Bacharel em Serviço Social, Francelene Rodrigues fala sobre a importância da participação na criação do Interconselho da Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP.
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza – jornalista *
Fotos: arquivo pessoal
Francelene Rodrigues, 39 anos, sempre morou na comunidade do bairro Itaim Paulista, na zona lesta cidade de São Paulo. Tem quatro filhas e netos. Sua deficiência física, a paraplegia, foi adquirida após uma violência doméstica do seu ex-marido, em 1998. Atualmente, atua como líder comunitária onde vive e concluiu o curso de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Camilo Castelo Branco do campus de Itaquera.
A publicação de 110 páginas do seu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC:
“A Criação do Interconselho de Saúde na Coordenadoria Regional da Zona
Leste” (defendido dia 05 de dezembro de 2012) pode ser adquirido no Clube
dos Autores (ver link abaixo), e serve de grande incentivo a todos os
estudantes, e principalmente, aos com alguma deficiência que lutam por
realizarem seus sonhos.
Francelene também palestra sobre inclusão
social em organizações não-governamentais, se diverte, cuida da casa e dos
filhos, e namora quando se identifica com alguém. “Não me curvo frente aos
erros, nem admito sentimentos de pena. Hoje sou feliz assim como sou. Cresço
com minhas experiências e sou um instrumento de inclusão!”.
Conte um pouco como foi o seu processo de inclusão educacional. Quais foram os
maiores desafios e conquistas?
Amo estudar. O processo educacional foi
tranqüilo, até adquirir a deficiência física. Sempre estudei em escolas
públicas e conclui o magistério. Complicado foi quando decidi voltar aos
estudos, pois a minha matricula no ensino médio supletivo foi recusada. Precisei
adquirir outros conteúdos para prestar vestibular. Mas insisti e venci, e logo
depois ingressei na faculdade, com algumas barreiras que ao decorrer do curso
universitário foram superadas a cada dia. Mas muitos outros obstáculos
apareceram pelo caminho até eu terminar o curso este em dezembro de 2012. Sei
que eles precisam ser sempre ultrapassados.
Passou por preconceitos e discriminações?
Uma barreira inquebrantável sempre será o
preconceito, que ainda existem em relação às pessoas com quaisquer tipos de
deficiência no mundo, não só na faculdade. Esse sentimento, muitas vezes, vem
da família; e é indiscutível que esse tema ainda seja uma barreira para muita
gente. O maior preconceito foi em entender que eu mesma era preconceituosa com
as pessoas e não elas comigo.
Sempre quis ser assistente social? Qual a importância dessa profissão em sua vida?
Decidi pela profissão, devido ao
envolvimento dentro de minha própria comunidade na qual sou líder, e
Conselheira de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei em prol de melhorias para o
bairro onde vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei que mercado de trabalho
está aberto, pela amplitude em conhecimentos, desafios e competências, que a
área possui. Ser assistente social para mim é primeiramente ser cidadã, capaz de
garantir direitos ao próximo e a si mesmo. Logo que cheguei à faculdade, foram
feitas adaptações para garantir a acessibilidade em quase todos os espaços. Mas
hoje as pessoas com deficiência podem se sentir livre para se locomoverem, pois
fizeram rampas e instalaram dois elevadores. Fiquei muito feliz pelas mudanças.
Qual a importância da participação popular nos Movimentos Sociais, nos Conselhos
Gestores das Unidades Básicas de Saúde (UBS); e nos Conselhos Gestores de
Supervisões Técnicas de Saúde (STS) da zona leste de SP, interligados direta ou
indiretamente às decisões regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS), de
acordo com suas especificidades?
A importância desta participação popular atribui-se
hoje ao envolvimento e articulação de forma organizada, que atualmente é
representado pelos Movimentos Sociais e Conselhos de Direito como mecanismos de
gestão das políticas públicas na intervenção e mediação paritária junto ao
Estado e ao próprio controle social, de acordo com suas especificidades e necessidades
locais, ou seja, nas UBS´s, distritais STS´s – Conselhos Gestores de
Supervisões Técnicas de Saúde Regionais (norte, sul, sudeste e centro-oeste).
