O preço da saúde
O custo da saúde está pela hora da morte. O preço dos medicamentos recém-descobertos e das novas tecnologias deixa para trás os valores da inflação.
Repassar integralmente esses custos para o SUS ou para os usuários dos planos de saúde é inviável. Sem repassá-los, no entanto, o sistema corre risco de desabar, dilema que só não aflige os países que negam a seus habitantes o acesso à saúde pública.
Aqui, como na Europa, Japão e Estados Unidos, a reorganização da assistência médica tem papel central nas reivindicações populares e na agenda dos governantes.
O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que teve a ousadia de declarar a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Pena terem os constituintes de 1988 esquecido de mencionar de onde viriam os recursos para tal generosidade.
Essa falta de previsão deu origem a uma hidra de duas cabeças: o SUS e a Saúde Suplementar. Cerca de 150 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS, enquanto 50 milhões são detentores de planos de saúde, sem perder direito ao sistema único, entretanto.
Os números escancaram a desigualdade: o SUS consome apenas 46% dos gastos em saúde para atender a três quartos dos brasileiros; a saúde suplementar, 54%.
Nos tempos da inflação galopante, as operadoras de saúde recebiam as mensalidades na data do vencimento, mas só pagavam os prestadores de serviços 60 a 90 dias mais tarde. Com índices inflacionários de 30% ou 40% ao mês, o preço dos serviços médicos, laboratoriais e hospitalares ficavam irrelevantes.
A partir da estabilização da moeda, a festa acabou, o lucro passou a depender da administração cuidadosa das despesas. Hoje, a lucratividade média anual das operadoras está em 2% a 3%, semelhante à do mercado das companhias aéreas que convive com falências sucessivas.
A saúde suplementar se encontra num beco sem saída, em que as mensalidades se tornam cada vez mais inacessíveis -especialmente aos mais velhos-, ao mesmo tempo em que o envelhecimento populacional e o encarecimento da assistência impõem despesas crescentes.
A situação do SUS é ainda mais precária. De um lado, o financiamento governamental insuficiente para atender às necessidades da população que envelhece, engorda, fica sedentária e desenvolve doenças complexas como ataques cardíacos, derrames cerebrais, diabetes e câncer. De outro, a incompetência administrativa, o cipoal das leis que regem o funcionalismo público, a ingerência de interesses paroquiais e a corrupção.
Como nas casas em que falta dinheiro, todos brigam, os administradores do SUS se queixam da Saúde Suplementar, que se queixa do excesso de controle governamental. Ambos criticam os médicos, hospitais e outros prestadores de serviços que se concentram nos grandes centros e inflacionam os custos com exames desnecessários, próteses ortopédicas e equipamentos cirúrgicos caríssimos.
Os hospitais responsabilizam o SUS por remunerá-los a preço vil e os planos de saúde pelos atrasos no pagamento e por glosar despesas legítimas. Os médicos se consideram explorados, vivem em conflito permanente com o SUS e em guerra declarada contra a saúde suplementar.
Os usuários consideram a assistência oferecida pelo SUS uma indignidade e elegem os planos de saúde como um dos campeões de reclamações no Procon.
Com a falta de programas de prevenção para reduzir o número de doentes, o envelhecimento dos brasileiros e a incorporação de novas tecnologias, a tendência dessa conjuntura perversa é ficar pior.
Nosso sistema de saúde precisa com urgência de um pacto social capaz de ouvir autoridades públicas, usuários, representantes da saúde suplementar e do poder Judiciário, hospitais, médicos e a indústria farmacêutica, para adotarmos estratégias de medicina preventiva e chegarmos a consensos que permitam racionalizar custos, evitar desperdícios, dificultar a corrupção e disciplinar a judicialização, que impõe gastos muitas vezes injustos para o SUS e para os planos de saúde.
Sem esse entendimento o sistema vai se esfacelar. De que adiantará jogarmos a culpa uns nos outros?
