terça-feira, 1 de julho de 2014

Tragicamente atual...


Laços de sangue nem sempre são laços de amor

"Uma idosa de 70 anos foi encontrada em seu apartamento, em Bournemouth, sul da Inglaterra, seis anos depois de morrer. Chamava-se Anna Leitrim".
"A filha de um idoso de 80 anos foi condenada pela Justiça do Acre por se apropriar da aposentadoria do pai durante dois anos e ter contraído empréstimos em nome dele sem o informar. Um prejuízo de R$ 180 milhões".
As duas notícias acima, divulgadas pela mídia nos últimos dias, revelam diferentes tipos de violência sofridos pelos idosos. A primeira escancara, em grau extremo, a invisibilidade.
"É horrível. Por que ninguém notou? Nós pensamos que ela tinha se mudado", disse um vizinho da idosa encontrada morta. "Nos sentimos tão culpados, pois não tentamos bater na porta, ou avisar alguém", emendou outra vizinha.
Felizmente, não há registro de caso semelhante no Brasil. Mas, dado ao acelerado processo de envelhecimento e ao crescente número de idosos vivendo sozinhos, é preciso falar mais sobre a solidão dos nossos velhos.
Segundo pesquisas, o isolamento na velhice se dá por vários motivos, entre eles a morte do parceiro (a), a depressão ou outras doenças e o rompimento de laços sociais e familiares.
No campo privado, serviços de teleassistência já perceberam o imenso filão e estão criando produtos que monitoram esses idosos que vivem sós. Existem alguns que espalham sensores pela casa e conseguem saber, por exemplo, se a pessoa se levantou da cama. Se algo foge à rotina diária, ligam ou vão até o local para saber o que houve.
Há algumas iniciativas públicas bem menos sofisticadas, mas ainda tímidas e pontuais.
A segunda notícia reflete um outro tipo violência, a financeira, e mostra que nem sempre viver com os filhos ou com um outro familiar é garantia de segurança. O país vê crescer as denúncias de abuso financeiro contra idosos, a maioria cometida por filhos e netos vivendo às custas deles.
O idoso do Acre havia dado uma procuração para que a filha o representasse. Um dia, ele viu no extrato bancário a cobrança de parcelas de empréstimos que não havia feito. Foi até o banco e descobriu o golpe. Não teve dúvida: cancelou os cartões, revogou a procuração e procurou o Ministério Público. A filha só não foi presa porque topou fazer um acordo e vai pagar o que surrupiou do pai.
Parece surreal, mas a verdade é que muitos familiares se acham "donos" da aposentadoria e de outros bens dos seus velhos. Nada contra que idosos com boas condições financeiras ajudem quem eles queiram, desde que isso seja um desejo real, sem pressão psicológica ou outras formas cruéis de convencimento.
Tem sido cada vez mais comum (há várias pesquisas mostrando isso) idosos sustentando os filhos, depois os netos, e sofrendo calados porque, afinal, gostariam de estar desfrutando de suas aposentadorias de outras formas.
O fato é que, por medo do abandono ou por vergonha, a vasta maioria não denuncia o familiar. Se contassem com uma rede social de proteção, talvez esses idosos se sentissem mais seguros. Ao menos para dizer "não", "basta". É cruel, mas é preciso entender que laços de sangue nem sempre são sinônimos de laços de amor. 
cláudia collucci
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros 'Quero ser mãe' e 'Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'. Escreve às terças.
Fonte: jornal a Folha de São Paulo - http://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/2014/07/1478988-lacos-de-sangue-nem-sempre-sao-lacos-de-amor.sh

Um comentário:

  1. Passando para deixar um abraço e desejar que seu mes de Julho seja maravilhoso.
    Parabenizar pelas postagens tão especiais que vc nos presenteia.
    Esta postagem realmente é especial e faz com que pensemos melhor de como estamos cuidando de nossos idosos.
    Deixo um beijo em seu coração.
    Nicinha

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