O que acontece com uma área de floresta 35 anos após a primeira colheita das árvores comerciais? Essa resposta, ainda inédita no Brasil, começa a ser dada pela Embrapa Amazônia Oriental após o início do segundo ciclo de corte em uma área de pesquisa na Floresta Nacional do Tapajós, no oeste do Pará. Os dados são animadores, pois apontam para a regeneração da floresta em volume, mas atentam à necessidade de planos de manejo que visem à manutenção das populações de todas as espécies arbóreas, garantindo maior diversidade e rentabilidade.
A reportagem é de Kelem Cabral, publicada por Emprapa, 25-03-2015.
O pesquisador Lucas Mazzei, da Embrapa Amazônia Oriental, e um dos coordenadores da pesquisa, relatou que a estrutura da floresta foi restabelecida, porém com outra composição florística. “As espécies que estão participando e a distribuição desses indivíduos é diferente, pois a floresta responde de maneira diferenciada para a exploração, mas essa resposta é positiva em relação à produção de volume, que é suficiente para permitir um segundo corte”, explica o pesquisador.
Na análise do pesquisador, em 1979, quando houve o primeiro corte na área, as arbóreas majestosas, e logo, de maior valor comercial, foram, em sua maioria, retiradas. Dessa forma, no segundo ciclo, os espécimes centenários, como jatobá, jarana, maçaranduba e quarubarana, entre outras, não ocorreram na mesma frequência, resultando em queda no valor da floresta.
O aprendizado a partir do monitoramento e o desafio dos engenheiros florestais ao se elaborar um plano de manejo é atentar para a forma de colher, e assim tentar recuperar essa estrutura, com um mosaico de habitats diferentes, garantindo maior diversidade e com isso, mantendo a floresta no auge de produtividade comercial. “O grande desafio não é selecionar a espécie, mas a árvore a ser colhida e com isso manter as populações de todas as espécies, garantindo a rentabilidade e a conservação para todos os ciclos”, reitera o pesquisador.
A pesquisa vai gerar como resultado uma metodologia de apoio por meio da indicação de um sistema de manejo que parte da seleção dos indivíduos e espécies a serem exploradas comercialmente. Esse novo modelo está em elaboração e o pesquisador acredita publicá-lo ainda no primeiro semestre de 2015.
O trabalho é inédito no Brasil para florestas tropicais, o que é confirmado pelo pesquisador Plínio Sist, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD – França). Ele explicou que nos moldes da legislação vigente é o primeiro acompanhamento de segundo corte no País e ainda o primeiro exemplo do Observatório Internacional de Florestas Tropicais Manejadas (Rede TmFO), entidade internacional que desde 2012 monitora e compara os impactos da exploração de florestas tropicais na Bacia Amazônica, Bacia do Congo e sudeste asiático. “Esta segunda exploração vai gerar dados fundamentais para poder identificar quais são os fatores mais importantes na reconstituição da floresta e como eles atuam nos processos da dinâmica florestal. Hoje em dia é primordial avaliar não somente o potencial madeireiro das florestas chamadas de produção, mas também saber o impacto da exploração sobre os serviços ambientais das florestas, como o estoque de carbono e a biodiversidade”, enfatiza.
Diferenças entre o primeiro e o segundo ciclo de corte
O pesquisador Lucas Mazzei conta que a primeira colheita ocorreu em 1979, e desde então inventários contínuos foram realizados para avaliar os impactos da exploração, bem como acompanhar a evolução da recuperação da floresta e da dinâmica da composição florística.
Ele afirma que os resultados validam a experiência e o esforço pioneiro ocorrido no sítio há 35 anos, quando parte da área foi explorada. Na ocasião foi retirada no local uma média de 72 m³/ha, mais do que o dobro do que hoje é permitido pela Instrução Normativa nº 5, de 11 de dezembro de 2006, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que define os “Procedimentos técnicos para elaboração, apresentação, execução e avaliação técnica de Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFSs) nas florestas primitivas e suas formas de sucessão na Amazônia Legal”. De acordo com o documento, as intensidades máximas de corte a serem autorizadas pelo órgão ambiental competente são de 30 m³/ha para o PMFS, em um ciclo de corte de 35 anos. Ainda assim, a pesquisa revelou a recuperação da área.
O segundo ciclo de corte ocorreu em uma área de 70,5 ha e extraiu apenas 25,6 m3/ha, mas Mazzei salienta que esse volume poderia facilmente ter chegado ao limite máximo da legislação, pois havia cobertura vegetal suficiente. “A extração foi, por opção, conservadora, mas a média de diâmetro das árvores, de 70 cm, foi similar a um primeiro corte”, reitera.
