"Sempre durmo com meus óculos embaixo da cama – em emergências acho fácil, pelo tato. Como tenho quarenta e dois anos agora vou precisar me adaptar a óculos multifocais, a única forma de enxergar de perto. Um dia, à noite já tentei estender a roupa lavada na sombra do fio do varal, não entendendo porque a roupa caia no chão, até o aviso de minha mãe. Enxergo pouco com meu olho esquerdo (tem mais de oito graus de miopia) desde muito pequena, não tenho memória de enxergar com ambos os olhos. Uma pessoa como eu tem 25% a menos de campo visual, o que pode significar mais colisões, dificuldades com escadas, ruas e meio-fios e para andar em áreas com muitas pessoas. Nós os monoculares, podemos dirigir, com espelhos especiais que ampliam a extensão do olhar (segundo Keeney temos sete vezes mais chances de acidentes de trânsito).Sofremos como acompanhantes do motorista. Temos mais suscetibilidade à fadiga, ao stress, e a doenças pelo esforço contínuo de adaptação. Temos medo mais constante de quedas e machucados. Se estudantes, mais dificuldades para ler e estudar. Com um olho só, a cegueira total é mais provável para nós, o que dá certo medo do futuro, fazendo com que relaxar seja um pouco mais difícil. Acertar no aperto de mão, servir bebida para alguém também é mais trabalhoso. Temos mais chances de timidez e isolamento social. Coisas simples do dia a dia são mais difíceis, como cozinhar. Trabalhar muito tempo em um computador exige esforço sobre-humano. Não devemos ser motoristas de ônibus, ou maquinistas ou controladores de tráfego aéreo. Sempre fui muito bem cuidada quanto à minha saúde, desde muito criança um de meus olhos já apresentava manchas brancas. Sempre usei óculos, mesmo antes de chegar à escola, mas as dificuldades visuais não impediram que chegasse a ser professora, já trabalhei em conferência de dados, controle de qualidade e agendamento em firma de processamento, também em farmácia de manipulação (adorava o trabalho), e como telefonista em empresa de turismo (cuidando simultaneamente de doze linhas telefônicas), durante quatro anos. Decidi interromper temporariamente minha atividade profissional quando tive duas filhas. Agora já é meu tempo de voltar, e por mais incrível que pareça somente neste momento de vida é que me dei conta de que sou pessoa com deficiência. Então tenho alguns direitos, como o acesso ao cartão de estacionamento e à entrada no mercado de trabalho através da “Lei de Cotas”, com ajuda para distribuir meu currículo para empresas parceiras (UADPD)". “Sinto-me nascido a cada momento, para a eterna novidade do mundo” – Fernando Pessoa.
Texto produzido a partir de depoimento real
Nenhum comentário:
Postar um comentário