Para especialistas, a banalização dos diagnósticos – como hiperatividade e dislexia – e da medicalização ajuda indústria farmacêutica e esconde má qualidade do ensino
Se tivesse nascido nos últimos dez anos, o Menino Maluquinho, personagem do cartunista Ziraldo, criado em 1980, poderia ser diagnosticado como hiperativo, ou portador de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). É muito provável também que lhe fosse receitado medicamento à base de metilfenidato, como Ritalina, para controlar sua agitação e impulsividade – exatamente como acontece hoje com crianças com comportamento semelhante.
Transtornos neurológicos como esse têm sido cada vez mais diagnosticados no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), entre 3% e 5% das crianças em todo o mundo sofrem do distúrbio, cujos principais sintomas são falta de concentração, impulsividade, ansiedade e dificuldade de planejar tarefas a longo prazo.
Coincidência ou não, a venda de Ritalina cresceu 1.615% só na década passada, segundo o Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos. O Brasil é o segundo maior consumidor da droga no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, por exemplo, apontam a venda de 150 mil unidades do medicamento na capital paulista apenas nos primeiros cinco meses deste ano, compondo uma média mensal quase duas vezes maior que a do ano passado. Os números alimentam uma polêmica que envolve a indústria farmacêutica, põe em xeque pesquisas científicas e divide médicos e psicólogos.
A professora Maria Aparecida Moysés, do Departamento de Pediatria da Universidade de Campinas (Unicamp), vê com reservas esse aumento dos diagnósticos. “Os laboratórios financiam parte das pesquisas e apoiam entidades que dão aval a tais conclusões”, denuncia a pediatra, uma das pioneiras na luta contra a medicalização no Brasil. O movimento conta com a crescente adesão de médicos, psicólogos e outros profissionais da saúde, como a equipe do Programa de Atenção à Adolescência do Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
A médica sanitarista Mariana Arantes Nasser, coordenadora do programa, afirma que é um exagero transformar comportamentos diferentes do padrão imposto em doença, passível de medicação e de acompanhamento excessivo com psicólogos, fonoaudiólogos e outros profissionais. E vai além: “A Ritalina, muito prescrita a crianças pequenas, não foi estudada o suficiente quanto aos efeitos a longo prazo. Ou seja, nem sabemos se a doença existe mesmo e usamos um remédio que nem sabemos se é seguro a longo prazo”.
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Fonte: Revista do Brasil, outubro de 2011
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