Como todas as pessoas cegas, Thiago Ignatti Borges tem uma sensibilidade acima do normal para o tato, a audição e o olfato. Sua professora, da 2ª série da EE Doutor Edmundo de Carvalho, em São Paulo , ciente dessa capacidade, o conduz por caminhos que permitem que ele venha a conhecer o mundo pelo toque
Iracy Paulina Fotos: Gustavo Lourenção
Maria Zenaide Novaes entrou na vida de Thiago, 11 anos, no início deste ano. Logo no primeiro dia de aula, ela quis saber de que ele precisava para conhecer os colegas de turma. Como todas as pessoas que têm deficiência visual, Thiago faz do tato um de seus principais aliados e perguntou se poderia tocar no rosto e nos cabelos das outras crianças. Todos aceitaram, e assim ele foi fazendo o reconhecimento de um por um. "Depois eu o incentivei a fazer o mesmo com cada canto da sala, os armários e os objetos", conta Zenaide. Nas conversas, ele passou a reconhecer também as vozes dos amigos.
"A professora perguntou de que eu precisava para conhecer os novos colegas...e eu pedi para tocar o rosto e o cabelo deles. Agora, sei quem é cada um" Thiago Ignatti Borges, 11 anos.
Thiago tem baixa visão, identifica só cores fortes. Nasceu prematuro, de cinco meses, e o tempo passado na incubadora provocou o descolamento da retina. Quando tinha 1 ano, sua mãe, a professora Thaís Helena de Oliveira Ignatti Borges, procurou a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual (Laramara). Foi lá que ele conquistou autonomia em tarefas como trocar de roupa e iniciou-se no braile, que depois aperfeiçoou com uma professora particular. Mas desde cedo Thaís se preocupou em colocá-lo numa escola regular. Optou por uma particular, que Thiago freqüentou dos 4 aos 9 anos.
Foi crescendo o descontentamento da mãe com o atendimento que ele tinha nessa escola e o modo como todos tratavam a deficiência visual de seu filho. A gota d’água aconteceu em 2005, quando ele iniciou a 1ª série. "Thiago não sabia colocar o papel na máquina de escrever em braile e a professora não o ajudava", conta Thaís. "Por isso ele ficava sem fazer nada a aula inteira. Nas atividades de pintura, ela distribuía tinta para todos os alunos, menos para ele. Meu filho nem tinha mais vontade de ir à escola." No meio do ano, ela resolveu transferi-lo para a EE Doutor Edmundo de Carvalho, depois de descobrir que havia sala de recursos para alunos com deficiência visual. "Agora ele se sente estimulado e deslanchou, principalmente na socialização", diz.
A dedicação de Zenaide teve papel fundamental nesse progresso. Ela começou a dar aulas para Thiago como substituta. Quando a titular retornou da licença, ela assumiu outra classe de 2ª série, só que no período da tarde. Mas sempre dava uma passadinha na sala de Thiago para ver como ele estava se saindo. O garoto não se deu bem com a outra professora, então, por recomendação de Tânia Regina Resende, titular da sala de apoio da escola, a direção resolveu transferi-lo de turno, para que o trabalho de Zenaide tivesse continuidade. "Ela me perguntou se eu queria, e eu quis. Gosto muito do jeito como ela dá aula", conta Thiago.
No atendimento ao menino, a professora conta com o apoio de Tânia, que faz as transcrições para o braile do material didático e converte para a escrita regular as provas e exercícios, para que a professora regente corrija. Fora do período letivo, o garoto tem aulas na sala de apoio, uma vez por semana. "Reforço os conceitos que ele não aprendeu direito e dou exercícios com o uso de materiais específicos como os que ajudam a realização de operações matemáticas", explica Tânia.
Em sala, Zenaide procura envolver Thiago em todas as atividades. No final da aula, ela senta ao lado do garoto e procura saber o que ele entendeu do que foi ensinado. "Minha maior preocupação era que ele percebesse que podia participar de tudo", afirma ela. Até a sambar ele aprendeu. Foi o que aconteceu na festa junina da escola, em que sua turma dançou a música Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, cantada pelos Demônios da Garoa. Zenaide arrumou uns sapatos que faziam barulho quando Thiago pisava no assoalho de madeira. Ele marcava o ritmo batendo o pé direito no chão, depois o esquerdo, contando um, dois, três, um, dois, três...
Agora ela está trabalhando a autonomia do garoto. "Combino com os colegas que, quando der o sinal do fim do recreio, ninguém deve chamá-lo ou se oferecer para ajudá-lo. Mas sempre vou ver se está vindo direitinho. Às vezes, ele percebe e diz: "Professora, a senhora está aí? Estou sentindo seu cheirinho", conta Zenaide, orgulhosa.
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Fonte: Revista Nova Escola
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