"Iniciamos a definição dos exames capazes de definir o estado de saúde do planeta. Em seguida, virão os tratamentos capazes de reverter esses índices. Mas o mais difícil será educar os médicos, que, baseados nesses diagnósticos, administrarão os tratamentos. Eles são os seres humanos que habitam o planeta Terra", escreve Fernando Reinach, biólogo, em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-02-2015.
Eis o artigo.
Nossa temperatura é de 37°C. Acima disso estamos com febre e precisamos tomar providências. Entre 38°C e 41°C, a vida ainda é possível. Uma temperatura mais alta pode provocar a morte. A temperatura é um de nossos sinais vitais, indicadores que usamos para monitorar o bom funcionamento do nosso corpo. Existem muitos outros, a pressão arterial, a frequência cardíaca, a composição de nosso sangue, e assim por diante. Para cada um desses sinais vitais existe um intervalo que define a normalidade, um intervalo que define um estado de atenção e um intervalo em que a vida se torna impossível. A novidade é que um consórcio de cientistas está tentando definir sinais vitais para o planetaTerra.
Da mesma maneira que os sinais vitais que usamos para medir a saúde de um ser humano e de um lagarto são diferentes, os sinais vitais do planeta são diferentes para diversas formas de vida. A quantidade de oxigênio é importante para os mamíferos, mas irrelevante para algumas bactérias. Para definir os sinais vitais do planeta é necessário definir o ponto de vista. E, nesse caso, o ponto de vista são as sociedades humanas. A saúde do meu corpo garante a continuidade da minha vida, a saúde do planeta garante a sobrevivência das sociedades. Qual seria a lista mínima de sinais vitais que temos de acompanhar para garantir nossa sobrevivência? Qual o valor normal de cada sinal vital, qual o intervalo no qual precisamos nos preocupar em tentar "curar" o planeta e qual o valor a partir do qual a vida na Terra fica impossível?
Os cientistas selecionaram oito grandes processos que precisam ser monitorados: as mudanças climáticas, a integridade da biosfera, a composição da estratosfera, a acidificação dos oceanos, os fluxos biogeoquímicos, a cobertura dos solos, o uso de água doce e a quantidade de aerossóis na atmosfera. Para cada um desses processos, os cientistas definiram as medidas a serem feitas, o valor normal dessa medida, o intervalo e qual situação merece atenção. Além disso, para cada um desses "exames", os cientistas definiram o valor normal (aquele que predominou nos últimos 11.700 anos, durante o Holoceno) e o valor atual.
No processo de mudanças climáticas, duas medidas foram consideradas importantes. A primeira é a concentração de gás carbônico na atmosfera. O valor normal seria 350 ppm (parte por milhão). O intervalo em que a medida merece atenção é entre 350 e 450 ppm e o valor atual é de 398,5 ppm. A outra medida é o desbalanço energético na alta atmosfera. Nesse caso, o valor normal seria 1 watt por m2, o intervalo de preocupação seria entre 1 e 1,5 e o valor atual ainda é muito discutido, mas se acredita que esteja entre 1,1 e 3,3.
No processo de integridade da biosfera, foram definidas duas medidas, a diversidade genética medida pela taxa de extinção das espécies e a diversidade funcional dos seres vivos, definida pelo índice de preservação (biodiversity intactness index, BII). No caso da extinção de espécies, a medida seria o número de espécies extintas por milhão de espécies por ano. O valor normal seria 10, o intervalo de atenção seria entre 10 e 100 e o valor atual está entre 100 e 1.000 espécies extintas por milhão de espécies por ano.
A lista de sinais vitais contém 15 itens. Muitos estão em valores preocupantes, mas outros estão com valores normais, como o consumo de água doce no planeta. Nesse caso, o valor normal seria até 4.000 km3 por ano e hoje consumimos 2.600. Apesar de o total estar dentro da faixa de normalidade, existem grandes discrepâncias regionais.
O trabalho é detalhado, rico em informações e bem justificado. Mas, como os cientistas bem lembram, a definição dos sinais vitais do planeta ainda está no seu início. O que estamos vendo surgir é uma espécie de medicina da humanosfera. Iniciamos a definição dos exames capazes de definir o estado de saúde do planeta. Em seguida, virão os tratamentos capazes de reverter esses índices. Mas o mais difícil será educar os médicos, que, baseados nesses diagnósticos, administrarão os tratamentos. Eles são os seres humanos que habitam o planeta Terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário