terça-feira, 29 de maio de 2012

Tão longe, de mim distante: Descubra um pouco mais do universo da pessoa com deficiência auditiva.


Posso desenhar para você, usando Libras as letras de meu nome: Sandro. Sou surdo desde criança. O surdo sofre muito primeiramente com a família, quase sempre despreparada para o convívio. Não é suficiente a comunicação somente com sinais inventados em casa, no máximo apontam objetos nomeando (como água, comida, sair...).

A informação, os apelidos carinhosos, e as explicações sobre o que é o mundo não existem. Muito menos regras sociais de convivência (Por favor, Obrigado, Quer ajuda?). Comigo era tudo no tranco – apanhava para trabalhar na roça, de um pai envergonhado com a minha condição. A capacidade de se comunicar dele também não era lá essas coisas, batia muito em minha mãe. Ela, em sua ansiedade de falar comigo, escrevia. E eu fingia que conseguia ler. Todas as crianças precisam passar logo no início de suas vidas pelo teste da orelhinha.

Em caso de surdez, precisamos capacitar todos os envolvidos com sua educação em Libras, permanecendo com apoio técnico por muitos anos, usando os gestos, as expressões fisionômicas, as leituras traduzidas para Libras, os filmes e documentários. Há que informar esta criança. Para depois trabalhar a informação em regras de civilização. Meus vizinhos de roça também não me entendiam, e gozavam muito. Nunca fui à escola, mas percebia que escrever era importante, e sozinho comecei a copiar as letras e tentar juntar com o que eu sabia nomear.

Só com 18 anos tive acesso ao alfabeto. Conclui que precisava mudar alguma coisa em minha vida e fugi com amigo, surdo também, para a grande cidade, mesmo com medo da violência. Lá era possível ganhar algum dinheiro, vendendo objetos em semáforos. Com 22 anos descobri a língua de sinais, em uma igreja. Com a lei de Cotas tive a primeira oportunidade de emprego fixo – usinagem. Fiquei 1 ano e 3 meses. Casei com 29 anos, ela é surda. Em confecção cortei tecido, durante 3 anos e meio. O salário atrasava muito, e pagar as contas só com o salário de empacotadora de minha esposa estava difícil, mudei para o atual trabalho que é ótimo, nesta nova firma quatro pessoas falam Libras! Temos filhinha de sete anos que já é a nossa tradutora, sabe Libras e nos conecta ao mundo.

Ela aprendeu o português com minha cunhada. Sentimos imensa falta de serviço profissionalmente estruturado de tradução de Libras, em todos os lugares. Na sala do convênio médico nunca sei quando estou sendo chamado. E explicar o que se sente na consulta? E entender como usar a medicação? Somente com este direito de falar e ser ouvido respeitado é que não sentirei mais o mundo “tão longe, de mim distante...”





Caso real.Elizabeth Fritzsons da Silva, psicóloga e diretora da Unidade de Atenção aos Direitos da Pessoa com Deficiência, colaboradora do LIBERAL.

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