segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Discretas mudanças, mas mudanças...

Profissionais qualificados deixam de concorrer a vagas para pessoas com deficiência

10/08/2014 - 03h00 
VICTÓRIA MANTOAN
DE SÃO PAULO
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Fabio Gomes Alencar, 34, é formado em administração e tem pós-graduação na área financeira. Ele também é cadeirante, o que permitiria que concorresse a empregos específicos para profissionais com deficiência oferecidos pelas empresas para preencher cotas previstas em lei. Mas ele opta por participar dos processos seletivos gerais por não encontrar vagas adequadas à sua qualificação.
"As vagas para profissionais com deficiência são extremamente operacionais. Tem aquele paradigma de que deficientes só podem fazer coisas mais simples", conta Alencar, contratado pela HP como gerente de planejamento de negócios no fim do ano passado.
Joel Silva/Folhapress
Fábio Gomes Alencar, que trabalha na HP em São Paulo
Fábio Gomes Alencar, que trabalha na HP em São Paulo
De acordo com Jaques Haber, sócio-diretor do i.social, consultoria especializada em colocação de pessoas com deficiência, isso acontece porque as vagas somente para esse público têm um perfil que exige menos qualificação e oferecem remuneração mais baixa.
Na última terça-feira (5), das 13,7 mil posições disponíveis para esse público no Vagas.com, um dos maiores sites de emprego do Brasil, 82% eram para a área operacional. Outras 8% eram para o nível júnior ou trainee. Só havia uma para a diretoria.
Por causa disso, Manoela Costa, gerente-executiva da empresa de recrutamento Page Personnel, diz que hoje é comum que candidatos não queiram mais se candidatar a vagas exclusivas.
Segundo ela, isso acontecem porque eles sentem que as oportunidades de crescimento na carreira ficam limitadas. "Algumas empresas estão mais preocupadas em preencher a cota e acabam restringindo a área de atuação do profissional", afirma.
Uma lei em vigor há 23 anos determina que de 2% a 5% dos empregados de empresas com mais de cem funcionários devem ser pessoas com deficiência. A proporção da cota varia de acordo com o tamanho da força de trabalho da companhia.
De janeiro de 2010 a julho deste ano, o Ministério Público do Trabalho em São Paulo recebeu 717 denúncias contra empresas por descumprimento da norma.
DISPUTA DIFÍCIL
Para esses profissionais, entretanto, a concorrência nas vagas gerais pode ser difícil. "A dificuldade que eles podem ter é se candidatar a vagas que não são exclusivas e serem descartados pela deficiência", afirma Costa.
Gonçalo Moreira Araújo, 40, é formado em administração e tem pós-graduação em gestão de negócios. Ele conta estar com dificuldade para encontrar um emprego adequado ao seu perfil.
Araújo perdeu a articulação do joelho direito depois de um acidente que sofreu aos 17 anos, o que faz com que ele tenha problemas de locomoção. Ele não quer ficar em um trabalho operacional, ou de auxiliar, que não corresponde à sua experiência.
Mas diz que dificilmente é convocado para entrevistas "Teve uma empresa só que me chamou, se interessou, mas não fechou comigo."
Segundo recrutadores, é indicado que os profissionais sejam transparentes em relação à deficiência e coloquem a informação no currículo para não causar surpresas no restante do processo seletivo.
Isso porque o entrevistador já pode se preparar para o caso de o candidato precisar de alguma adaptação para a seleção e a empresa pode avaliar se tem capacidade de receber o profissional.
Uma das principais críticas de profissionais que entram em vagas exclusivas para pessoas com deficiência é a falta de um plano de carreira.
Robson da Silva Lopes, 37, formado em administração, diz que trabalhou em um banco entre 2006 e 2008 após ser contratado pela lei de cotas. "Só fui contratado para preencher cotas. Não tinha tratamento igual ao dado a outros profissionais", diz.
Depois, foi trabalhar em uma montadora após ter participado do processo seletivo convencional e diz ter recebido tratamento igualitário.
Lopes teve a perna amputada em um acidente de trem em 1994. Ele conta que está procurando emprego há três meses, mas credita a dificuldade de se recolocar no mercado à má fase da economia -em parte porque seu problema não exige que as companhias façam grandes adaptações, que já estão previstas em lei, como rampas.
Davi Ribeiro/Folhapress
Robson Lopes, que perdeu uma perna em acidente
Robson Lopes, que perdeu uma perna em acidente
Especialistas recomendam que os candidatos sejam extremamente transparentes quanto às suas limitações durante o processo seletivo, deixando claro, se for o caso, quais as adaptações necessárias. Entretanto, isso deve ser feito da forma mais natural possível.
"A pessoa vai ter alguma limitação, ou restrição, mas é muito importante mostrar tudo o que ela pode fazer naquele trabalho", recomenda Guilherme Braga, diretor da Egalitê Recursos Humanos Especiais.
Para profissionais como Alex Garcia, 38, que é surdocego, as dificuldades são maiores. Ele foi a primeira pessoa com a condição a conseguir completar um curso superior no Brasil e hoje atua fazendo trabalhos de conscientização e orientação das famílias de surdocegos.
Ele explica que a entrada no mercado de trabalho é difícil porque a educação não consegue alcançar as pessoas com essa deficiência e o mercado de trabalho pressupõe um déficit de capacidade.
Muitas companhias relatam dificuldades para preencher as cotas pela dificuldade de encontrar profissionais qualificados, mas Braga afirma que, mais do que capacitar os profissionais deficientes, é necessário preparar as empresas para recebê-los.
"Existem mais pessoas com deficiências do que vagas. As companhias têm essa percepção de ter poucos candidatos porque elas não conseguem englobar diversos tipos de deficiências", diz.

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