Minha roda viva começou quando Pablo tinha dois anos. Lenta: levei outros dois anos buscando resposta para seu choro contínuo, dia e noite. Nasceu a irmã, e o choro, ainda sem solução, foi atribuído à ciúmes da nenê. Ao começar a falar, ele disse que suas pernas doíam, e culpei o ventilador do seu quarto. Aconteciam quedas, dificuldades para correr, subir escadas e levantar-se do chão. Daí paguei por convênio médico. Solicitaram um exame após outro, sem explicações. Quando a neurologista resolveu falar, perguntou se eu tinha algum parente usuário de cadeira de rodas. Ante minha negativa, e na frente de minha criança de quatro anos disparou a sentença de que com sete anos ele estaria em cadeira de rodas e de que com quatorze anos iria a óbito. “A gente estancou de repente ou foi o mundo que cresceu...”. Os dois. Eu fui para casa muda, em estado de choque, com expectativa de vida de meu filho do meio curta e previsível Hoje calejada, sei que esta neurologista não recebeu o devido preparo para dar notícia de tal gravidade. Não foi dado espaço para sentimentos, de nenhum dos três envolvidos – mãe, filho e médica. Deste jeito é mais doloroso, e as pessoas envolvidas terão mais dificuldades para retomar a vida. Sofrimento acrescentado sem necessidade. Procuro sempre ajudar muito outras pessoas com o mesmo caminho Meu moço, hoje com dezessete anos tem degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética, com fraqueza muscular generalizada. O nome é Distrofia Muscular de Duchenne, acontece um caso em cada três a quatro mil nascimentos, 99% masculinos, por mutação ou erro genético. Conseguimos trabalho acessível, Pablo usa cadeira de rodas motorizada, tem seu tempo de tratamento fisioterápico respeitado, está tão feliz que neste seu primeiro ano de emprego sua doença não progrediu. Isto não seria esperado. Talvez até um limite físico que a vida me impôs (uma tromboflebite importante em minha perna), fez uma das minhas rodas da vida que era colocar e tirar este moço, já maior do que eu na cadeira de rodas todas às vezes necessárias no dia girar bem mais devagar. Daí a roda do pai girou mais depressa, ele assumiu esta tarefa, e acho que esta convivência mais próxima fez bem para os dois. Ainda assim há muito que cuidar, minha casa, minha família, os horário e doses corretas dos vinte comprimidos. Sobra pouco tempo para pensar ou para ser a Ivone. Sonho com células-tronco. Sonho com cura. “Faz tempo que agente cultiva, a mais linda roseira que há. Mas eis que chega a roda viva, e carrega a roseira pra lá...” – Francisco Buarque de Hollanda.
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
RODA VIVA
Minha roda viva começou quando Pablo tinha dois anos. Lenta: levei outros dois anos buscando resposta para seu choro contínuo, dia e noite. Nasceu a irmã, e o choro, ainda sem solução, foi atribuído à ciúmes da nenê. Ao começar a falar, ele disse que suas pernas doíam, e culpei o ventilador do seu quarto. Aconteciam quedas, dificuldades para correr, subir escadas e levantar-se do chão. Daí paguei por convênio médico. Solicitaram um exame após outro, sem explicações. Quando a neurologista resolveu falar, perguntou se eu tinha algum parente usuário de cadeira de rodas. Ante minha negativa, e na frente de minha criança de quatro anos disparou a sentença de que com sete anos ele estaria em cadeira de rodas e de que com quatorze anos iria a óbito. “A gente estancou de repente ou foi o mundo que cresceu...”. Os dois. Eu fui para casa muda, em estado de choque, com expectativa de vida de meu filho do meio curta e previsível Hoje calejada, sei que esta neurologista não recebeu o devido preparo para dar notícia de tal gravidade. Não foi dado espaço para sentimentos, de nenhum dos três envolvidos – mãe, filho e médica. Deste jeito é mais doloroso, e as pessoas envolvidas terão mais dificuldades para retomar a vida. Sofrimento acrescentado sem necessidade. Procuro sempre ajudar muito outras pessoas com o mesmo caminho Meu moço, hoje com dezessete anos tem degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética, com fraqueza muscular generalizada. O nome é Distrofia Muscular de Duchenne, acontece um caso em cada três a quatro mil nascimentos, 99% masculinos, por mutação ou erro genético. Conseguimos trabalho acessível, Pablo usa cadeira de rodas motorizada, tem seu tempo de tratamento fisioterápico respeitado, está tão feliz que neste seu primeiro ano de emprego sua doença não progrediu. Isto não seria esperado. Talvez até um limite físico que a vida me impôs (uma tromboflebite importante em minha perna), fez uma das minhas rodas da vida que era colocar e tirar este moço, já maior do que eu na cadeira de rodas todas às vezes necessárias no dia girar bem mais devagar. Daí a roda do pai girou mais depressa, ele assumiu esta tarefa, e acho que esta convivência mais próxima fez bem para os dois. Ainda assim há muito que cuidar, minha casa, minha família, os horário e doses corretas dos vinte comprimidos. Sobra pouco tempo para pensar ou para ser a Ivone. Sonho com células-tronco. Sonho com cura. “Faz tempo que agente cultiva, a mais linda roseira que há. Mas eis que chega a roda viva, e carrega a roseira pra lá...” – Francisco Buarque de Hollanda.
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