Esta participação vem ocorrendo com que freqüência?
Esta participação acontece de acordo com as diretrizes
do SUS – Sistema Único de Saúde, mensalmente em cada instância com datas e
pautas já pré-agendadas junto aos representantes por segmentos.
Quais os principais problemas enfrentados pela população em geral da zona lesta para conseguir
participar ativamente das reuniões e ações dos Conselhos Gestores?
Neste caso não vejo problemas, porque a participação
local acontece nas UBS´s, que geralmente estão localizadas próximas à residência
das pessoas e das STS`s. E o transporte é garantido para todos os Conselheiros e seus representantes, através de
passes livres ou de carro. Suas ações são realmente discutidas da melhor maneira,
e os problemas resolvidos na medida do possível em cada instância, seja local,
distrital ou regional. E sempre ocorre de comum acordo com os seus representantes.
Quais foram às principais especificidades e necessidades encontradas na zona leste da
cidade de São Paulo que culminaram com a criação do Interconselho na Coordenadoria
Regional de Saúde Leste de SP em 2006?
O Interconselho Coordenadoria Regional de Saúde Leste
de SP teve suas discussões preliminares no Conselho Gestor de Saúde de Itaquera. Durante alguns meses,
esse coletivo discutiu a importância do controle social democrático nas
coordenadorias, entendendo que a criação desse espaço seria necessário devido à
constatação que as decisões e o poder político estariam nessa instância. Além disso,
a cada mandato, o Conselho deparava-se com novas políticas e ações, naquele
momento PT e PSDB, ou seja, com troca de gestões e novos comandos, aos quais
teriam que se adaptar. Como forma de interação e inter-relação, o grupo resolveu
criar um mecanismo por meio do qual passou a ter acesso direto e interligado à Coordenadoria
Regional de Saúde Leste em suas decisões regionais. Assim nasce o Interconselho
de Saúde.
Faça um breve resumo do atual diagnóstico encontrado nos Conselhos Gestores de Saúde da
zona leste de SP. Quais são os principais desafios a serem vencidos?
Foi constado ausência das pessoas nas reuniões do
Conselho Popular e apatia na participação; além da necessidade de ter um
regimento interno efetivo e criar e/ou melhorar os canais de comunicação
divulgação das informações. Por isso, verificamos que é preciso divulgar para a
população e seus Conselhos, as leis e os decretos, garantir a convocação dos
seus membros através de meios de comunicação; além da participação do
trabalhador, gestor e usuários, tanto nas reuniões quanto nos eventos. Também é
preciso acompanhar os demais Conselhos (locais e supervisão) através das atas e
visitas; calendários anuais das reuniões de todos os conselhos; e a garantia do
curso de capacitação para conselheiros gestores. O principal desafio no momento
ainda é a capacitação desses conselheiros para que se apropriem das leis,
decretos e possam disseminar um bom trabalho em cada segmento.
E as conquistas alcançadas?
As conquistas que alcançamos foram em relação à
conscientização da importância desta participação popular organizada para que realmente
o trabalho árduo dos conselheiros seja bem elaborado e posto em prática para
melhorias de cada região.
Uma das propostas do seu Trabalho de Conclusão de Curso é servir de reflexão sobre a
implantação de novas ações coletivas e decisivas num determinado grupo que respondam
às necessidades de uma região, além de ser um registro histórico sobre a suma
importância da participação popular no controle social. Explique como os
estudantes e/ou bacharéis em Serviço Social irão utilizar os resultados apresentados em seu
trabalho.
Ressalto que em nosso código de ética profissional,
defendemos o aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida; além de nos
posicionarmos em favor da equidade e da justiça social, que assegure
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas
sociais. Com isso, espero, que os estudantes e/ou bacharéis em Serviço Social,
através deste Trabalho de Conclusão de Curso possam se apropriar de novos
mecanismos de gestão, e até mesmo contribuir para criar outros os quais não se
limitam às regras já existentes; levando-os a pensar, discutir, mediar e ir
além das questões sociais postas neste trabalho.
