Entendi que eu tinha mais do que uma simples memória fraca quando não
reconheci minha nora no palco
Para alívio meu, agora sei
por que não consigo reconhecer os rostos de pessoas que conheço bem ou já
encontrei muitas vezes.
Fiz essa descoberta quando, num "talk show", o neurologista britânico Oliver Sacks e o pintor americano Chuck Close revelaram que têm o mesmo transtorno neurológico e deram um nome a ele.
Sacks, Close e eu fazemos parte dos 2,5% da população que sofre de prosopagnosia, causada por um córtex cerebral subdesenvolvido ou danificado, que exerce um papel na memória visual.
Alguns prosopagnósicos não reconhecem familiares, amigos íntimos ou seus próprios rostos no espelho. Devo ter uma forma mais branda dessa cegueira seletiva porque, quando faço a barba, eu me deparo com minha própria imagem fazendo a barba.
Sacks já chegou a pedir desculpas a seu próprio reflexo depois de quase chocar-se com grandes espelhos de parede. Em suas festas de aniversário, os convidados usam crachás.
Quando Sacks encontra seu terapeuta (com quem se trata há dois anos) ou seu assistente (seis anos) fora do consultório -ou seja, fora de contexto- não consegue reconhecê-los.
Close, que não reconhece o rosto da sua ex-mulher, começou a fazer fotos ampliadas de rostos para pintar retratos, porque a cada vez que uma pessoa que estava pintando se mexia, mudando o ângulo de seu rosto, Close enxergava um rosto diferente. Então ele precisa congelar sua imagem para pintá-lo.
Entendi que eu tinha mais do que uma simples memória fraca quando não reconheci, sem a ajuda de minha mulher, minha nora, de pele morena, cantando num musical, apesar de as únicas outras cantoras sobre o palco serem uma branca e uma negra. Era porque ela usava um figurino de palco -estava fora de contexto.
Para as amigas de minha mulher que eu não reconheço, eu já disse "oi, querida" tantas vezes que elas já sabem que não tenho a menor ideia de quem sejam. Elas me dizem isso com um olhar de "você está fingindo".
Também fico constrangido quando desconhecidos me param na rua e dizem "Mike, faz tempo que a gente não se fala".
Atribuo o fato de não reconhecê-los à memória ruim. E agora sei por que a memória me deixa na mão, mas apenas no caso de rostos.
Mas se eu explicasse minha cegueira seletiva às amigas de minha mulher, ofendidas porque não me lembro delas, elas jamais acreditariam. Já decidiram que a única coisa seletiva em mim é minha simpatia.
MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Record);
Fonte: Folha de S.Paulo Terça-feira, 31 de Janeiro 2012
Fiz essa descoberta quando, num "talk show", o neurologista britânico Oliver Sacks e o pintor americano Chuck Close revelaram que têm o mesmo transtorno neurológico e deram um nome a ele.
Sacks, Close e eu fazemos parte dos 2,5% da população que sofre de prosopagnosia, causada por um córtex cerebral subdesenvolvido ou danificado, que exerce um papel na memória visual.
Alguns prosopagnósicos não reconhecem familiares, amigos íntimos ou seus próprios rostos no espelho. Devo ter uma forma mais branda dessa cegueira seletiva porque, quando faço a barba, eu me deparo com minha própria imagem fazendo a barba.
Sacks já chegou a pedir desculpas a seu próprio reflexo depois de quase chocar-se com grandes espelhos de parede. Em suas festas de aniversário, os convidados usam crachás.
Quando Sacks encontra seu terapeuta (com quem se trata há dois anos) ou seu assistente (seis anos) fora do consultório -ou seja, fora de contexto- não consegue reconhecê-los.
Close, que não reconhece o rosto da sua ex-mulher, começou a fazer fotos ampliadas de rostos para pintar retratos, porque a cada vez que uma pessoa que estava pintando se mexia, mudando o ângulo de seu rosto, Close enxergava um rosto diferente. Então ele precisa congelar sua imagem para pintá-lo.
Entendi que eu tinha mais do que uma simples memória fraca quando não reconheci, sem a ajuda de minha mulher, minha nora, de pele morena, cantando num musical, apesar de as únicas outras cantoras sobre o palco serem uma branca e uma negra. Era porque ela usava um figurino de palco -estava fora de contexto.
Para as amigas de minha mulher que eu não reconheço, eu já disse "oi, querida" tantas vezes que elas já sabem que não tenho a menor ideia de quem sejam. Elas me dizem isso com um olhar de "você está fingindo".
Também fico constrangido quando desconhecidos me param na rua e dizem "Mike, faz tempo que a gente não se fala".
Atribuo o fato de não reconhecê-los à memória ruim. E agora sei por que a memória me deixa na mão, mas apenas no caso de rostos.
Mas se eu explicasse minha cegueira seletiva às amigas de minha mulher, ofendidas porque não me lembro delas, elas jamais acreditariam. Já decidiram que a única coisa seletiva em mim é minha simpatia.
MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Record);
Fonte: Folha de S.Paulo Terça-feira, 31 de Janeiro 2012
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