sábado, 21 de novembro de 2015

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As seguradoras estão trabalhando com o risco de hiperterrorismo

Para Denis Kessler, presidente do grupo francês de seguradoras Scor, o perigo estaria em os terroristas recorrerem a outros meios, como agentes biológicos ou radioativos, uma guinada que criaria uma vulnerabilidade em todo o mundo.
A reportagem é de Alain Frachon Vincent Giret, publicada por Le Monde, 20-11-2015. A tradução é do portal Uol.
A era da vulnerabilidade
"O mundo do risco é um mundo de rupturas, um mundo de choques. Quando ocorre um choque como o de sexta-feira (13), isso abala o mundo inteiro, em todas suas estruturas: o mundo político, o mundo econômico, o mundo geopolítico. O conceito de vulnerabilidade é fundamental. Para um economista, existe uma grande diferença entre o medo e a vulnerabilidade. Muitas vezes sentimos medo diante de um risco que vemos. Temos medo de algo que conseguimos identificar, que conhecemos em sua materialidade. A vulnerabilidade é um conceito diferente: etimologicamente, é a sensação de poder ser ferido, sem saber de onde pode vir o ferimento, o ataque".
"O terrorismo é um dos piores exemplos de vulnerabilidade, pois você pode estar sentado em uma mesa ao ar livre tomando uma cerveja, assistindo a um show de rock, ou voltando de trem para Bruxelas. Nessas situações cotidianas, nas quais todos nós conseguimos nos projetar, de repente um assassino pode surgir ou uma bomba pode explodir, e algo vai nos ferir. O terrorista procura agir sobre uma sensação generalizada de vulnerabilidade que vai bem além das vítimas e que faz com que cada um possa se representar como vítima, em um dado momento. Em uma era moderna, a vulnerabilidade é provavelmente o sentimento cujo impacto político, social e econômico é o mais poderoso, o mais desestabilizador e o mais surpreendente".
O risco do hiperterrorismo
"Existem três grandes famílias de riscos. No jargão das seguradoras, usamos os termos em inglês "acts of God" (atos de Deus), "acts of men" (atos dos homens) e por fim "acts of devil" (atos do diabo). Os "acts of God" são as catástrofes naturais. A Terra é imperfeita, os rios transbordam, a terra treme, os vulcões entram em erupção, as costas são cobertas por tsunamis. Os fenômenos naturais sempre foram extremamente pungentes. (...) Eles representam em média 75% a 80% das destruições por ano. A Terra continua sendo a principal fonte de risco para a humanidade.
Os "acts of men" são os riscos tecnológicos. Nós os criamos, e criamos muitos deles. Quando foi desenvolvida a tecnologia nuclear, nós criamos riscos nucleares. O mesmo vale para quase todos os avanços tecnológicos. (...) O progresso criou quase o mesmo número de problemas que resolveu. A tecnologia, no momento atual, está sendo um extraordinário provedor de riscos. O melhor exemplo é o risco cibernético: foi preciso inventar o computador, e depois as redes, para que houvesse o boom de uma das principais ameaças —que aliás é o número um das prioridades para muitas empresas—, os ciber-ataques que podem destruir bases de dados. (...) A globalização multiplica esses riscos. (...).
Por fim, há os "atos do diabo", as destruições voluntárias e intencionais de bens e de homens. É o que estamos vivendo nos últimos tempos. (...) O que nos dá medo é que os terroristas utilizem a tecnologia para atingir seus fins, que eles deixem de usar as armas tradicionais para recorrer a outros meios, como o desenvolvimento de armas biológicas ou radioativas. Nesse caso, estaríamos passando da era do terrorismo para a era do hiperterrorismo.
Essa fase, caso chegue, dessa vez criaria uma vulnerabilidade em escala mundial de consequências consideráveis para a humanidade, uma vez que se podem imaginar, em certos cenários, centenas de milhares de mortos e bilhões de prejuízos em uma única operação. "(...) As seguradoras atualmente estão trabalhando com o risco de hiperterrorismo".
A ameaça de um Estado terrorista
"Precisamos tomar cuidado: para evitar que se passe do terrorismo atual para o hiperterrorismo, é preciso evitar de qualquer forma que o terrorismo se torne um terrorismo de Estado. Na minha opinião, esse é o verdadeiro desafio da fase que começa, porque se o terrorismo for apoiado pelos Estados em matéria de financiamento, de pesquisa, de meios logísticos, estaríamos entrando em uma era de hiperterrorismo. (...) É por isso que é fundamental que o "Estado Islâmico", o "Daesh", não se torne um Estado como tal, com os recursos de um Estado. (...) A expressão "arma de destruição em massa" é sempre associada à possibilidade de que um Estado totalmente distorcido utilize meios que resultariam em um terrorismo de massa".
A aversão crescente aos riscos
"A aversão ao risco está aumentando, e esse é um paradoxo histórico. Pensávamos que quanto mais ricas fossem as sociedades, mais a aversão relativa ao risco diminuiria. Na verdade, é exatamente o inverso. Quanto mais desenvolvida é uma sociedade, maior é a aversão ao risco. (...) No momento atual temos uma ressonância singular do terrorismo, porque a aversão ao risco é extremamente forte nas sociedades contemporâneas. Só que isso induz a uma enorme demanda por segurança".
As pessoas querem a segurança em todos os domínios. (...) Só que essa segurança não pode ser inteiramente garantida. Resultado: temos políticos desorientados e um corpo social que começa a duvidar da capacidade do político. Estamos entrando em uma era extremamente complicada de administrar. O político no futuro será visto ou não como o provedor de segurança. Atenção, as respostas políticas serão: "Quero fechar as fronteiras, quero sair da zona do euro, quero o controle de tudo, quero mais recursos para X, quero aumentar o número de forças de ordem etc.". Esse fenômeno já começou, com um corpo social um tanto desorientado, que duvida da capacidade dos políticos de conseguirem resolver o problema e que, nesse caso, diante dessa insegurança, vão buscar expedientes. É bastante perturbador, mas quando não se consegue atender a uma demanda tão forte quanto a que está sendo exprimida atualmente, pode haver efeitos perversos.
No entanto, deve-se continuar vendo as coisas de forma positiva. A humanidade deve continuar buscando soluções para os problemas e dedicar a eles os recursos necessários em vez de se refugiar em soluções ilusórias, protecionistas, passadistas ou outras. (...) É preciso conseguir chegar a um projeto coletivo no qual não se negarão os riscos, e fazer com que a humanidade tente antecipá-los em torno desse projeto conjunto, identificá-los e se possível minimizá-los. A nobreza da espécie humana é essa capacidade de antecipação e de invenção que permite com que se encontrem os meios de resolver os riscos que enfrentamos. É por isso que a COP-21 é tão importante para mim.
É por isso que, neste momento em que estamos enfrentando uma ameaça terrorista, não há porque acreditar que ela seja francesa. Ela é europeia, e até mesmo mundial. Em vez de recuo e proteção, será preciso que a civilização moderna volte a adotar como projeto conjunto encontrar soluções para novos problemas que ela precisa enfrentar, de qualquer natureza que seja. Para conseguir isso, será preciso dar muito valor à vida humana.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/549290-as-seguradoras-estao-trabalhando-com-o-risco-de-hiperterrorismo

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