Autor: Natalia Cuminale
O diagnóstico e o tratamento cada vez mais precoces do autismo fazem com que a criança portadora do distúrbio consiga se relacionar com a família e o mundo que a cerca.
Rafael tem 9 anos. Com dificuldade para se comunicar, só consegue cumprir as tarefas mais prosaicas do coiidiano se seguir um passo a passo ilustrado com figuras e frases curtas. É assim para tomar banho, pôr a roupa, escovar os dentes e arrumar a mochila para a escola — e até para brincar. Alegre e amoroso, está o tempo todo beijando e abraçando a irmã mais velha. Carolina. "Vira e mexe. ele vem para a minha cama e dorme abraçado comigo", conta a mãe. a advogada Alessandra Camargo Ferraz. Rafael tem autismo e. até pouco tempo atrás, seu comportamento (a efusiva demonstração de afeto. inclusive) seria inimaginável para uma criança portadora do distúrbio. As conquistas do menino devem-se ao diagnóstico precoce da doença. Quando Rafael tinha 10 meses. Alessandra percebeu que o garoto não dava tchau, tampouco jogava beijinhos, como todos os bebés costumam fazer nessa idade. Cismada, procurou o pediatra, e o autismo foi descoberto. Desde então, o menino passa por um intenso tratamento com psicóloga, fonoaudióloga. terapeuta ocupacional. entre outros profissionais.
Atualmente são 34 horas semanais de rigoroso acompanhamento.
Com um doente a cada 110 crianças. uma menina para quatro meninos, o autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra americano Leo Kanner (1894-1981). Em um artigo para a revista especializada Nervous Child. o médico assim definiu um dos onze pacientes sob sua observação: "Ele parece ficar satisfeito sozinho. Não demonstra afeição quando acariciado. Não observ a o fato de alguém chegar ou sair e nunca parece feliz em ver os pais". Passados quase setenta anos. a grande luta da medicina é fazer o diagnóstico precoce, de modo a evitar que a criança se feche em seu próprio mundo. Resgatá-la de lá. mais tarde, pode ser impossível. O ideal é que a doença seja identificada até os 3 anos. como aconteceu com Rafael. Nessa fase. o cérebro é ainda um órgão de enorme plasticidade e tem a capacidade de se adaptar a novos mecanismos de funcionamento mediante os estímulos recebidos e as experiências vividas. Graças aos avanços no diagnóstico e no tratamento do problema, 30% das crianças autistas hoje se tornam adultos independentes. Na década de 50. esse contingente chegava a, no máximo, 10%.
É um fascinante avanço, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Atualmente. a doença é descoberta, em média, aos 5 anos. E tarde. Questionários respondidos pelos pais sobre o desenvolvimento de seus bebés são hoje o principal instrumento para o diagnóstico do autismo (veja os quadros nesta página e na seguinte). Pesquisadores da Universidade Yale. nos Estados Unidos. desenvolveram uma tecnologia que promete ajudar na detecção precoce da doença. Conhecida como eye-tracking. ainda em fase experimental, ela é capaz de rastrear a direção do olhar de uma criança de 5 meses. "O autista não consegue manter contato visual com outras pessoas", diz o psiquiatra Guilherme Polanczyk. da Universidade de São Paulo e do comité científico da ONG Autismo & Realidade. O portador do transtorno se interessa pouco por cenas sociais e rostos humanos. Seu olhar mira a boca — e não os olhos de seu interlocutor.
"Todas as abordagens visam a melhorar a comunicação da criança com o mundo que a cerca, estimular as demonstrações de afeio e diminuir os comportamentos repetitivos", diz o pediatra Ricardo Halpern. presidente do departamento do desenvolvimento e comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria. Conforme o grau de comprometimento da criança, o sucesso pode ser quase completo. Alguns pacientes apresentam um desenvolvimento cognitivo e social semelhante ao de uma criança sem o problema.Saúde
Por isso, desde2007, a Academia Americana de Pediatria recomenda aos pediatras que, em pelo menos duas ocasiões antes dos 3 anos. aos 18 e aos 24 meses, submetam todos os bebés aos testes para detecção de autismo. Apenas 8% deles, no entanto, seguem tal orientação. No Brasil, não há dire-trizes sobre o assunto. "Infelizmente, em nosso país. raríssimas são as faculdades que incluem o autismo em seu currículo", diz o psiquiatra Estevão Vadasz. coordenador do projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. da Universidade de São Paulo.
Quando Felipe completou 1 ano e 5 meses, sua mãe. a administradora Lenita Rocha Perez, percebeu que havia algo de errado. "Ele não prestava atenção, não falava nada. parecia que não entendia o que a gente dizia", lembra. Ela chegou a imaginar que o garoto fosse surdo. "Quando manifestei minha preocupação ao pediatra, ele disse para eu não me preocupar porque o problema seria resolvido com o tempo", diz Lenita. A suspeita de autismo foi levantada aos 2 anos por uma fonoaudiólo-ga. Sob a supervisão de uma equipe multidisciplinar. Felipe conseguiu desenvolver uma série de habilidades e se livrar do hábito de sacudir as mãos no ar. Hoje o garoto frequenta uma escola regular. A psiquiatra Daniela Bordini. coordenadora do ambulatório de cognição social da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). conta que 80% dos pais de autistas que procuram o serviço contam histórias semelhantes à de Lenita. "O que esses pediatras não imaginam é que esse "esperar mais um pouco' pode fazer a diferença entre uma criança que interage com o mundo que a cerca e uma criança alienada em seu próprio mundo", diz a médica Daniela.
