domingo, 15 de fevereiro de 2015

A origem espontânea das praças londrinas

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SoHo Square, em Londres. Foto por mrlerone @ Flickr
Atrás da origem de cidades de sucesso, uma das minhas leituras recentes mais interessantes foi a da história das praças londrinas. De pequeno tamanho mas distribuídas pela cidade, elas trazem para cada bairro um respiro, característica que sempre achei mais sensata do que a sua concentração em poucos grandes parques, exigindo grande deslocamento dos moradores para aproveitá-los.
Considerando a origem precoce da urbanização britânica e a sua tradição em urbanismo e paisagismo, com grandes nomes como John Nash, seria natural supor que as praças teriam sido ordenadamente planejadas através uma visão global da cidade executada pelo poder público. No entanto, o historiador A.E. J Morris no livro “History of Urban Form Before the Industrial Revolution” (História da forma urbana antes da Revolução Industrial, tradução livre) mostra que elas tiveram uma origem totalmente diferente e (como não?) particularmente londrina, descrevendo o processo que ocorreu antes da Revolução da Industrial, principalmente na região de Covent Garden:
“Londres se expandiu durante os séculos XVII e XVIII com distritos claramente definidos quanto suas classes sociais. Classes altas e médias se estabeleceram no West End, local que convenientemente possibilitava viagens relativamente curtas a leste para a área comercial de City of London e a sul para a Corte e as crescentes funções públicas da City de Westminster. A medida que novas praças e ruas foram sendo construídas em áreas mais distantes, bolsões de habitações populares se desenvolveram ao seu redor, eventualmente no próprio espaço das praças.”
“[O historiador dinamarquês] Rasmussen observa que ‘quando um conde ou um duque desenvolvia a sua própria propriedade ele queria determinar que tipos de vizinhos ele teria. O grande proprietário e o incorporador especulativo se encontraram, e juntos eles criaram a praça londrina com seu caráter de unidade, rodeada pelas dignas residências, todas parecidas.’ Sir John Summerson* coloca três princípios claros para o desenvolvimento dessas praças. Primeiro, o princípio de uma liderança aristocrática – a presença da casa do próprio proprietário na sua praça. Segundo, o princípio de uma unidade completa de desenvolvimento, com praça, ruas secundárias, mercados e talvez uma igreja. Terceiro, o princípio do construtor especulativo, operando como um intermediário e efetivamente construindo as casas.
As grandes propriedades a oeste de Londres normalmente eram desenvolvidas através da concessão de arrendamentos** para construção, um sistema particular da Inglaterra. Os primeiros arrendamentos foram concedidos em 1661 para as propriedades faceando a Bloomsbury Square e definiram o padrão onde os grandes proprietários detinham tanto a propriedade como o controle das edificações nelas construídas. Nestes contratos o arrendatário pagava um baixo aluguel do terreno com o entendimento de que ele construiria uma casa (ou conjunto de casas) que, no final do contrato, se tornaria propriedade do arrendador do terreno. Summerson observa que esse sistema representa um mecanismo conveniente onde a terra pode se tornar lucrativa várias vezes seguidas. Isso era uma consideração essencial a ser feita para tais propriedades, que normalmente pertenciam a uma família ou eram mantidas por um trust, e necessitavam de um Ato do Parlamento antes de poderem ser vendidas.
As praças e as ruas circundantes tinham layouts extremamente simples, invariavelmente baseadas no princípio do xadrez viário. Várias praças seguiram o exemplo de Convent Garden, com o desenvolvimento de jardins no lado norte da residência do proprietário. O lado sul normalmente era deixado aberto, até que a própria casa do proprietário fosse também redesenvolvida. Frequentemente uma rua mais larga era projetada saindo do centro do lado norte para preservar as vistas de Hampstead e Highgate Hills.”
O autor segue descrevendo o desenvolvimento de uma série de praças que foram criadas como uma oportunidade para valorizar diferentes empreendimentos. Bloomsbury Square e St James’s Square foram idealizadas, respectivamente, pelo Lord Southampton e pelo Lord St Albans, que conseguiram autorização para a sua construção na metade do século XVII. Ao redor do ano 1800, a mansão do Lord Southampton foi demolida, e a quadra de casas completada.
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Vista da Bloomsbury Square a partir do lado sul, olhando para a mansão do Lord Southampton ao norte. Imagem do livro “History of Urban Form Before the Industrial Revolution”
Já a SoHo Square foi projeto e incorporação de um arquiteto chamado Gregory King, que originalmente deu seu nome ao projeto. Red Lion Square, por sua vez, foi uma aposta de um sujeito esquisito chamado Nicholas Barbon, supostamente chamado de “incorporador especulativo e falso médico”. Nicholas cortava os custos que podia na construção do projeto, se aproveitando do nascimento da estandardização de projeto e pré-fabricação de elementos construtivos. Seu projeto foi criticado na época por alguns vizinhos, mas justamente pela simplicidade da construção possibilitou a atração de moradores de rendas mais baixas, o que não ocorreu no caso de SoHo e Bloomsbury. Não é surpreendente que muitas das construções ao redor da Red Lion Square já foram redesenvolvidas.
Apesar de ter um caráter um pouco diferente, outro exemplo dado foi o das praças próximas ao atual Coram Center, junto a Southampton Row. No final do século 18 esta região ainda fazia parte da periferia da cidade, campos de cricket chamados de “Lamb’s Conduit Fields”. Maior parte deste terreno era de propriedade do Foundling Hospital, uma instituição privada sem fins lucrativos de auxílio a crianças carentes fundada por Thomas Coram (que depois trocou de nome homenageando seu fundador). Como forma de obter novos recursos, a instituição pediu para que seu arquiteto Samuel Cockerwell desenvolvesse algumas praças, sendo as duas primeiras Brunswick e Mecklenburg, inauguradas em 1810. Parte do projeto ainda “fechou” o lado norte da Queen’s Square, antigo jardim do baronete Sir John Cutler, que antes, junto com seus vizinhos, desfrutavam de vistas que iam até Hampstead.
A liberdade construtiva da Londres pré-industrial possibilitava estes incorporadores a maximização da área construída (edifícios sem recuos de 5 ou 6 andares, um limite comum da época dada a ausência do elevador) e, desta forma, manter espaços abertos para praças para que essas propriedades fossem valorizadas. A grande maioria dessas praças são abertas ao público, embora algumas sejam cercadas para diminuir seus custos de manutenção. As regras de uso são definidas, muitas vezes, pelos próprios moradores do entorno da praça, que a administram como uma espécie de área condominial.
Londres, apesar de ser uma cidade atualmente com grande patrimônio construído restrito de alterações, sempre nos surpreende na sua história espontânea de desenvolvimento urbano.
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*N.T.: um dos grandes historiadores britânicos de arquitetura
** N.T.: o termo original, em inglês, é leasing

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