quarta-feira, 23 de outubro de 2013

FONTE: http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2013/09/30/sobre_direitos_e_mobilidade_159957.php

SOBRE DIREITOS E MOBILIDADE

Por Manuela Dantas

Eu, como todos os Recifenses, venho sofrendo com a atual situação da mobilidade, ou melhor, da Imobilidade, da Região Metropolitana do Recife.

Diariamente, perco 2 horas em meio ao trânsito e aos congestionamentos na nossa cidade. Horas estas que poderiam ser muito melhor utilizadas de forma produtiva no meu trabalho, com minha família, com a fisioterapia diária, com lazer, enfim com atividades que garantam a melhoria da qualidade de vida.

Observando essa briga diária dos veículos com ônibus, com motos, com bicicletas e com pessoas, percebemos claramente a ausência de intervenções no sistema de mobilidade urbana que garantam a prioridade dada pelo Código de Trânsito Brasileiro ao Pedestre, como também a prioridade ao tão sonhado transporte coletivo de qualidade, para que o mesmo mereça aquele elogio sincero, digno dos antigos bondinhos que circularam a nossa cidade no inicio do século passado.

Não por acaso, permanece o saudosismo a esses antigos protagonistas do transporte urbano, porém, hoje eles não seriam mais eficazes, já que temos soluções mais adequadas à alta demanda de passageiros atual. Entre metrôs, trens urbanos, monotrilho, VLT (Veículo Leve sobre Trilho), VLP (Veículo Leve sobre Pneus), BRT (Bus Rapid Transit) e ônibus comum existe uma solução adequada para cada realidade do corredor de transporte em questão.

O básico é entender a necessidade urgente dessas intervenções de modo a atrair os usuários do transporte individual para o coletivo, como também a necessidade da realização da pesquisa origem-destino que indique a demanda de viagens atual de cada corredor de transporte. Esse estudo orientará, com exatidão, a tomada de decisão de qual modal de transporte utilizar para que os sistemas de transporte implantados não nasçam já obsoletos e supram a necessidade da demanda de pelo menos os próximos 10 anos.

O que todos esquecem, ou desconhecem, é que o modal de deslocamento mais utilizado pelos brasileiros não é o transporte coletivo, não é o transporte individual por automóveis, não são as bicicletas, não são as motos e sim o transporte a pé. É isso mesmo! A última pesquisa do Denatran (2011) indicou que 37,5% dos deslocamentos no Brasil são realizados a pé, o transporte coletivo abrange 29,4% dos deslocamentos, a bicicleta abrange 3,1% dos deslocamentos, a moto abrange 3% dos deslocamentos.

Ora, sabendo disso e com o intuído de estimular o não uso dos automóveis, caberia uma revisão da política pública de mobilidade que abrangesse uma maior destinação de recursos para realização, recuperação e acessibilidade das calçadas, conforme previsto na Norma Brasileira ABNT 9050 e no Decreto Federal 5296 de 2004.

Isso posto, fica sempre o questionamento:

“Mas, as calçadas são responsabilidade do dono da propriedade e não da prefeitura ou do governo estadual?”.
De fato, essa colocação é pertinente já que a Lei das Calçadas (16890/03) prevê essa tratativa, no entanto o Código de Trânsito Brasileiro prevê que as calçadas fazem parte da via e do mobiliário urbano das cidades. Ademais, as calçadas garantem o direito de ir e vir de mais de 37% da nossa população que usa exclusivamente as calçadas para promover a sua locomoção, isso sem falar que mesmo quem usa automóveis, ônibus, metrô, trem, bicicleta, em algum momento faz uso das calçadas para complementar seus deslocamentos.

Nesse contexto, não cabe mais a omissão dos órgãos públicos quanto a não intervenção nessa importante ferramenta de deslocamento, que são hoje tão negligenciadas que a existência frequente de buracos, desníveis, batentes, barreiras impedem o deslocamento de pessoas com deficiência que tem que utilizar as vias para seus deslocamentos e se arriscarem a toda sorte de perigos com esse procedimento. Fazem parte desse grande grupo de excluídos das calçadas, assim como estão, os idosos, as pessoas com carrinhos de bebês, as pessoas com deficiência física e visual, as mulheres grávidas.

Trocando em miúdos, cabem-nos pelo menos dois questionamentos:

· Por que não se revisa a Lei das Calçadas para que o poder público assuma essa responsabilidade e garanta o Direito de ir e vir dos cidadãos?
· Não assumindo a responsabilidade pela execução das calçadas, por que a omissão do poder público quanto à fiscalização das calçadas não adequadas e aplicação de multas para a sua adequação a Norma 9050?

Esses questionamentos continuam não respondidos, mas ficam os bons exemplos que podem ser utilizados como referência.

São Paulo, por exemplo, aprovou em 2011 uma Nova Lei das Calçadas que aplicou punições mais rígidas a quem desrespeita as regras para execução das calçadas, multas que chegam a ser o dobro do valor da execução das calçadas. Como também o município assumiu a execução das calçadas dos grandes corredores de circulação de pessoas.

A grande diferença ao nosso caso é que lá existe fiscalização e a aplicação de multas, a quem em 30 dias não fizer as adequações estabelecidas para as calçadas, como também os próprios cidadãos participam dessa fiscalização denunciado facilmente no site da prefeitura as calçadas não adequadas. Sem falar, no amplo material educativo, com cartilha explicando como executar uma calçada adequada às necessidades das pessoas e as normas brasileiras.

Em 2011 quando eu morava em São Paulo, fiz uma denuncia de calçada irregular no site da Prefeitura e 2 meses depois a calçada estava recuperada. Esse é ainda um sonho distante para a realidade de Recife, já que não temos meios eficazes de fazer denuncia de irregularidades a prefeitura, mas com certeza, esse é um passo a ser dado na busca da cidadania e da consolidação do direito de ir e vir do nosso povo.

Sem delongas, despeço-me com a certeza de que essa reflexão possa estimular a exigirmos um maior comprometimento do poder público quanto a mobilidade urbana da nossa cidade, como também fazermos a nossa parte contribuindo com a execução de calçadas necessárias e adequadas que contribuirão fortemente na garantida do direito de ir e vir dos nossos cidadãos.

Por fim, parafraseando Enrique Penalosa, ex-prefeito de Bogotá: “Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquelas em que até os ricos usam transporte público.” e complemento dizendo: “... E QUE UTILIZAM E VALORIZAM AS SUAS CALÇADAS”.
 

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