A ponte tem apenas 25 metros de extensão, mas a obra erguida por moradores de uma cidade do interior do Rio de Janeiro passou por cima de enormes problemas de dinheiro, ineficiência e até de corrupção que assolam o Brasil.
A história ocorreu em Barra Mansa, a cerca de 130 km da capital.
A reportagem é de Gerardo Lissardy, publicada por BBC Brasil, 30-06-2016.
Lá há dois bairros de casas simples, muitas com tijolos expostos: Nova Esperança e São Luiz. Os bairros são separados por um riacho de vegetação densa, que complicava a vida dos moradores.
A questão, dizem, é que só um dos bairros conta com um posto de saúde. E apenas na outra margem há um ponto do ônibus que vai para o centro comercial da cidade.
Para acessar esses serviços, os moradores tinham que contornar o riacho por cerca de 2 km.
Instalaram passagens de madeira, mas toda chuva mais forte carregava as estruturas improvisadas rio abaixo. Pediram uma ponte à prefeitura, mas a resposta foi que não havia recursos em razão da crise econômica.
Cansadas de esperar por duas décadas, duas donas de casa que moram em lados diferentes do rio - Manoelina dos Santos, de 72 anos, e Juracy da Conceição, de 65 anos, tiveram uma ideia: e se os moradores fizessem a ponte?
"Se dependêssemos do poder público, iríamos esperar mais dez anos" diz o comerciante Adalto José Soares, de 52 anos, filho de Manoelina. "Aí tomamos essa atitude, arrecadamos dinheiro com os moradores e fizemos", afirma, em conversa com a BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Resultado: uma ponte 54 vezes mais barata do que o valor estimado pela prefeitura, e com recursos levantados em apenas um mês - uma lição em um país cujo poder público parece em decomposição.
'Variação de qualidade'
Milton Avelino, presidente da associação de moradores do Nova Esperança, explica a diferença nos orçamentos da ponte. "Pela prefeitura o valor era R$ 270 mil, nós fizemos com R$ 5.000."
E qual é o motivo da disparidade?
A Superintendência de Obras e Serviços de Barra Mansa diz que há uma "variação de qualidade nos projetos".
"Como foi feita sem aval da prefeitura, não há como garantir que houve um projeto com cálculo estrutural eficiente, prevendo, por exemplo, variações no nível do rio", afirmou a pasta.
O comerciante Soares lembra, porém, que, em abril deste ano, parte de uma ciclovia recém-inaugurada pelo poder público desabou no Rio de Janeiro, em acidente numa obra de R$ 12,6 milhões e que matou duas pessoas.
"Não fizeram essa ciclovia bonita no Rio com engenharia e morreram duas pessoas?", questiona. "Nós fizemos uma boa fundação, ainda que a mão de Deus seja pesada e nada pode garantir que uma chuva forte não possa levar (a ponte)."
A construção tem três pilares de cimento, sobre os quais há duas vigas que sustentam o piso de chapas de 1,1 metro de largura, corrimões e ligações metálicas.
"A ponte tem capacidade para suportar até três toneladas em movimento", estima Antônio Carlos Moura, um morador da região de 56 anos que trabalha com portões elétricos e estruturas metálicas.
Ele atuou na obra, ao lado de pedreiros, eletricistas, soldadores e pintores. Trabalharam apenas aos sábados e domingos e terminaram tudo em quatro finais de semana.
Suspeitas de corrupção
Moradores suspeitam que a diferença de custos possa ter sido uma tentativa de inflar o orçamento da obra para desviar dinheiro, como ocorria na Petrobras e outras estatais, segundo investigações da Operação Lava Jato.
"Acredito que o poder público fosse fazer uma obra superfaturada em uma comunidade que luta com dificuldades, um município pobre de um país quebrado", comenta Moura.
O prefeito de Barra Mansa, Jonas Marins (PCdoB), foi afastado do cargo pela Justiça neste mês, acusado de irregularidades em gastos na saúde, o que ele nega.
O prefeito interino, Jorge Costa (PRB), disse que a diferença nos orçamentos da ponte "é muito estranha", mas disse não ser possível afirmar se houve ou não corrupção.
"Senti-me envergonhado por minha cidade não ter construído a ponte", afirmou Costa, que disse ter ido pedir desculpas pessoalmente aos moradores.
Nos bairros agora conectados pela obra, alguns já sonham com a possibilidade de o caso ser um grão de areia que ajude a mudar as coisas no Brasil.
"Quem sabe se no futuro, quando as comunidades conseguirem fazer suas pontes, estradas, viadutos e hospitais, não iremos mais ouvir falar de políticos corruptos nem de corrupção", diz o morador Moura.
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