Apesar das conquistas, as causas do autismo ainda não foram completamente desvendadas. Há pelo menos uma centena de genes associada a ele. Um trabalho publicado cm 2010 na revista científica Celi mostrou que, entre os autistas, os neurónios costumam ser mais curtos e. com isso, fazem menos sinapses. Além disso, algumas pesquisas indicam que o distúrbio tende a ser mais frequente entre filhos de matemáticos e engenheiros — pessoas dotadas de grande raciocínio lógico. A contribuir para a complexidade do autismo está o fato de que a doença apresenta uma infinidade de sintomas, nos mais variados graus de intensidade. E pensar que. até muito recentemente, o autismo era atribuído à falta de amor e dedicação maternos das chamadas "mães-ge-ladeira". Bobagem. O que se tem por certo atualmente é que os pais são imprescindíveis no resgate das crianças daquele mundo solitário, só delas.
Atualmente são 34 horas semanais de rigoroso acompanhamento.
Com um doente a cada 110 crianças. uma menina para quatro meninos, o autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra americano Leo Kanner (1894-1981). Em um artigo para a revista especializada Nervous Child. o médico assim definiu um dos onze pacientes sob sua observação: "Ele parece ficar satisfeito sozinho. Não demonstra afeição quando acariciado. Não observ a o fato de alguém chegar ou sair e nunca parece feliz em ver os pais". Passados quase setenta anos. a grande luta da medicina é fazer o diagnóstico precoce, de modo a evitar que a criança se feche em seu próprio mundo. Resgatá-la de lá. mais tarde, pode ser impossível. O ideal é que a doença seja identificada até os 3 anos. como aconteceu com Rafael. Nessa fase. o cérebro é ainda um órgão de enorme plasticidade e tem a capacidade de se adaptar a novos mecanismos de funcionamento mediante os estímulos recebidos e as experiências vividas. Graças aos avanços no diagnóstico e no tratamento do problema, 30% das crianças autistas hoje se tornam adultos independentes. Na década de 50. esse contingente chegava a, no máximo, 10%.
É um fascinante avanço, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Atualmente. a doença é descoberta, em média, aos 5 anos. E tarde. Questionários respondidos pelos pais sobre o desenvolvimento de seus bebés são hoje o principal instrumento para o diagnóstico do autismo (veja os quadros nesta página e na seguinte). Pesquisadores da Universidade Yale. nos Estados Unidos. desenvolveram uma tecnologia que promete ajudar na detecção precoce da doença. Conhecida como eye-tracking. ainda em fase experimental, ela é capaz de rastrear a direção do olhar de uma criança de 5 meses. "O autista não consegue manter contato visual com outras pessoas", diz o psiquiatra Guilherme Polanczyk. da Universidade de São Paulo e do comité científico da ONG Autismo & Realidade. O portador do transtorno se interessa pouco por cenas sociais e rostos humanos. Seu olhar mira a boca — e não os olhos de seu interlocutor.
"Todas as abordagens visam a melhorar a comunicação da criança com o mundo que a cerca, estimular as demonstrações de afeio e diminuir os comportamentos repetitivos", diz o pediatra Ricardo Halpern. presidente do departamento do desenvolvimento e comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria. Conforme o grau de comprometimento da criança, o sucesso pode ser quase completo. Alguns pacientes apresentam um desenvolvimento cognitivo e social semelhante ao de uma criança sem o problema.Saúde
Por isso, desde
Quando Felipe completou 1 ano e 5 meses, sua mãe. a administradora Lenita Rocha Perez, percebeu que havia algo de errado. "Ele não prestava atenção, não falava nada. parecia que não entendia o que a gente dizia", lembra. Ela chegou a imaginar que o garoto fosse surdo. "Quando manifestei minha preocupação ao pediatra, ele disse para eu não me preocupar porque o problema seria resolvido com o tempo", diz Lenita. A suspeita de autismo foi levantada aos 2 anos por uma fonoaudiólo-ga. Sob a supervisão de uma equipe multidisciplinar. Felipe conseguiu desenvolver uma série de habilidades e se livrar do hábito de sacudir as mãos no ar. Hoje o garoto frequenta uma escola regular. A psiquiatra Daniela Bordini. coordenadora do ambulatório de cognição social da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). conta que 80% dos pais de autistas que procuram o serviço contam histórias semelhantes à de Lenita. "O que esses pediatras não imaginam é que esse "esperar mais um pouco' pode fazer a diferença entre uma criança que interage com o mundo que a cerca e uma criança alienada em seu próprio mundo", diz a médica Daniela.
Apesar das conquistas, as causas do autismo ainda não foram completamente desvendadas. Há pelo menos uma centena de genes associada a ele. Um trabalho publicado cm 2010 na revista científica Celi mostrou que, entre os autistas, os neurónios costumam ser mais curtos e. com isso, fazem menos sinapses. Além disso, algumas pesquisas indicam que o distúrbio tende a ser mais frequente entre filhos de matemáticos e engenheiros — pessoas dotadas de grande raciocínio lógico. A contribuir para a complexidade do autismo está o fato de que a doença apresenta uma infinidade de sintomas, nos mais variados graus de intensidade. E pensar que. até muito recentemente, o autismo era atribuído à falta de amor e dedicação maternos das chamadas "mães-ge-ladeira". Bobagem. O que se tem por certo atualmente é que os pais são imprescindíveis no resgate das crianças daquele mundo solitário, só delas.
Fonte: Revista Veja Publicada em Publicada em 20/03/2012
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