Como a audiodescrição
mexe com as pessoas
Marta Gil (*)
Gostaria de partilhar depoimentos que mostram o potencial
transformador da audiodescrição.
Mas, como isso acontece?
A audiodescrição possibilita exercer o direito de acesso à
informação, garantido desde a Declaração Universal dos Direitos do Homeme
enfatizado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (artigo
21).
Nas palavras de uma moça de 28 anos, que perdeu a visão com
6 anos:
“Se eu enxergasse,
talvez fosse ao cinema, talvez fosse ao shopping, talvez gostasse de passear.”
Os depoimentos foram colhidos por alunos do primeiro curso
brasileiro de Especialização em Audiodescrição no Brasil, da Universidade
Federal de Juiz de Fora, com apoio da Secretaria Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência. O curso é de responsabilidade do NGIME – Núcleo de
Pesquisa em inclusão, Movimento e Ensino a Distância, coordenado pela Profa.
Eliana Lucia Ferreira e coordenação pedagógica da Profa. Lívia Motta,
referência neste tema.
Tive a honra de
ministrar a disciplina “Inclusão cultural das pessoas com deficiência
e os diferentes públicos da Audiodescrição”,
juntamente com Cristiana Cerchiari. O objetivo era desafiar os alunos a
estender a aplicação da audiodescrição para pessoas com outros tipos de
deficiência ou outras características, como idosos.
Os trabalhos finais da disciplina propunham exibir um filme
com audiodescrição como um exercício, sem pretensões acadêmicas e sem o rigor
de uma pesquisa científica: para se aproximar de pessoas cujas características
estudamos e perceber o potencial deste recurso na vida real.
Os relatórios trazem situações de todo o Brasil e reações de
pessoas com os mais variados perfis. As exibições aconteceram em auditórios,
salas de aula, ginásios de esporte, salas de visita.
Uma mulher mineira que ficou cega, afirmou: “Eu desisti de dar meu DVD, que fica lá
encostado porque não tenho quem veja filme comigo. Agora não. Vou lutar muito
pela audiodescrição. Eu conseguiria ver o filme sozinha [com audiodescrição] e
ia ligar correndo para algum amigo que tenha visto para conversar, porque eu
não resisto sobre trocar ideias de alguma coisa”.
Uma menina cega, em Goiânia, resumiu: “O filme com audiodescrição ajuda as pessoas com deficiência visual a
ficarem mais emocionadas”.
“Eu me senti
respeitado como ser humano”, disse um senhor de 52 anos.
Outro assistiu o filme imóvel, ignorando a pipoca que
circulava na plateia. Perguntado sobre suas impressões, falou 25 minutos sem
parar – tinha se reencontrado com uma de suas grandes paixões – o Cinema – que
perdeu ao perder a visão.
“Assistir a um filme
com áudio-descrição é tudo, sem áudio-descrição não dá, né”?,resumiu uma garota com deficiência
visual, no Rio de Janeiro.
Dois adultos comentaram, ao final da exibição do filme “O
Palhaço”:
“Professora, eu
pensava que filme brasileiro era só pornografia. Nunca imaginei que tinha um
filme que fizesse agente pensar tanto. Muito menos pensei que pudesse ver um
filme sem ter que ficar fazendo pergunta. (Uma lágrima rolou em seu rosto). Esse momento mudou muitas ideias minhas. (Silêncio) Olha só, como um palhaço faz tanta gente rir
e pode ser tão triste?”
Nesse momento o colega entrou na conversa: “Mas o legal é que ele teve força pra mudar a
história dele e nós também precisamos ter força pra mudar
a nossa”.
(*) Marta Gil - consultora na área da
Inclusão de Pessoas com Deficiência, socióloga, Coordenadora Executiva do
Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, Fellow da Ashoka Empreendedores
Sociaise colunista da Revista Reação.
Autora do livro “Caminhos da Inclusão – a trajetória da
formação profissional de pessoas com deficiência no SENAI-SP” (Editora
SENAI, 2012), organizou livros; tem artigos publicados; participa de eventos no
Brasil e no exterior. Áreas de competência: Inclusão na Educação e no Trabalho
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