sexta-feira, 30 de novembro de 2012

“Continuo a mesma pessoa, só que agora, cadeirante”


AME - Quando e como ficou com deficiência e como foi lidar com essa nova fase em sua juventude?
Tabata Contri - Sofri um acidente de carro na véspera de ano novo, 31/12/2000, estava no banco de trás de um Ford Ka, sem cinto de segurança. O carro aquaplanou na pista, perdeu a direção e caiu numa ribanceira de 10 metros. Achava que ia para o hospital e em pouco tempo ficaria “boa”. Não tinha noção da gravidade da situação. Tive uma lesão medular e na hora já não sentia as pernas. Meus amigos me tiraram do carro de qualquer jeito, não esperaram o socorro pois achávamos que o carro iria explodir. Fiquei consciente o tempo todo, o socorro demorou 15 minutos, parecia uma eternidade.
AME – Como foi a fase de reabilitação?
Tabata Contri - Foi uma loucura, eu tinha apenas 20 anos, não sabia o que faria da minha vida, não sabia se poderia trabalhar, estudar ou namorar. Fiz uma cirurgia na coluna, que tive que repetir oito meses depois quando fui para o Sarah, centro de reabilitação de Brasília que é referência na América Latina. Fiz uma cirurgia para fechar uma ferida (escara) que se desenvolveu nos primeiros dias de acidente, de tanto eu ficar deitada na mesma posição. Passei quatro meses internada num hospital do interior de São Paulo, depois internei para fazer a cirurgia de fechamento da escara em São Paulo e depois com 7 meses de lesão fui para o Sarah e fiquei quase 2 meses internada. Foi um ano de muitas idas e vindas de hospitais. Acho que o Sarah foi o divisor de águas da minha vida nesse momento, porque lá eu encontrei mais 60 pessoas que estavam passando pela mesma parada que eu, uns com lesão mais complicadas em níveis mais altos, outros já muito independentes com lesões parecidas com a minha. A troca de experiência com essas pessoas foi fundamental, pois, já não me sentia mais sozinha e nem o único ser humano a passar por isso. No Sarah, soube realmente o que é a lesão medular, tive aulas sobre isso e também sobre orientação sexual, nutrição, reabilitação da bexiga, do intestino, leis, etc. Fora as atividades físicas que me deixaram mais forte e independente. Aprendi coisas simples como calçar o tênis e tomar banho sozinha. Pratiquei muitos esportes. Me senti viva novamente.
AME - Qual é o segredo de sua beleza e alegria?
Tabata Contri - Ai meu Deus, não sei!!! Acho que quando a gente está bem consigo mesmo a gente fica mais bonita, irradia mesmo. Eu continuo a mesma pessoa, só que agora sou cadeirante! Eu sei que tenho que cuidar do meu corpo, mas ando meio displicente faço pouca atividade física hoje em dia, não sou um bom exemplo. Mas faço aulas de dança, estou me interessando pela Yoga e louca para voltar a nadar. Sei que tenho que organizar mais meus horários e cuidar mais de mim!
AME - Como se deu a descoberta do teatro e quais os efeitos da atuação no palco em sua vida?
Tabata Contri - O teatro veio sem querer na minha vida, eu nunca havia me imaginado num palco. Um dia a Carol Ignarra, que havia conhecido Deto Montenegro, diretor da Oficina dos Menestréis, me convidou para assistir uma aula. Acabamos envolvidas pelo trabalho da Oficina e entrando para aquela trupe. Eram 50 pessoas no palco e apenas eu e a Carol éramos cadeirantes. Deto tinha muita vontade de fazer um grupo só de cadeirantes e então fomos atrás de gente para fazer parte do elenco. Muita gente não foi, muitos desistiram, mas persistimos e acabamos formando um grupo de 19 pessoas, fizemos três meses de aula e mais três meses de montagem do espetáculo “Noturno” do Oswaldo Montenegro, que foi o primeiro de muitos espetáculos que já montamos e ainda iremos montar. Foi e continua sendo um sucesso! Adorei o teatro, fui fazer musical para teatro no SENAC e também fiz um ano e meio de escola de atores do Wolf Maya. Mas nenhum trabalho teve um resultado tão bacana e com tanto sucesso de público como o trabalho da Oficina dos Menestréis!
AME - O que significa o aplauso do público para você?
Tabata Contri - Acho que o aplauso é apenas consequência de um trabalho bem feito; têm dias melhores e dias piores, a gente sente a energia da platéia e vice-versa.
AME - Você também faz TV, como se deu o convite para a novela da Band? Fale sobre esta experiência.
