Sobre dúvidas e certezas
Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo
Por vezes ainda teimo em contrariar a razão e olhar para trás com aquela inquietude natural ao questionador profissional. Olhar para trás e questionar as minhas escolhas…
Teimo em me perguntar, mil vezes, se eu deveria ter escolhido um ou outro caminho, e se o caminho alternativo, um dentre muitos que se apresentaram em minha vida, teria me levado a no dia 07 de abril de 2010 ter passado pelo acidente que me deixou paraplégica.
Nessa reflexão viajo no tempo e lembro-me da menina, meio maluquinha, de 15 anos, que queria mudar o mundo e sonhava com um país mais justo, com menos desigualdades sociais e que queria usar a sua profissão e a sua vida para ajudar nesse propósito.
Pois bem, formei-me engenheira, participei de movimento estudantil, fui para rua em manifestações pacíficas, trabalhei muito e acompanhei nesses 20 anos o país se tornar menos desigual (Nas últimas duas décadas, o país registrou crescimento de 24% no IDH, conforme a ONU – passou de 0,59 em 1990 para 0,73 em 2012, o Brasil está entre os 15 países que mais reduziram a diferença do IDH, desde 1990.) e menos pobre (O PIB em 1993 era de US$ 402 bilhões x US$ 2,07 trilhões em 2013.), mas vi também a corrupção de outrora permanecer, mudar de nome várias vezes, mas teimar em permanecer, como teimam em permanecer outras injustiças, como o preconceito, a desigualdade de oportunidades, a violência (Segundo a ONU somos um dos países mais violentos do mundo e com o maior número absoluto de homicídios.).
Nesses 20 anos não fiz minha própria família, pelo menos até agora, mas tenho 3 sobrinhos lindos e procuro ser uma ótima tia, levo meus sobrinhos para passear, brinco com eles de tudo que inventam e o que eles mais gostam é de sair correndo e empurrando minha cadeira de rodas e confesso que sou guiada por eles sem medo, na verdade, hoje, o que me proporciona mais felicidade é a alegria deles…
Voltando ao momento do acidente, eu estava trabalhando na obra da Ferrovia Transnordestina, que eu considerava uma obra divisora de águas para a economia nordestina ( O Nordeste tem o menor PIB per capita do país sendo de US$ 5.687, enquanto o PIB per capita do Sudeste é de US$ 15.534 e o PIB per capita do Brasil é de US$ 11.800, conforme dados do IBGE e do FMI de 2011), e me sentia motivada por estar especialmente naquela obra, já que sendo filha de pais sertanejos pude acompanhar a demanda de desenvolvimento daquela região e queria contribuir com o meu trabalho para a mudança do Nordeste e cumprir o papel que sonhei para haver menos desigualdades no nosso país. Não consegui completar aquela missão, já que precisei parar bruscamente devido ao acidente e lutar, inicialmente, pela minha vida.
Vi-me, de repente, transportada do ambiente frenético das grandes obras, entre reuniões, viagens, documentos, grandes decisões, aviões, carros, poeira, equipamentos, materiais de construção e operários em construção para um ambiente hospitalar com soro na veia, remédios, procedimentos, médicos, enfermeiras, e outros pacientes, como eu mesma era.
Depois de lutar pela vida, percebi, com o tempo, que eu fazia a diferença lutando pela vida de outras pessoas e foi isso que me tirou do fundo do poço, depois do trauma, e me impeliu a continuar a viver, a lutar e a sonhar…
Percebi, duramente, que quando a dor vem, temos muito mais força do que acreditamos ter, e procurei fazer tudo que podia para recuperar meus movimentos e reaprender a fazer as atividades cotidianas com os movimentos que eu tinha preservado.
Mas, ao mesmo tempo não podia esquecer que tive que ir me reabilitar em São Paulo, porque Recife não tinha Centro de Reabilitação para adultos e a minha vocação por lutar por justiça não me deixou ficar tranquila sabendo que tínhamos em Pernambuco a quarta maior taxa de pessoas com Deficiência do Brasil, 27, 58%, segundo o censo de 2010 e a maioria dessas pessoas não podiam se reabilitar em outros estados, foi assim que percebi que tinha uma nova missão e desenvolvi o Projeto Novos Horizontes do Centro de Reabilitação do IMIP, que hoje com apoio do IMIP, da sociedade e do Governo de Pernambuco já é realidade.
Hoje, pensei novamente, reavaliei minhas escolhas e finalmente fiz as pazes com a minha consciência, posto que mesmo sabendo dos inúmeros erros que tive em minhas escolhas, tenho a certeza plena que sempre acertei quando escolhi lutar pela vida, lutar pela justiça, lutar pelo próximo e ser solidária, pois é isso meus amigos que dá sentido a vida.
Findo esse artigo com a sabedoria de Cora Coralina:
“Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos e
ser otimista.
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos e
ser otimista.
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