quinta-feira, 31 de julho de 2014

Marta Gil, consultoria em inclusão, enviou:

Contação de história entra na rotina de alunos com paralisia cerebral

Prática ajuda no desenvolvimento pedagógico, diz professora de Curitiba.
Com pouco recurso visual, método visa incentivar a imaginação do ouvinte.

Bibiana DionísioDo G1 PR
Alunos com paralisia cerebral participam de roda de contação de história a cada 15 dias em Curitiba (Foto: Bibiana Dionísio/ G1)Alunos com paralisia cerebral participam de roda de contação de história a cada 15 dias em Curitiba (Foto: Bibiana Dionísio/ G1)
A contação de história deixou de ser apenas um momento de lazer ou uma ação voluntária despretensiosa a ponto de ter reflexos terapêuticos e pedagógicos nos ouvintes. Adepta a prática, a Escola de Educação Especial Vivian Marçal, que trabalha com alunos com paralisia cerebral emCuritiba, inseriu no currículo as rodas de contação de história a cada 15 dias. Para os professores, não existem dúvidas quanto aos benefícios. “Eles se soltam mais, perdem a timidez, se desenvolvem mais. Nós percebemos que aqueles que não falam transmitem as sensações pelo olhar, dão risadas. Do ponto de vista pedagógico, ajuda muito. As crianças participam e, até as tímidas, falam durante a história”, explicou a professora de Artes Lilian Carvalho.
Apesar de a escolha das histórias ter como base as características do público, nem mesmo a professora fica de fora da atmosfera lúdica que é criada em sala de aula. Gestos, pausas, olhos no olhos fazem com que cada um se sinta um personagem da narrativa. “O momento de contação de história é mágico para eles e, inclusive, para mim. Parece que eu volto a ser criança... Nós nos transformamos, nos transportamos para outro lugar. Depois, a gente sente que eles ficam ansiosos aguardando a próxima”, disse a professora.
Ao ouvir relatos como o da professora e ver a reação positiva dos alunos, Lídia Hanke Santos, que conta histórias há oito anos, se sente realizada. Ela é diretora da Casa do Contador de História, também na capital paranaense, que realiza trabalho voluntário em diferentes instituições da cidade. “Quando uma criança que não fala, te vê e estende o braço para te abraçar, você vê o quanto essas histórias são poderosas, você vê esse retorno amoroso”, disse. Lídia Hanke explica que a metodologia trabalha com imagens, ou seja, incentiva a imaginação do ouvinte para que ele visualize, a partir da própria experiência de vida, o cenário e contexto da história contada.
São sempre três histórias – a primeira tem o objetivo ambientar os ouvintes, a segunda entrar propriamente no tema do dia, e a terceira visa acalmar os alunos, provocar a reflexão e fazer com que eles levem para casa a mensagem. “O silêncio vem vindo aos poucos. Você sente que o ouvinte está entrando na história”, relata a contadora.
Fica só para mim, fico pensando depois na história. Eu não esqueço, fica para sempre comigo"
Ana Flávia, 19 anos
Ana Flávia, de 19 anos, não perde uma roda de contação de histórias. Ela conta que gosta muito de participar, e que a atividade faz bem para ela. Diferentemente do público infantil, que tende a repassar as histórias para os pais, os ouvintes com paralisia cerebral – até mesmo os com mais facilidade de comunicação – preferem trancar a sete chaves as percepções. “Fica só para mim, fico pensando depois na história. Eu não esqueço, fica para sempre comigo”, disse a Ana Flávia.
Segundo a contadora, o conteúdo das histórias contadas para alunos com paralisia cerebral tratam de situações cotidianas, autoestima e autoconfiança. “Eles têm muita rejeição, pela condição física. Muitas pessoas têm preconceito e chegam a falar que eles não deveriam sair na rua. Só que a realidade é que muitos têm sonhos, como namorar, seguir um caminho, conquistar algo. Então, a gente trabalha estas questões.”
Preparação
Em Curitiba, a Casa do Contador de História, que é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que presta serviços para pessoas em condição de vulnerabilidade social, ministra cinco cursos por ano para formação de contadores. Esta é a principal fonte de renda da instituição, que recentemente trabalha para angariar recursos para reforma do espaço atingido por um incêndio. Neste sábado (25) e domingo (26) ocorre uma edição, e as próximas estão marcadas para 27 e 28 de setembro e 08 e 09 de novembro. O curso custa R$ 270,00.

Os motivos que fazem alguém procurar um curso de contação de história são variados. São avós que querem entreter os netos, voluntários, professores, pedagogos. Existem também advogados, que querem melhorar a atuação em tribunais, atores em busca de melhor interpretação e ainda estudantes e universitários, que se veem com dificuldades para apresentar trabalhos acadêmicos em público ou que se sentem temerários quanto ao dia da defesa da monografia ou do Trabalho de Conclusão de Curso  (TCC).
Casa do Contador de História tem cinco cursos por ano (Foto: Bibiana Dionísio/ G1)Casa do Contador de História tem cinco cursos
por ano (Foto: Bibiana Dionísio/ G1)
José Mauro dos Santos, de 52 anos, é um dos fundadores da casa. Ele afirma que muitos procuram o curso achando que aprenderão diversos recursos e para contar histórias. O método da casa, porém, mostra que não é necessário dramatizar para se passar uma mensagem. Aqueles que fazem o curso aprendem a dar asas para a própria imaginação e a contar as narrativas de maneira simples e eficaz.

“A gente mostra que não precisa de recurso nenhum, não precisa de livro, não precisa de nada. Ele conta com a voz dele, com o jeito de contar dele. Com o gestual e com a postura, o contador consegue criar tudo isso com as palavras. Tem apenas um pouco de trabalho corporal porque o foco é incentivar a imaginação do ouvinte”, disse.

De acordo com Mauro Santos, o principal é a história e não o recurso ou a maneira como se conta. É necessário que a pessoa que ouve a história consiga imaginá-la. Ele destaca que o importante é que as pessoas se lembrem da história e não de quem a contou.

Nos dois dias de curso, as atividades são voltadas para que o contador de história saiba lidar com a própria imaginação. “Como a gente trabalha com a imagem, o que a gente pede é para que as pessoas criem a cena da história mentalmente. A ideia é que a imagem chegue à cabeça do contador como se estivesse passando um filme, e simultaneamente ele vai contando este filme para as pessoas. Por isso, a palavra não é importante. Você precisa passar as imagens que estão vindo. Se você se prender a uma palavra, pode esquecer e dar o famoso branco. Construindo as imagens e as repassando, você não corre este risco”, detalhou.
As histórias contadas pelos voluntários são todas de literatura reconhecida, e diante desta técnica, não é necessário que o contador decore as narrativas e as conte com as mesmas palavras utilizadas pelo autor. Mauro Santos destaca que o contador vai passar a mensagem da forma como ele quiser, desde que respeitando o conteúdo e a essência da obra. “O contador de história não precisa se dar ao trabalho de roubar a imaginação das crianças. A televisão e o cinema fazem isso muito bem.”
Alunos com paralisia cerebral constumam guardar para si as mensagens das histórias (Foto: Bibiana Dionísio/ G1)Alunos com paralisia cerebral costumam guardar para si as mensagens das histórias (Foto: Bibiana Dionísio/ G1)

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