O meu objetivo foi mostrar que o profissional do
Serviço Social também é importante neste contexto e pode contribuir muito em
novas políticas e ações capazes de articular o controle democrático e o projeto
ético-político do Serviço Social, que na verdade consolida a cidadania; a
garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras.
Conte um pouco sobre sua atuação nos movimentos sociais em prol dos Direitos Humanos das
Pessoas com Deficiência com ênfase na área da saúde. Quando você começou?
Bom, minha atuação começou em 2001 por necessidades
próprias, três anos após eu ter adquirido a deficiência física. Depois pude constatar
que não existia só eu neste mundo com deficiência física, e muitas outras
pessoas que eu nunca imaginava, principalmente, na região em que moro até hoje.
No início a batalha foi árdua; recebi muitos “nãos” pela frente, mas nunca
desisti de lutar em prol dos direitos das pessoas com deficiências. Primeiro lutei foi por mim mesma, mas devido a minha garra, o que aprendi serviu para ajudar mais
de cinco mil pessoas na região onde vivo. Isso me fortalece a cada dia que me lembro
de como tudo começou; minhas participações nas reuniões de pais nas escolas de
minhas filhas, depois no conselho gestor da UBS Jd. Campos; e no Orçamento Participativo
onde dei o pontapé inicial de toda minha trajetória.
Em quantos órgãos públicos atuou? Quais foram os cargos que ocupou?
Naquele momento fiz minha primeira reivindicação
pública solicitando a aprovação da acessibilidade nas escolas do distrito do
Itaim Paulista / Curuçá. Quando não vi aprovado e posto em prática esta
necessidade, não parei de cobrar o gestor local. E logo depois já estava eleita
como Conselheira de Saúde na UBS Jd. Campo; e depois no próprio CMPD – Conselho
Municipal da Pessoa com Deficiência e no CIC – Centro de Integração e Cidadania
em Defesa da Cidadania e Abertura de Espaço às Pessoas com Deficiência da zona
Lesta. Também atuei no CTA Sérgio Arouca em relação à prevenção das DSTs e da AIDS,
abordando a sexualidade da pessoa com deficiência, e participando de uma
pesquisa pelo Instituto Amankai. Fui contratada pela Secretaria de Saúde como Agente
de Prevenção para orientar as pessoas com deficiências físicas, auditivos e
visuais sobre o uso dos preservativos a conscientização da saúde sexual.
Logo após já estava defendendo os direitos humanos,
enquanto usuária dos serviços de saúde prestados a população, em Brasília como
Delegada Eleita pelo segmento de pessoa com deficiência. Assumi o título de
Conselheira Gestora, representante do segmento usuário local, distrital e
regional de saúde, nas UBS´s Jd.Campos/AMA, CTA Sergio Arouca, STS do Itaim / Curuçá
e na Coordenadoria Regional de Saúde para a criação e atuação na região Leste do
Interconselho.
Quais foram às principais dificuldades enfrentadas e as conquistas alcançadas?
Foram muitas as dificuldades pelas quais passei,
porque a princípio, me locomovia em cadeira de rodas comum e precisava sempre
de acompanhante. Mas logo tudo foi se ajeitando, e a Supervisão, a Coordenadoria
e a própria Prefeitura, já fornecia o transporte quando eu ia representá-los.
Logo após, comecei a estudar e já utilizava o transporte do Atende da
Prefeitura de SP (que leva de porta a porta as pessoas com deficiência), depois
obtive o triciclo motorizado e comecei a sair mais sozinha para todos os
locais.
Bom, por dificuldades todos nós passamos todos os
dias enquanto pessoas com deficiência, mas tudo tem jeito, tudo passa e se
resolve; basta só ter força, garra e determinação em alcançar nossos objetivos.
Isso eu tenho como lição de vida e sempre sigo à risca este meu pensamento. Sou
determinada em tudo o que faço e dificilmente me arrependo do que fiz.
Sua história de vida pessoal também foi marcada por diversos obstáculos, dificuldades,
desafios e até graves problemas familiares. Conte um pouco dessa história.
