Por Jarid Arraes
no Blogueiras Feministas
O policiamento dos corpos e a imposição de um padrão de beleza é um
problema que atinge todas as pessoas. A indústria dos cosméticos está
sempre em busca de expandir seus horizontes, procurando bombardear cada
vez mais características físicas como sinônimo de feiura. As regras
variam tanto de modo quanto intensidade de acordo com a idade, gênero ou
raça da pessoa: diz-se indesejável a presença de rugas, espinhas,
cicatrizes, celulites ou estrias; são oferecidos serviços de depilação a
laser, implante capilar ou até clareamento de pele nas partes mais
inimagináveis do corpo. Uma das características tidas como mais
abomináveis para a manutenção da aparência é a gordura: a magreza
excessiva é incentivada desde a mais tenra idade e a intolerância contra
pessoas gordas é um problema sério.
Não é necessário nenhum esforço extraordinário para compreender a
gordofobia; a própria palavra sugere um acentuado desconforto e
sentimento de repulsa contra pessoas gordas. Tal postura é tão enraizada
em nossa cultura que a maioria das pessoas imediatamente remete
pensamentos gordofóbicos às mais variadas imagens e situações: por
exemplo, acham inaceitável uma mulher gorda vestir roupas justas ou
frequentar a praia de biquíni; sentem desprezo por um homem obeso que
come prazerosamente na praça de alimentação do shopping. Há um vasto
leque de imagens negativas que demonstram como pessoas gordas são
percebidas na sociedade, quase sempre representadas como desagradáveis e
repulsivas.
Para as mulheres, é excepcionalmente difícil ser gorda em meio ao
culto dos corpos magros sem odiar a si mesma ou ser odiada. Não gostar
de si mesma já é praticamente uma exigência social para toda mulher,
cujo valor é inteiramente atribuído à sua aparência; o que dizer então
para as mulheres gordas. São aconselhadas uma infinidade de modificações
corporais e recomendadas centenas de dietas especiais. Para aquelas que
sempre foram “gordinhas” desde a infância, é incrivelmente comum
crescer com ódio internalizado de si mesma: são muitos anos de bullying e
cobranças sociais, que acontecem não apenas no ambiente escolar, como
também na televisão, nas revistas, nos círculos sociais de amizades ou
no núcleo familiar. Dificilmente uma criança gorda não ouvirá de seus
próprios parentes que é preguiçosa, come demais e precisa “se cuidar”. A
pressão para emagrecer é gigantesca de tal modo que é muito improvável
uma pessoa gorda não ter um histórico de transtornos alimentares ou
problemas psicológicos causados pela autoestima severamente prejudicada.
As pessoas gordas vivem cercadas de barreiras extremamente fechadas
pela viligância alheia, sempre atenta ao que devem vestir, comer ou como
devem se comportar. O número na balança é quase diretamente proporcial à
quantidade de proibições; os cerceamentos são tantos que, não
raramente, as pessoas gordas passam a acreditar que são essencialmente
inferiores e incapazes. Atividades simples como sair de casa, nadar,
dançar ou fazer compras, bem como tantas outras atividades prazerosas do
dia a dia, são deixadas de lado por humilhação e vergonha. Se
relacionar afetivamente se torna uma missão quase impossível;
sexualmente, então, nem pensar.
Mesmo para quem rejeita o ódio internalizado, a batalha diária
travada contra tantos estigmas e repúdio da sociedade é árdua. É
culturalmente inimaginável que uma pessoa obesa possa demonstrar o menor
sinal de auto-aceitação ou amor próprio. A mídia e a indústria não só
dá às pessoas a sensação de direito de inferiorizar pessoas obesas ou
fora do padrão, como também instiga o ódio internalizado; tudo sob a
pretensão de “preocupação com a saúde”. Toda refeição é transformada em
oportunidade para constranger pessoas gordas, que são lecionadas sobre o
que elas têm direito de comer para ficarem magras — o que é
presumivelmente o maior objetivo da vida de toda pessoa gorda.
A maior quantidade de gordura não significa necessariamente menos
saúde; há até mesmo pesquisas atuais que sugerem o efeito contrário em
algumas situações (leia aqui, em inglês). É importante observar que
sedentarismo e má alimentação não estão necessariamente associados à
obesidade, havendo uma infinidade de pessoas gordas ativas e saudáveis,
além de pessoas magras com a saúde potencialmente debilitada por
diversos fatores. Além disso, muitas pessoas não percebem a falta de
coerência quando dizem se preocupar com a saúde alheia, a começar pelo
fato de que não existe um medidor universal de saúde.
Há infinitas
dificuldades médicas que uma pessoa pode enfrentar e não existe fórmula
mágica pra calcular com exatidão a “quantidade”, ou mesmo a “qualidade”
da saúde de alguém. Enquanto manter uma alimentação saudável e praticar
exercícios físicos pode ser uma boa medida para prevenir ataques
cardíacos, humilhar uma pessoa não vai atenuar em nada sua saúde
psicológica ou emocional. O único modo de verificar a saúde de alguém é
realizando exames extensivos e tendo os resultados avaliados por alguém
profissional, que deverá dizer onde exatamente a saúde está falhando.
Não se pode concluir o estilo de vida de uma pessoa baseando-se
unicamente no seu corpo, ou mesmo deduzir que esse seja uma
representação da sua saúde ou qualidade de vida.
É também papel do feminismo combater esse discurso de ódio e má fé
disfarçado de preocupação com o bem estar; é necessário lutar contra a
imposição de padrões, seja de aparência, roupas ou comportamentos.
Cuidar de si mesma e amar outras pessoas significa não constrangê-las e
envergonhá-las. Ninguém jamais deveria impôr à outra pessoa, não importa
quem seja, nenhum tipo de roupa, alimentação ou comportamento. Faz-se
extremamente necessário o empoderamento das pessoas gordas na sociedade e
é nosso papel, como seres humanos, colaborar com o importante processo
de valorização e reconstrução de autoestima que elas merecem. Todas as
pessoas devem ter o direito de viver plenamente.
Fonte
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Amei o texto, principalmente a parte que menciona o "comportamento", aqui no finalzinho. Sabe, eu smpre fui mt ligada ao "padrão de beleza" imposto pela sociedade, por consequência, sou gordofóbica, mas o seu texto me fez refletir um pouco =)
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