Setenta milhões de mulheres latino-americanas entraram no mercado de trabalho nos últimos 20 anos. Essas mulheres contribuem significativamente com a economia de seus países, sustentando comunidades e famílias e se tornando cada vez mais usuárias ativas da infraestrutura e do transporte público de suas cidades. Uma pesquisa recente realizada na Cidade do México mostrou que 57% dos usuários dos sistemas de transporte da cidade são mulheres.
Essas mulheres, porém, têm prioridades e necessidades de mobilidade específicas que a atual infraestrutura de transporte não oferece. Em particular, as mulheres precisam se sentir seguras em sua busca por oportunidades econômicas e sociais. Uma pesquisa do Banco Mundial revelou que, quando as mulheres sentem a segurança física ameaçada, elas mudam o comportamento em relação ao uso do transporte, muitas vezes em detrimento do sucesso econômico pessoal. Para assegurar o acesso das mulheres às oportunidades, as cidades da América Latina precisam tomar medidas capazes de aumentar a conscientização e de garantir a segurança das mulheres em espaços públicos e nos meios de transporte.
Transporte público seguro: qual é o papel da cidade?
Em 2013, autoridades municipais da Cidade do México relataram que apenas 10% dos casos de assédio eram denunciados às autoridades de trânsito. E menos ainda eram investigados. Dentro desses casos, 95% das vítimas eram mulheres. Esse exemplo é um indicativo das cidades latino-americanas como um todo, onde casos de assédio sexual – particularmente no transporte público – seguem não denunciados devido em grande parte à falta de confiança na polícia e nas instituições judiciais.
As cidades precisam cumprir sua responsabilidade de garantir a segurança pública, tanto em benefício dos moradores quanto para ganhos sociais em geral. Não fazendo isso, essas cidades perdem na arrecadação com potenciais usuários do transporte coletivo ao mesmo tempo em que as mulheres têm suas oportunidades econômicas e sociais limitadas.
Exemplos de práticas inspiradoras pelo mundo trazem algumas dicas de como a América Latina pode avançar na melhoria da mobilidade para as mulheres por meio do transporte coletivo com uma série de medidas de curto, médio e longo prazo.
1. Reforçar a importância da denúncia dos casos de abuso
Muitas cidades nos Estados Unidos conseguiram aumentar o número de denúncias de casos de abuso, e consequentemente de prisões, por meio de campanhas bem sucedidas que desencorajam o assédio em ônibus e trens. Em Boston, autoridades trânsito promoveram campanhas direcionadas aos “encoxadores”, usando slogans como “Esfregue-se em mim e eu denunciarei você” (no inglês, “Rub against me and I’ll expose you”), que alertam possíveis agressores e, ao mesmo tempo, encorajam as mulheres a denunciar qualquer conduta imprópria. No primeiro ano da campanha, o número de denúncias de casos de assédio aumentou 75% e o de prisões por estupro e agressões, 85%. Estratégias semelhantes foram utilizadas em Washington, Nova York e Chicago.
Na América Latina, onde a necessidade de campanhas desse tipo é maior mas onde as barreiras impedindo essas ações são ainda maiores, autoridades municipais têm hesitado em replicar essa abordagem. Embora exista um risco de reputação para as cidades e os seus líderes, medidas para estimular a denúncia são cruciais. Não ter conhecimento de todo o escopo do problema só o torna mais difícil de combater.
2. Planejar cidades seguras para todos
O próximo passo é criar um sistema de transporte mais seguro e identificar os lugares mais preocupantes para a segurança das mulheres – “auditorias de segurança das mulheres” podem fazer isso. Conceito originado no Canadá, essas auditorias estão atualmente adaptadas a uma gama de contextos urbanos em todo o mundo para apontar onde estão os potenciais locais de assédio em um sistema de transporte. Estações de trens e metrô, ao lado dos ônibus, foram identificados como lugares propícios para a violência contra as mulheres. A partir de informações dadas pelas próprias mulheres, de quando e onde se sentem mais inconfortáveis, autoridades municipais podem realizar mudanças específicas, empoderando as mulheres e ajudando as autoridades públicas a priorizar a segurança pública. Essas auditorias tipicamente recomendam pequenas mudanças, como mais iluminação ou caminhos acessíveis, que são concretas o suficiente para provocar uma mudança rápida e ao mesmo tempo contribuem para a formação de um ambiente seguro para as mulheres a longo prazo.
3. Considerar o gênero no transporte e no planejamento urbano
Coletar dados e aumentar a segurança no ambiente urbano são passos importantes na prevenção e contenção de situações de insegurança para as mulheres. Mas, para realmente criar ambientes seguros, as cidades também precisam tomar medidas no desenvolvimento de políticas focadas em assegurar a segurança para todos. Medidas preventivas estão surgindo, incluindo a 8 ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher, que criou um grupo de trabalho especial sobre a Mobilidade como Acesso. Essas mulheres sabem que o assédio sexual nos meios de transporte não tem sido tratado de forma adequada nem pelas políticas de transporte nem pelo planejamento urbano e pressionam por uma mudança na mentalidade dos planejadores. Elas destacam:
A dominância masculina no setor de transportes não está apenas no fato de as mulheres terem menos representantes dentro da atual estrutura, mas também no fato de que planejadores homens não estão levando o gênero em consideração na configuração da infraestrutura de transportes.
Embora essa questão talvez seja mais forte na América Latina, certamente é algo que ressoa no mundo inteiro. Reforçar a ideia de que o gênero é um componente essencial na maneira como as pessoas usam os sistemas de transporte pode ajudar as cidades a avançar – da coleta de dados e estatísticas de casos assédio para uma real integração do gênero no processo de planejamento. É uma batalha difícil, mas que pode permitir que cidades de todo o mundo criem os tipos de sistemas de mobilidade que garantem a todos o acesso a oportunidades.
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Este post foi originalmente publicado por Lizzette Soria Sotelo, no TheCityFix.
Tradução: Priscila Kichler Pacheco, do TheCityFixBrasil.
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