Por Lucio Carvalho *
Definitivamente uma das melhores maneiras de não entender a educação no Brasil é analisar-se números e rankings. Não há semana, entretanto, em que não se encontre nas principais manchetes do país menção a eles, escandalizando ou amortecendo a opinião pública. É uma febre por exatidão aritmética sem precedentes. A ideia subjacente é que seguramente é mais importante saber os índices pelos quais os fatos acontecem que seu conteúdo real. O efeito mais visível da operação tem sido a sistemática substituição da realidade por um mero dado ilustrativo, assim como um foco maior no cômputo em si mesmo que na realidade objetiva e seu intrincado percurso social.
Aparentemente não há mais ramo de interesse que deixe de contar com uma respectiva série estatística, com o fim de dar suporte a análises que privilegiam os aspectos quantitativos da realidade social. Se isto consegue preencher a informação, como um estrondo acompanha um relâmpago, é notável o silêncio que resta após. A impressão é de que nada há mais a ser dito, que os números falam por si próprios, com sua carga de inevitabilidade, que são dados indiscutíveis mesmo que sua apuração seja tão nebulosa quanto o céu do inverno, basta que se acompanhe a sigla respectiva e o conectivo “de acordo com”. De fato, parece que boa parte da sociedade se satisfaz em conhecer a realidade alheia, a de seus vizinhos de porta, enquadrando-a em algum índice. Faz parte do modo anômico de existir, marca desse tempo de logins e avatares.
Apesar da facilidade e de toda sorte de generalizações em torno do assunto educação, é relativamente simples construir um mosaico de números e rankeamentos que, tomados em conjunto, não fazem sentido algum. Basta que se analise transversalmente as informações, ou seja, compare-se números incongruentes, como a posição que o país ocupa entre a economia global e os rankings que a UNESCO providencia periodicamente a respeito da qualidade de educação.
A escandalosa relação que se pode obter ao cruzar estes dados, contudo, não faz muito sucesso entre as análises educacionais. Ninguém se pergunta, por exemplo, como o país que ocupa a 88ª colocação na educação consegue a façanha de ostentar números que lhe garantem a posição de 6ª economia planetária. A hipótese mais simples, observando-se os dados, apontaria no disparate de que o sucesso econômico está intimamente relacionado com a baixa qualidade de educação. Deve prover daí a relutância governamental em destinar mais recursos para a educação pública, como quer a campanha em prol dos 10% do PIB para a educação. Afinal, os números são claros e evidentes. Para que se haveria de problematizar um assunto desses?
O emaranhado de números, quer se observe um índice qualitativo como o IDH ou o cálculo do IDEB, deixa claro que, quando o assunto é educação, não há pontas e que o estatuto de “intocável” e “inabordável” é até conveniente, porque governos e sociedade tem demonstrado não ter a mínima ideia do que fazer com o tema. Restam iniciativas isoladas e notícias alarmantes que fazem parte já de uma rotina histórica que, pelo menos de forma aparente, não demovem a mais ninguém. Um discurso qualitativo sobre a realidade educacional como o caso do vídeo da professora de Natal, RN (alguém ainda lembra dela?), é uma informação com data de validade. Faz parte da memória caduca destes tempos devoradores de números e manchetes, até que venha a repetir-se mais uma vez.
* Coordenador-Geral da Inclusive – inclusão e cidadania.
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