segunda-feira, 19 de março de 2012

Precisamos construir olhares mais acolhedores.

       
Humanidade

Cristina Grillo

Rio de Janeiro – A cena, exibida no inicio da semana no noticiário local e depois repetida no “Jornal Nacional”, não me sai da cabeça.
O cadeirante tenta entrar em um ônibus equipado com um elevador para facilitar o acesso. Na primeira tentativa, o motorista alega não poder ajudá-lo porque não tem a chave que aciona o equipamento.
A empresa proprietária do veiculo deve entender que esta cumprindo a lei municipal que obriga todos os ônibus fabricados a partir de 2008 a terem o elevador. A lei, afinal, não estabelece que o motorista deva ter a chave que o aciona.
Na cena seguinte, outro ônibus para. O motorista tem a chave, mas não consegue fazer o elevador funcionar. Tenta uma, duas, três vezes, mas as engrenagens travam. Obviamente adequado para acionar o equipamento e não sabe o que fazer.
O que vem a seguir é de deixar qualquer pessoa que tenha o mínimo de respeito ao próximo de cabelo em pé.
Passageiros começam a reclamar do fato de o motorista ter parado o ônibus para tentar embarcar o cadeirante.
“Tenho hora, tenho que trabalhar”, reclama um. “O senhor não pode atrasar a viagem das pessoas que pagaram passagem”, diz outro.
Todos nós temos hora para trabalhar. Nenhum de nós quer chegar atrasado. É responsabilidade de a empresa manter o equipamento em perfeitas condições de uso e treinar os motoristas para manejá-lo.
Mas o egoísmo de quem só se preocupava, naquele momento, com a própria vida, choca. Não se vê um sinal de solidariedade. Não aparece alguém que se disponha a ajudar a colocar a cadeira de rodas no ônibus. – Solução provisória, sim, mas que mostraria um pinguinho de preocupação com o outro.
Não se vê sequer uma gota de humanidade.

Fonte: Folha de São Paulo, sexta feira, 16 de março de 2012. Caderno opinião.

Se você gostou deste artigo, leia também o texto abaixo.



Clarice vive!

Ela fala muito, e rápido. Atribui à sua raiz caipira, “lá todos falam assim!”. Em meus pensamentos me pergunto se não é ansiedade. Estamos em um ponto de ônibus, aguardando um que leve um grupo de pessoas com deficiência visual para o terminal. Lá cada um deles achará o ônibus que os levará para casa. Acabaram o segundo curso do programa “Alimente-se bem”, do SESI, que atendeu o entusiasmado pedido deste grupo. Cada um segura orgulhosamente seu exemplar em papel do livro comemorativo pelos dez anos de existência do programa. Pergunto como aconteceu sua deficiência visual, e ela diz que foi em decorrência de cirurgia feita em seu crânio, para retirada de tumor cancerígeno localizado na parte frontal. Pega minha mão e coloca no início de seu cabelo curto e sinto uma depressão, ausência da proteção óssea. Há outra depressão importante na lateral da testa. Mas ela fala sorrindo sempre, e para cada assunto fica um sabor de gratidão pela vida. Acrescenta que esta foi a segunda operação, após a retirada dos dois seios pelo mesmo problema. Pergunto como chegou ao Centro de Prevenção à Cegueira de nossa cidade (ela é de Nova Odessa), e ela diz que pessoa amiga indicou, quando soube de sua perda de visão, seguida de fase depressiva que durou quase dois anos. Conta que neste período ficava triste, sozinha em casa, queimando as mãos quando tentava cozinhar. Com o trabalho da terapeuta ocupacional e da psicóloga foi reorganizando e reassumindo sua vida – hoje lava, passa, cozinha e limpa sua casa, além de comprar as roupas do marido e do filho que ainda vive com eles. Pede para a vendedora descrever a cor e o seu tato de ex-costureira verifica o corte, a qualidade das costuras e o acabamento. Pega seu ônibus sozinha, e vem feliz, para seus tratamentos, sua aula de pintura e de dança de salão. Após este trabalho múltiplo com sua deficiência, conta que sua vida mudou completamente. Ela e seu grupo querem mais um curso do SESI, a nutricionista Fabiana poderá atender a mais este desejo em outubro. Chega o ônibus. Ajudo todo o grupo, em fila indiana, a entrar. Algumas pernas têm dificuldade em encontrar a altura correta do primeiro degrau. Dirijo o movimento com minha mão. Preciso pedir para os demais “enxergantes” ao meu lado para que esperem todo o grupo subir. A porta se fecha, e observo alguns deficientes indo de pé, não foi oferecido assento. Ainda precisamos afiar mais nossa sensibilidade para com os limites do outro. Vamos lá! “Sei que algumas mudanças são tarefa para uma vida toda!”. Reinaldo Bulgarelli, educador brasileiro, atuante na área social.


Caso e nome reais. Elizabeth Fritzsons da Silva, psicóloga e diretora da Unidade de Atenção aos Direitos da Pessoa com Deficiência, colaboradora do LIBERAL.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Oferecemos arquivo de textos específicos, de documentos, leis, informativos, notícias, cursos de nossa região (Americana), além de publicarmos entrevistas feitas para sensibilizar e divulgar suas ações eficientes em sua realidade. Também disponibilizamos os textos pesquisados para informar/prevenir sobre crescente qualidade de vida. Buscamos evidenciar assim pessoas que podem ser eficientes, mesmo que diferentes ou com algum tipo de mobilidade reduzida e/ou deficiência, procurando informar cada vez mais todos para incluírem todos.