Por Frei Marcos Sassatelli
no Correio da Cidadania
Em 8 de junho, escrevi o artigo “Um SUS que mata os pobres“, denunciando a morte de doentes graves na fila de espera por vaga em UTI do SUS e a impunidade dos responsáveis.
Como se isso não bastasse e por incrível que pareça, no dia 28 do
mesmo mês de junho, com profunda indignação, tomei conhecimento que, na
ocupação das vagas em UTI do SUS, os idosos são descartados (talvez para
que morram mais depressa), dando a preferência às pessoas mais novas. O
mesmo acontece com outros doentes que, sem serem idosos, requerem
internação prolongada e alto custo de tratamento. Uma discriminação
inconcebível, crime bárbaro!
Vejam as manchetes de uma reportagem, que saiu na imprensa há poucos
dias: “Meu pai não conseguiu vaga em UTI porque é velho”. “Familiares
denunciam que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) prioriza
encaminhamento de jovens”. Depois das manchetes, no resumo da matéria, o
repórter afirma: “Angustiadas, duas famílias sofreram durante dias à
espera de vagas de UTIs em Goiânia para parentes idosos. Um deles, Abner
Soares, de 80 anos, aguardou seis dias pela vez. Segundo a filha, Maria
Rita, seis pessoas mais jovens conseguiram vagas nesse período. O
Ministério Público investiga denúncias” (O Popular, 28/06/12, 1ª
página).
Esperamos que o Ministério Público faça realmente uma investigação
séria dos fatos denunciados e de outros semelhantes, sem se omitir e sem
ser conivente com esta situação criminosa. O Ministério Público deve
uma satisfação à sociedade. Os responsáveis por tamanha desumanidade
precisam ser processados, julgados e punidos. Estamos – parece – diante
de um comportamento nazista em pleno século XXI.
No desenvolvimento da matéria, o repórter diz ainda. As duas famílias
à espera de vagas de UTIs em Goiânia “há dias aguardavam por uma
notícia que não chegava e sofreram com a demora e (reparem!) com
suspeitas de que a idade dos pacientes seria empecilho para uma
transferência”. São palavras que cortam o coração de qualquer pessoa com
um mínimo de sensibilidade humana. Só após a reportagem da TV
Anhanguera, a SMS conseguiu os dois leitos necessários.
Maria Rita Soares, de 29 anos, filha de Abner David Soares, de 80
anos, “conta que, nos corredores do Cais (Jardim Novo Mundo), a
informação é de que jovens têm preferência no encaminhamento para UTIs
e, por ser idoso, o pai não teria conseguido a vaga”. Vejam que absurdo e
que falta de humanidade! “Em uma única tarde – diz Maria Rita – pelo
menos seis pessoas, que deram entrada na unidade depois do pai, já
haviam sido encaminhadas, todas mais jovens”. Maria Rita, vivendo
momentos de angústia e tensão ao ver a situação do pai se agravando a
cada dia, lamenta: “Meu pai entrou aqui falando, agora está em coma”
(Ib., p, 3).
Enfim, depois de tanta demora e tanto sofrimento, Abner foi
transferido para o Hospital Geral de Goiânia (HGG), em estado grave.
Desabafando, a filha de Abner diz: “Se ele continuasse fora da UTI, com
certeza já poderia estar morto”. E ainda: “Acredito que se não
tivéssemos corrido atrás do Ministério Público e falado com a imprensa,
ele ainda estaria esperando, se já não tivesse morrido” (Ib., 29/06/12,
p. 4).
No mesmo Cais, a família de Arcelina Dias Mesquita, de 78 anos, com
pneumonia e enfisema pulmonar, aguardava há cinco dias uma vaga em UTI.
Wallisson Brandão, de 32 anos, neto de Arcelina, afirma: “As vagas
surgem, mas eles estão passando outras pessoas na frente. Três pessoas,
que chegaram depois dela, já conseguiram vaga. Os próprios médicos dizem
que os jovens têm preferência, porque os idosos demoram mais tempo para
se recuperar”.
Depois que surgiu a notícia que havia uma vaga no Hospital Cidade
Jardim, Arcelina chegou a ser levada, na noite do dia 27/6, àquele
Hospital, mas, infelizmente, “o que parecia o fim de uma espera
angustiante, transformou-se em mais um capítulo de desrespeito”. Ao
chegar ao local, “a família (da idosa) foi informada de que o leito
disponível não teria respirador, equipamento essencial para a paciente,
que sofre enfisema pulmonar e apresenta quadro de pneumonia grave”
(Ib.). Arcelina precisou voltar ao Cais e passar mais uma noite,
esperando por vaga em UTI. Finalmente, só no início da tarde do dia
seguinte, conseguiu uma vaga no mesmo hospital a que foi encaminhada na
noite anterior.
Não dá para acreditar! Parecem histórias de outro mundo. Diante do
caos e de tudo o que está acontecendo na saúde pública, não podemos
ficar calados. Seria omissão e conivência. Precisamos denunciar essa
situação de pecado social (injustiça institucionalizada) e lutar para
que o direito à saúde — que é o direito à vida – de todos(as) seja
respeitado pelo poder público como prioridade absoluta.
Lembremos o tema e o lema da Campanha da Fraternidade deste ano de
2012: “Fraternidade e saúde pública. Que a saúde se difunda sobre a
terra!” (Cf. Eclo, 38,8).
Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e
em Teologia Moral (Assunção – SP), é professor de Filosofia da UFG
(aposentado). E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Fonte
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
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