Bom, acabei relatando um pouco de minha história na
pergunta anterior; mas tenho paraplegia há 15 anos, devido à violência doméstica.
Sofri um ferimento de arma de fogo pelo meu ex-marido e hoje uso uma cadeira de
rodas. Este acontecimento foi muito triste a princípio, mas foi de onde tirei
forças para chegar aonde cheguei hoje, com a conclusão de meu curso em Bacharel
em Serviço Social. E também acredito que devido a todas as minhas dificuldades em particular, pude
conquistar vários benefícios em prol de muitas pessoas com deficiências; e a
maioria delas, foi em relação à saúde, onde atuo com muito orgulho até hoje,
sempre em defesa deste segmento e suas necessidades básicas, além de defender
também a violência contra mulheres ao qual também fui vítima.
E em que momento você percebeu que era chegada a hora de começar a lutar também por
outras pessoas com deficiência que passaram por situações iguais ou parecidas
com as que você viveu? E quando você sentiu a necessidade de ampliar seu
ativismo social de forma mais ampla?
Com tantas participações sociais acabei reconhecendo
que poderia ir mais longe, como cursar uma faculdade, a qual, concluo com muito
orgulho agora e agrego a teoria do meu aprendizado à prática com toda esta
minha bagagem enquanto liderança comunitária, representante da ONG ACADF e
Ex-Conselheira nos Conselhos Gestores de Saúde nas UBS´s, na STS, na CRS – Leste,
no CMPD, dentre outros locais os quais atuei com muito empenho e determinação
obtendo êxito em minhas defesas em prol dos usuários dos serviços prestados não
só pela saúde, mas por outros também em relação ao transporte, lazer, educação,
segurança e habitação. Sinto-me realizada em tudo o que faço, porque faço com
propriedade do assunto e com muito orgulho de poder contribuir para melhorias
em prol de tal segmento.
Como está a educação inclusiva no Brasil? O que precisa ser incentivado e o que é
necessário mudar?
Em linhas gerais, no Brasil, a educação
inclusiva ainda deixa muito a desejar; primeiro porque os professores da rede
pública, e mesmo da particular necessitam com urgência de capacitação,
oferecida pelos seus próprios órgãos competentes. Os professores precisam
também ter dedicação, paciência, consciência, competência; e o mais importante:
ter aptidão e envolvimento não só porque a inclusão está na moda, e sim porque
é urgentemente necessária em pleno século XXI. Mas ainda há barreiras e
resistência desses profissionais. Acredito que só se faz educação se educando,
e ela começa em casa.
Qual a mensagem que você deixa aos leitores?
Deixo a mensagem que as pessoas devem jamais desistir
de seus sonhos, pois eles podem sim se tornar realidade. Desde que cada um
procure se especializar no que melhor possa desempenhar. Que procurem algo que
agrade primeiro a si próprio e tome gosto por tudo o que fizer, fazendo direito
e com muita garra, força, vontade e determinação no objetivo desejado. E que
nada é impossível para aquele que crê no seu próprio potencial enquanto ser
humano, por que na verdade somos todos iguais em nossa diversidade inata. E
como bem disse Vinícius de Moraes: “Por mais longe que seja a caminhada, o mais
importante é dar o primeiro passo”.
Conheça mais sobre Fracelene: http://www.facebook.com/francelene.rodrigues
Link para comprar a publicação do TCC:
https://www.clubedeautores.com.br/book/137342–A_CRIACAO_DO_INTERCONSELHO_DE_SAUDE_NA_COORDENADORIA_REGIONAL_DE_SAUDE_LESTE
*Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter voluntária da Revista Síndromes. Ela tem deficiência
física (Osteogenesis Inperfecta), é assessora de imprensa voluntária da ABSW, e
mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da
vida” – http://leandramigottocerteza.blogspot.com/.
Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sem fins
lucrativos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros
culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/
br /
Fonte: http://www.inclusive.org.br/?p=23907
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mas um exemplo que vou seguir são essas pessoas que nós ensina todos os dias que a luta é constante e que por mais complicado devemos seguir em frente e lutar.
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