quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Manual sobre complicação do diabete busca evitar milhares de amputações

Pé diabético não costuma ser tratado com urgência; problema causa 45 mil amputações a cada ano

Clarrissa Thomé

A Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Cardiovascular (SBACV) lançou o primeiro manual de tratamento do pé diabético, complicação grave do diabete, responsável por cerca de 45 mil amputações de pernas e coxas por ano. A intenção da entidade é treinar clínicos e médicos de saúde da família para que identifiquem os sinais da doença e, assim, tentar reduzir à metade os casos de amputação.
O manual, voltado para profissionais de saúde que não sejam especialistas em diabete, tem fotografias para ilustrar os principais tipos de feridas.
“O diabete mal controlado causa ao longo do tempo alterações no sistema nervoso, na pele, nas unhas, no sistema vascular, fazendo com que o paciente tenha pé ressecado, redução da sensibilidade, malformação das unhas. E esse ressecamento leva às rachaduras e lesões maiores”, explica o coordenador de programas sociais da SBACV e responsável pelo projeto, Jackson Caiafa. “O manual explica por que surgem as lesões e dá exemplos bem claros, com muitas fotografias”, completa.
De acordo com o especialista, o principal problema é que o tratamento do pé diabético não é feito precocemente. Isso ocorre porque, muitas vezes, o paciente ainda não sabe que tem a doença ou se recusa a aceitar o diagnóstico, já que os sintomas iniciais não provocam um grande incômodo. Sem tratamento adequado, a ferida evolui, levando à amputação.

“O paciente também tem de lidar com o sistema público de saúde. Muitas vezes ele precisa de um debridamento, procedimento cirúrgico de pequeno porte que trata a lesão e evita a amputação, mas só consegue marcar para um ano depois da primeira consulta. Ele precisa ser atendido em três dias”, afirma Caiafa. “O resultado é uma legião de amputados.”
Desconhecimento. O médico lembra que há poucas estatísticas tanto sobre os efeitos da doença como sobre os custos. O doente é amputado por infecção ou problemas vasculares, o que faz com que as estatísticas sejam mascaradas. “Os problemas vasculares são potencializados pelo diabete. O doente tem arteriosclerose mais precoce e mais intensa que o não diabético.”
Caiafa usa dados americanos para comentar sobre os gastos com pacientes com complicações pelo pé diabético. O custo anual nos Estados Unidos é de US$ 120 bilhões com diabéticos - 50% é o valor gasto com cirurgias, medicamentos, internações. A outra metade é o custo indireto com aposentadorias, afastamentos, licenças.
“Dos custos diretos, 27% são gastos com o pé diabético. É a complicação mais cara, isoladamente, por causa da repetição. Esse paciente é operado muitas vezes, internado muitas vezes.”

Dez mil exemplares do manual começaram a ser distribuídos. A entidade busca patrocínio para aumentar a tiragem, mas já há um link no site para quem se interessar pelo documento (sbacv.com.br/pdf/manual-do-pe-diabetico-final.pdf).
Problema exige cuidados diários e acompanhamento especializado
Engenheiro demorou 6 anos para se livrar de uma ferida no pé, que só foi curada após cirurgia que retirou um osso
Uma sandália de couro inadequada provocou uma bolha. A bolha virou ferida. E o engenheiro Júlio Alfredo Eiras, de 63 anos, levou seis anos para se livrar do machucado - o que só ocorreu por um procedimento cirúrgico.
Eiras aprendeu a lição. Hoje, faz vistorias diárias no pé para evitar complicações. “Esse cuidado é muito importante para que a ferida não evolua. Minha mulher inspeciona meus pés todos os dias depois do banho”, conta ele.
Diabético desde os 33 anos, a bolha no pé de Eiras apareceu em fevereiro de 2002. “No início, não levei fé”, disse. O ferimento só fechou dois anos depois. Mas reabriu em 2005. Começou, então, a procurar especialistas. Até chegar ao médico que o curaria.
“Ele recomendou repouso. Ainda assim eu desobedeci. Tive de operar e tirei o metatarso do polegar direito. Ao tirar o osso infeccionado, fiquei curado”, conta Eiras, que passou a lidar como problema de outra maneira. “Agora, procuro o médico ao primeiro sinal de ferimento”.
Diabético há sete anos, o segurança Virgildásio Bispo dos Santos, de 47 anos, precisa de acompanhamento especializado semanal para evitar a evolução da polineuropatia diabética nos pés - uma das principais complicações do diabete, que pode provocar a necrose do tecido e levar à amputação.
O diabete se manifestou rapidamente e Santos perdeu quase 30 quilos em menos de três meses. ”Sai dos 89 quilos para 54 quilos. Foi tudo muito rápido”. A doença foi avançando e, mesmo tomando três injeções de insulina por dia, Santos tem o diabete descontrolado. Por conta da má circulação, já perdeu um dosdedos damão – e agora o problema atingiu os pés.
“Meus pés estão totalmente pretos por causadafalta decirculação. Sinto muita dor do joelho para baixo. Também perdia sensibilidade,por isso tenho de usar sapatos especiais”, conta.
Para evitar que o problema piore a ponto de ter de amputar os pés, Santos passa por sessões de fisioterapia e podologia na Associação Nacional de Assistência de Diabético (Anad). “Também recebo orientação nutricional, para manter uma alimentação adequada.” Por conta das complicações do diabete, Santos teve de ser afastado do serviço e não consegue se aposentar oficialmente.
“Estou há meses sem receber. Se não fosse o pessoal da Anad,eu já teria perdido os pés.”
COLABOROU FERNANDA BASSETTE
DOZE CUIDADOS COM O PÉ DIABÉTICO
  1. Não fazer compressas nos pés, nem com água quente nem fria nem gelada
  2. Usar meias sem costuras ou com as costuras para fora.
  3. Não remover as cutículas das unhas dos pés.
  4. Não usar sandálias com tiras entre os dedos.
  5. Cortar as unhas retas e acertas os cantos com serra de unha.
  6. Hidratar bem os pés.
  7. Nunca andar descalço.
  8. Olhar sempre para as plantas dos pés e tratar delas logo que ocorra qualquer arranhão ou ferimento.
  9. Não usar sapatos apertados ou de bico fino.
  10. Tratar as calosidades com profissionais de saúde.
  11. Olhar sempre para o interior dos sapatos antes de usá-los.
  12. Enxugar bem entre os dedos.
Fonte: O Estado de São Paulo, 09 de janeiro de 2012

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