Serge Latouche é conhecido na Itália como o autor do Breve trattato sulla decrescita serena [Breve tratado sobre o decrescimento sereno], que saiu em tradução italiana em 2007, despertando um amplo interesse no país. Sobre o seu pensamento, desenvolveu-se um movimento político cultural de crítica radical do modelo econômico dominante.
A reportagem é de Francesca Santonini, publicada no jornalL'Unità, 06-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por isso, o seu novo livro, La decrescita prima della decrescita [O decrescimento antes do decrescimento], foi rapidamente traduzido pela editora Bollati Boringhieri. Professor emérito de economia e filósofo, Latouche está naItália para apresentá-lo no Festival do Livro Possível, que se realiza em Polignano a Mare, na Puglia, entre os dias 6 e 9 de julho.
Nota da IHU On-Line: Serge Latouche esteve duas vezes na Unisinos a convite do Instittuto Humanitas Unisinos - IHU. A segunda vez, permaneceu uma semana ministrando um curso. Os Cadernos IHU ideias publicaram vários do seus textos que podem ser conferidos abaixo em "Veja também" além de entrevistas.
Eis a entrevista.
O termo "decrescimento" foi lançado como um slogan provocativo a partir do ano 2000, "para denunciar a impostura do desenvolvimento sustentável": como o senhor definiria o decrescimento hoje?
Hoje, o decrescimento é um movimento que teve um certo sucesso, especialmente na Itália, que propõe um projeto alternativo à sociedade de mercado, à economia produtivista e à sociedade consumista. Por decrescimento, entende-se implícita ou explicitamente a necessidade de voltar a um nível de produção sustentável, compatível com a reprodução dos ecossistemas.
No seu último livro, "O decrescimento antes do decrescimento", o senhor escreve que seria preciso falar de "acrescimento", assim como se fala de "ateísmo", em vez de decrescimento. Qual seria a diferença?
Naturalmente, a palavra decrescimento não deve ser tomada ao pé da letra. Não se trata de fazer tudo decrescer, seria estúpido. Decrescer por decrescer seria tão absurdo como crescer por crescer. Trata-se de entender que o crescimento é uma forma de religião e que devemos sair dessa religião do "crescimento pelo crescimento" e tornarmo-nos agnósticos ou ateus do consumismo, do produtivismo e do desenvolvimentismo. O decrescimento, portanto, não é o oposto simétrico do crescimento.
O senhor defende que as consequências do crescimento são desastrosas para o ambiente, mas é preciso dinheiro para combater a poluição e, portanto, para ter um ambiente mais limpo. E muitos estudos indicam que a qualidade do ambiente tem um valor mais alto para os países ricos do que para os países pobres.
Naturalmente, isso ocorre seguindo a lógica da sociedade do crescimento. Como vivemos nessa sociedade, é melhor uma sociedade de crescimento com crescimento do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. Porque, na verdade, em uma sociedade de crescimento com crescimento, há postos de trabalho, há recursos para o cuidado do ambiente, da saúde, mas, na sociedade em que vivemos hoje, ou seja, de crescimento, mas sem crescimento, há desemprego, a pobreza, e não há mais recursos públicos para financiar a cultura, a saúde e também o ambiente. É um paradoxo, porque, essa sociedade de crescimento com decrescimento destrói o ambiente e o futuro da humanidade, é um sistema não sustentável.
O senhor escreve que "o decrescimento como ruptura com a sociedade do crescimento e, portanto, com a economia capitalista também indica uma ruptura com a ocidentalização do mundo". Não lhe parece que, hoje mais do que nunca, deveríamos defender a cultura ocidental dos ataques do terrorismo jihadista contra o nosso estilo de vida?
O terrorismo, como eu já escrevi no meu primeiro livro traduzido em italiano em 1992, "A ocidentalização do mundo" (Nota da IHU On-Line: o livro, com o mesmo título, também foi traduzido para o português pela Editora Vozes), é justamente a consequência da ocidentalização do mundo, é a uniformização planetária da diversidade cultural e da identidade. Esses terroristas são ocidentais e ocidentalizados. Aqueles que atacaram a França são nossos filhos, são franceses de verdade.
No livro, o senhor traça a árvore genealógica dos precursores do decrescimento. Dos epicuristas aos zen-budistas, dos místicos aos anarquistas naturistas, dos opositores ao industrialismo aos antiglobalistas atuais. De Diógenes a Orwell, de Fourier a Gandhi e Berlinguer, de Pound a Baudrillard e Terzani. O que une esses personagens?
