe da jovem. “Eu fiquei mais bonita”, comemora Paula, que chegou a chorar de felicidade ao ver no espelho o resultado das intervenções. Ela está namorando pela primeira vez.
PAIS CORAGEM - Charlie Cardillo comemorou o resultado da correção nas
orelhas, mas seus pais foram acusados de tentar “esconder” a síndrome
Corrigir orelhas de abano que causam embaraço às crianças ou diminuir os seios de adolescentes vergadas pela exuberância mamária não são intervenções que provoquem repúdio social. “Por que com a minha filha seria diferente?”, indaga a mãe de Paula. Pensando da mesma maneira, o corretor de imóveis Louis Cardillo e sua mulher, Samantha, americanos de Nova York, sofriam com a rejeição sentida por seu filho mais velho, Charlie, 15, cada vez que ele era chamado de Dumbo pelos colegas -- um tormento para quem tem Down, como ele, e para quem não tem. “Charlie não gostava das orelhas e falava que tinha vergonha das meninas”, relata Samantha. Um cirurgião plástico conhecido da família se ofereceu para fazer a operação. “Tínhamos forte a lembrança da cirurgia que Charlie havia feito com 1 ano, para corrigir uma cardiopatia.
Quase desistimos quando pensamos em enfrentar de novo o medo da anestesia”, relembra a mãe. Tomaram a decisão com o pedido do filho. “Foi uma alegria quando tiramos os curativos. Ele sorriu, chorou e disse que estava igual ao pai.” Dias depois, Samantha e Louis receberam e-mails de pessoas que não aceitavam a cirurgia e os acusavam de tentar “esconder” a condição do filho.
A cirurgia para orelhas de abano é a mais comum em jovens com Down. “Além de corrigir as orelhas, faço um mini-lifting no rosto desses pacientes de maneira a puxar a pele para cima. Caso contrário, a orelha cai de novo”, diz o cirurgião plástico Juarez Avelar. Como a intervenção é apenas estética, uma parcela grande de médicos critica a prática. “Quem tem Down carrega no rosto um carimbo. É preciso mudar o jeito, cheio de constrangimento, como as pessoas olham para quem tem a síndrome. Não mudar o rosto deles”, diz Ana Brandão, pediatra especializada em crianças com Down do Hospital Albert Einstein e mãe de Pedro, 17, que tem a síndrome. “Muitas dessas cirurgias são dolorosas e, acredito, desnecessárias.” Entre as mais dolorosas está a de redução da língua, em razão da quantidade de terminações nervosas. Protuberante nos portadores de Down, ela tende a ficar para fora da boca. Há estudos que mostram que a cirurgia melhora a respiração, a fala e a mastigação, mas as divergências permanecem.
Os sentimentos de proteção dos pais, intensificados com os filhos especiais, e a discussão ética sobre a necessidade de certas intervenções são fatores que desaparecem no caso de cirurgias funcionais necessárias para portadores de outras síndromes genéticas, como a de Crouzon e a de Apert. Quando um bebê nasce, os seis ossos que formam o topo do crânio estão separados para que o cérebro tenha espaço para crescer.
Esses ossos começam a se fechar no primeiro ano de vida. Em crianças com Crouzon e Apert, uma ou várias das fendas entre os ossos se fecham antes do tempo. Para compensar o espaço perdido, o cérebro cresce em outras direções e provoca deformidades na cabeça e no rosto. A cirurgia para mantê-las abertas precisa ser feita antes dos 2 anos de idade. Do contrário, a criança terá problemas cognitivos, de fala e de crescimento. “Colocamos molas entre esses ossos para garantir que a fissura não se fechará antes da hora de novo”, explica a cirurgiã plástica Vera Cardim, do Hospital Beneficência Portuguesa. Depois de um ano, as pequenas molas são retiradas em nova cirurgia.
A sorocabana Thais Barbosa, 19, nasceu com Crouzon e sua cabeça teve um crescimento anormal para trás, o que fez com que os ossos do rosto ficassem “afundados”. Quando completou 2 anos, Thais passou por uma cirurgia para implantar as molas. Também teve fios de aço acoplados à arcada dentária superior. Presos, internamente, a ossos do rosto, os fios forçavam a mandíbula e o nariz para a frente. No último ano, Thais fez mais duas operações, de cunho estético, para reposicionar o olho esquerdo, redesenhar o queixo com autoimplante de gordura e “puxar” os ossos da face. Valeu o sacrifício. “Mudei muito e arrumei um emprego,” responde Thais. “Antes, as pessoas ficavam me encarando e cochichando.”
Fonte: Veja on line
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