Tabata Contri - Fazer novela é totalmente diferente de fazer teatro. No teatro o resultado é ali, na hora. Na TV você sente depois, quando ouve e vê comentários sobre o trabalho. No teatro você ensaia muito, repetidas vezes e ainda corre o risco de ter que improvisar se algo der errado, o que é adrenalina pura. Del Rangel, que era diretor da Band naquela época, viu uma entrevista comigo no blog “Assim como Você” do jornalista Jairo Marques da Folha de São Paulo e me chamou para uma conversa. Del, ao longo de sua vida, teve alguns amigos cadeirantes, então, o papo foi de igual para igual, sem meias palavras e sem exageros como acontece quando alguém não convive com as diferenças. Falamos sobre várias coisas, inclusive sobre a idéia de uma série na TV, e a novela “Água na Boca” estava no meio, então para me conhecer atuando, Del pediu ao autor que escrevesse um papel para mim, em dez capítulos. Foi uma pequena participação e uma experiência muito gostosa e muito bacana.
AME - Qual foi à experiência mais marcante em sua vida?
Tabata Contri - Bom, em quase nove anos de lesão, tive muitas experiências que me marcaram. Estar num palco é uma delas. Nadar no mar, ir à paraia com meus amigos. Namorar muito. Conquistar meu espaço como mulher e como profissional. Fazer canoagem no lago Paranoá lá no Sarah. Nossa, a primeira vez foi demais! Correr de kart adaptado, corri outro dia ao lado da querida Valéria Zopello que apresenta o programa “Mulher ao Volante” na All TV, foi irado. Fazer a novela foi uma grande conquista para mim. Tudo isso faz eu me sentir viva e querer cada vez mais. A maior novidade dos últimos tempos é o livro em que Carolina Ignarra, Rapha Bathe e eu escrevemos e produzimos. É um filho. O livro se chama “Inclusão – Conceitos, Histórias e Talentos das Pessoas com Deficiência” da editora Qualitymark. Fala da inclusão do profissional com deficiência no mercado de trabalho, mostra fotos de doze pessoas com vários tipos de deficiência trabalhando e conta as emocionantes histórias de vida e profissional dessas doze pessoas. Acho que todos vão amar ler, assim como eu amei fazer.
AME - Existem barreiras para a felicidade para uma mulher linda e alegre como você, usuária de cadeira de rodas?
Tabata Contri - Olha, na vida existem muitas barreiras, mas a gente pode ultrapassá-las e ser feliz. É claro que ninguém é feliz todos os dias, mas não quer dizer que um dia que eu esteja triste seja por causa da deficiência. Há tanta coisa envolvida, a vida é tão frágil, temos que saber aproveitar. Eu ainda tenho muito a aprender, mas muito mesmo, tenho consciência disso. Mas vou vivendo e aprendendo. Quanto às barreiras físicas, elas existem sim, mas essas são fáceis de ser quebradas, com informação para fazer a coisa do jeito certo e gente disposta a fazer acontecer. Mesmo assim, não deixo de fazer algo que eu queria muito, porque tem uma escada me impedindo, eu mando chamar os homens fortes e vambora!
AME - De que forma a sociedade pode contribuir para remover as barreiras que a impedem de ser plenamente feliz?
Tabata Contri - A sociedade tem que enxergar que pessoas com deficiência não precisam de caridade e sim de OPORTUNIDADE, para trabalhar e conquistar suas coisas. O ser humano foi feito para produzir, para realizar coisas, uma pessoa que não produz, com certeza tem parte da sua vida perdida, se sente mal, incapaz, isso acontece com qualquer pessoa, independente de ter uma deficiência. A sociedade tem que dar oportunidade para as pessoas com deficiência fazerem parte dela como qualquer outra pessoa.
AME - Quais são seus planos para o presente e para o futuro?
Tabata Contri - Quero ter meu canto, só meu, com minhas coisinhas, do meu jeito. Para isso preciso trabalhar muito, quero ser reconhecida no trabalho. Que venham as oportunidades!!
AME - Deixe uma mensagem para nossos leitores.
Tabata Contri - Corra atrás dos seus sonhos, saia de casa, mostre sua cara, conquiste seu espaço! Não é fácil, mas o mundo está cada vez mais aceitando as diferenças. O primeiro a aceitar tem que ser você mesmo. Quando a gente é bem resolvido, tudo fica mais leve. Não brigue, ensine, ninguém nasceu sabendo; a deficiência é uma diferença diferente do negro, do baixinho, da loira e do japonês, então, muita gente não sabe como lidar conosco, às vezes para não ter que encarar, ignora, a gente tem que ter atitude e mostrar “oi eu existo”, de um jeito leve, sem brigar, ensinando que somos todos humanos, apesar das diferenças!

Fonte: http://www.ame-sp.org.br/  

Um comentário:

  1. Sou fã da Tabata contri!
    Essa garota serve de exemplo para muitos.
    Que ficam ai reclamando da vida achando tudo muito difícil de fazer e conquistar,isso serve para mostrar que temos que lutar muito para conseguir o que queremos.

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