Repassar integralmente esses custos para o SUS ou para os usuários dos planos de saúde é inviável. Sem repassá-los, no entanto, o sistema corre risco de desabar, dilema que só não aflige os países que negam a seus habitantes o acesso à saúde pública.
Aqui, como na Europa, Japão e Estados Unidos, a reorganização da assistência médica tem papel central nas reivindicações populares e na agenda dos governantes.
O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que teve a ousadia de declarar a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Pena terem os constituintes de 1988 esquecido de mencionar de onde viriam os recursos para tal generosidade.
Essa falta de previsão deu origem a uma hidra de duas cabeças: o SUS e a Saúde Suplementar. Cerca de 150 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS, enquanto 50 milhões são detentores de planos de saúde, sem perder direito ao sistema único, entretanto.
Os números escancaram a desigualdade: o SUS consome apenas 46% dos gastos em saúde para atender a três quartos dos brasileiros; a saúde suplementar, 54%.
Nos tempos da inflação galopante, as operadoras de saúde recebiam as mensalidades na data do vencimento, mas só pagavam os prestadores de serviços 60 a 90 dias mais tarde. Com índices inflacionários de 30% ou 40% ao mês, o preço dos serviços médicos, laboratoriais e hospitalares ficavam irrelevantes.
A partir da estabilização da moeda, a festa acabou, o lucro passou a depender da administração cuidadosa das despesas. Hoje, a lucratividade média anual das operadoras está em 2% a 3%, semelhante à do mercado das companhias aéreas que convive com falências sucessivas.
A saúde suplementar se encontra num beco sem saída, em que as mensalidades se tornam cada vez mais inacessíveis -especialmente aos mais velhos-, ao mesmo tempo em que o envelhecimento populacional e o encarecimento da assistência impõem despesas crescentes.
A situação do SUS é ainda mais precária. De um lado, o financiamento governamental insuficiente para atender às necessidades da população que envelhece, engorda, fica sedentária e desenvolve doenças complexas como ataques cardíacos, derrames cerebrais, diabetes e câncer. De outro, a incompetência administrativa, o cipoal das leis que regem o funcionalismo público, a ingerência de interesses paroquiais e a corrupção.
Como nas casas em que falta dinheiro, todos brigam, os administradores do SUS se queixam da Saúde Suplementar, que se queixa do excesso de controle governamental. Ambos criticam os médicos, hospitais e outros prestadores de serviços que se concentram nos grandes centros e inflacionam os custos com exames desnecessários, próteses ortopédicas e equipamentos cirúrgicos caríssimos.
Os hospitais responsabilizam o SUS por remunerá-los a preço vil e os planos de saúde pelos atrasos no pagamento e por glosar despesas legítimas. Os médicos se consideram explorados, vivem em conflito permanente com o SUS e em guerra declarada contra a saúde suplementar.
Os usuários consideram a assistência oferecida pelo SUS uma indignidade e elegem os planos de saúde como um dos campeões de reclamações no Procon.
Com a falta de programas de prevenção para reduzir o número de doentes, o envelhecimento dos brasileiros e a incorporação de novas tecnologias, a tendência dessa conjuntura perversa é ficar pior.
Nosso sistema de saúde precisa com urgência de um pacto social capaz de ouvir autoridades públicas, usuários, representantes da saúde suplementar e do poder Judiciário, hospitais, médicos e a indústria farmacêutica, para adotarmos estratégias de medicina preventiva e chegarmos a consensos que permitam racionalizar custos, evitar desperdícios, dificultar a corrupção e disciplinar a judicialização, que impõe gastos muitas vezes injustos para o SUS e para os planos de saúde.
Sem esse entendimento o sistema vai se esfacelar. De que adiantará jogarmos a culpa uns nos outros?
Drauzio Varella é médico cancerologista. Por 20 anos dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Foi um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em presídios, ao qual se dedica ainda hoje. É autor do livro 'Estação Carandiru' (Companhia das Letras). Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
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