Quando eu comecei a me interessar pelos precursores, também para mim foi uma descoberta entender que devemos inverter o nosso modo de pensar e entender que o crescimento é um pequeno parêntese na história do pensamento humano. Todos os pensadores da humanidade, tanto ocidentais quanto de outras civilizações, sempre pensaram que a sobrevivência humana devia estar ligada a viver em harmonia com a natureza, a ter um senso da medida, a limitar as necessidades, a respeitar o ambiente. Além disso, encontramos a necessidade de se pôr limites um pouco em todas as sabedorias: em todas as épocas, não se falava de racionalidade econômica, mas de sabedoria. Com o decrescimento, encontramos essa tradição antiquíssima da sabedoria.
A recusa do crescimento também é a recusa da modernidade. Como deveríamos viver, então? É realista que a ideia do decrescimento ganhe espaço na sociedade atual?
Nós não somos contra a modernidade, mas devemos sair dos paradoxos da modernidade, para reencontrar o senso da medida e uma harmonia com a natureza. O Papa Francisco, na encíclica Laudato si', também afirmou essas coisas. É claro que, para fazer isso, é necessária uma ruptura com o sistema atual, mas não há uma receita, devemos fazer isso, se não por amor, por força, caso contrário, a alternativa será o caos ou a barbárie. Infelizmente, estamos agora no caminho do caos, mas ainda há tempo para mudar.
Os detratores do decrescimento o definem como uma ideia autoritária e veem os teóricos do decrescimento como catastrofistas ou como "profetas da desgraça". Como o senhor responde a essas críticas?
Muitas vezes, eu não respondo, porque não são críticas de boa-fé. Para aqueles que são de boa-fé, eu posso explicar que o projeto do crescimento não pode ser realizado sem voltar à verdadeira democracia, porque o mais importante é reencontrar o senso da medida. Mas quem pode decidir qual é o senso da medida? A única instância legítima que pode decidir isso é o próprio povo, o demos. Devemos reencontrar as raízes verdadeiras da democracia.
Quanto às críticas sobre o catastrofismo: quem é catastrófico? O sistema é catastrófico. Basta ler os inúmeros relatórios das Nações Unidas ou dos organismos científicos e econômicos. Certamente, não é um furo jornalístico o fato de que a temperatura do planeta vai aumentar em quatro ou cinco graus até o fim do século e de que estamos vivendo o sexto desaparecimento da espécie. Certamente, não fui eu que inventou isso. É o sistema que vai rumo ao colapso. Recusar-se a lidar com isso é uma forma de catastrofismo, a pior forma de catastrofismo. Nós exortamos a fazer um esforço para mudar de rumo e imaginar uma sociedade de abundância frugal.
E qual é o significado desse oxímoro "abundância frugal"?
A propaganda do sistema nos fez acreditar que vivemos em uma sociedade de abundância e, em vez disso, vivemos em uma sociedade de desperdício, de escassez, de frustração. As coisas mais importantes se tornam cada vez mais escassas, como o ar respirável, uma água natural. E desperdiçamos 50% dos alimentos que se encontram nos supermercados, que vão diretamente para o lixo. E, então, devemos entender que, sem limites, não há qualquer possibilidade de satisfazer as necessidades. Essa é a sabedoria tradicional. Gandhi também dizia isto: "O mundo é grande o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas sempre será pequeno demais para satisfazer a ganância de alguns". A frugalidade é a condição para reencontrar o senso dos limites, porque temos a abundância verdadeira quando podemos limitar as nossas necessidades.
Olhando para aquilo que está acontecendo na Europa, o Brexit, a direita lepenista na França, e ainda as dificuldades na Espanha, o Cinque Stelle na Itália, o que o senhor pensa sobre essa onda populista que está atravessando a Europa? É o fim dos partidos tradicionais?
O termo populismo é muito ambíguo, porque há um populismo bom e um populismo mau, um populismo de direita e um populismo de esquerda. Certamente, o sistema político que conhecemos não está bem, porque é totalmente dependente da oligarquia econômica e financeira global. É por isso que existe uma aspiração popular justa a sair desse sistema, para resolver os problemas como o desemprego, a austeridade, mas, como sempre, há os profissionais da política que tentam instrumentalizar as aspirações justas. As aspirações populares devem ser ouvidas para serem satisfeitas, não para serem instrumentalizadas como fazem os nacionalistas. A crise dos partidos tradicionais não depende apenas do contexto local, mas do contexto global: as crises econômicas, as migrações. Tudo isso colocou o sistema em crise. E com relação aos migrantes: no futuro, eles não serão milhares, mas milhões. E, então, o que faremos?
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