A retirada das árvores ocorreu em dezembro de 2014 em um sítio experimental no interior da Floresta Nacional do Tapajós (Flona Tapajós), unidade de conservação federal localizada no oeste paraense e que abriga o maior número de pesquisas científicas no País, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O sítio é conhecido como Km 67, possui 124 ha e é considerado de grande importância para os estudos de manejo e silvicultura nos trópicos, devido ao seu histórico de monitoramento que data de meados da década de 1970. O produto florestal foi beneficiado nos primeiros meses de 2015 e em março segue para os mercados nacional e internacional.
Madeira de boa qualidade também no segundo ciclo
Ganho para pesquisa, para o meio ambiente e de renda, para quem pratica o manejo florestal. Essa é a opinião do empresário Gilson Leal Savarato, responsável pelo beneficiamento e comercialização da madeira extraída na Flona Tapajós. O empresário vê com muito otimismo os resultados observados pela Embrapa e afirma que essas experiências revelam que é muito mais vantajoso economicamente o manejo, se avaliado com o reflorestamento em áreas comerciais.
Com mais de 40 anos de experiência no setor, ele comenta que além do ganho ambiental incomparável, por meio do manejo é possível colher um segundo ciclo de muito mais qualidade comercial num período de 25 ou 30 anos, enquanto no reflorestamento, são necessários no mínimo 50 anos e com árvores ainda sem diâmetro viável para o mercado consumidor.
Com mais de 40 anos de experiência no setor, ele comenta que além do ganho ambiental incomparável, por meio do manejo é possível colher um segundo ciclo de muito mais qualidade comercial num período de 25 ou 30 anos, enquanto no reflorestamento, são necessários no mínimo 50 anos e com árvores ainda sem diâmetro viável para o mercado consumidor.
O segundo ciclo de corte na área experimental da Embrapa gerou 1.080 m³ de madeira, e mesmo com um número menor de madeiras resultantes de espécies majestosas, o diâmetro médio observado foi de 70 cm, ou seja, produto florestal considerado de ótima qualidade e muito apreciado pelo mercado, segundo o empresário.
Gilson Savarato atua na intermediação entre Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (Coomflona), que detém os direitos sobre o manejo na Flona, e o mercado consumidor. A cooperativa foi criada em 2005 e, desde então é parceira na gestão da Flona e do Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) junto ao ICMBio.
Manejo Florestal garante renda e preservação ambiental
A renda obtida a partir da comercialização da madeira extraída durante a pesquisa, pela Embrapa, foi direcionada para a Coomflona. A cooperativa é executora do Manejo Florestal Comunitário, realizado pelas populações tradicionais daFlona Tapajós, atualmente uma importante referência de uso sustentável da floresta. Em 2014, a atividade gerou mais de R$ 10 milhões em recursos e 200 empregos diretos, ao manejar 0,3 % da unidade, segundo dados do ICMBio. A renda gerada com o manejo florestal é utilizada ainda no bem-estar das comunidades, na construção e reforma de estradas, fortalecimento de organizações sociais, capacitações de moradores, e melhoria dos índices de proteção da UC.
O presidente da Coomflona, Jean Feitosa, comentou que a cooperativa atua na unidade de conservação há 10 anos e tem sido fundamental na melhoria da qualidade de vida das populações que vivem na Flona. “A renda vai para os cooperados e projetos de infraestrutura, organização e ainda de geração de renda, como a aproveitamento de produtos madeireiros e não madeiros, o turismo de base comunitária, entre outros”, diz o presidente da cooperativa.
O manejo é referência de sucesso no Brasil e na América Latina, movimentando quase R$ 4 milhões por ano.
Flona Tapajós
A Floresta Nacional do Tapajós é uma Unidade de Conservação Federal criada pelo Decreto n° 73.684/1974, na região oeste do Pará. A unidade é referência, no Brasil e na América Latina, em gestão socioambiental, uso sustentável e pesquisa científica.
Possui aproximadamente 527 mil hectares, com uma rica diversidade de mais de 160 quilômetros de praias, rios, lagos, alagados, terra firme, morros, planaltos, floresta, campos e açaizais. De acordo com o ICMBio, é a unidade de conservação federal na categoria de floresta nacional que mais abriga pesquisa científica no País.
Além das qualidades ambientais, a Floresta Nacional do Tapajós também apresenta expressiva riqueza sociocultural, representada por aproximadamente 500 indígenas da Etnia Munduruku, divididos em três aldeias – Bragança,Marituba e Takuara.
Essa riqueza cultural também é representada pelos mais de cinco mil moradores tradicionais, extrativistas, agricultores familiares e populações ribeirinhas com hábitos culturais próprios e que vivem em 25 comunidades na região.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541220-pesquisa-de-35-anos-mostra-como-floresta-se-recompoe
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