CAPÍTULO 6
Entrevista: Lak Lobato
O História de Gente vai fazer uma série de entrevistas com pessoas que receberam o Implante Coclear (IC) e pesquisadores da área.
Esta semana entrevistamos a Lak Lobato, 35, tem implante coclear bilateral, de São Paulo, autora do blog “Desculpe, não ouvi!“. Ela é escritora, formada em comunicação social e adora fotografia. Acredita que sua missão tem sido divulgar o IC e demais próteses e implantes auditivos e o grupo dos surdos oralizados. “Ter acesso aos sons, me faz sentir parte integrante do mundo de novo.”
Confira!
Quando foi a descoberta da surdez? Qual foi o motivo?
Lak Lobato – Perdi a audição subitamente, dormindo, poucas semanas antes de completar 10 anos de idade. Minha surdez foi atribuída à sequela de caxumba, embora nunca tenham dado muita certeza, já que casos de surdez por caxumba são graduais e não súbitos. Mas também tanto faz, o que importa é que fiquei sem ouvir e tive que continuar vivendo assim.
Qual foi a reação da sua família e a sua?
Lak Lobato – A gente achava que era reversível e até ficou mal um tempo, quando soube que não. Mas tanto eu quanto meus pais preferimos tirar a surdez de foco e deixar a vida simplesmente continuar. Fiz alguns tratamentos sem resultado, passei a usar aparelhos e a fazer fono, mas de resto, a vida era a mesma, ir à escola, brincar, essas coisas naturais de criança. Meus pais não mudaram a maneira de me tratar e nunca me senti diferente ou anormal.
Como ficou sabendo do implante coclear?
Lak Lobato – A primeira vez que ouvi falar do implante coclear foi em 1996, mas soou como uma realidade distante, porque me falaram sobre o IC nos EUA e isso era completamente fora da minha realidade. Em 1999, procurei meu médico, pois o IC começava a ser feito pelo SUS no Brasil, mas ele disse que não era indicado pro meu caso, pois eu tinha um pouco de audição residual e falava bem, entendia bem, ele não era favorável. Só em 2004 comecei a ter contato com implantados e, de tanto ver os resultados favoráveis, comecei a me interessar e fiz o IC cinco anos mais tarde, em 2009.
Quais eram as suas expectativas com o implante?
Lak Lobato – Eram confusas. Se por um lado eu queria mais do que ouvia com o aparelho comum, por outro, achava que meu caso não era muito favorável, por conta dos mais de 20 anos de privação sonora da maioria das frequências. Foi meio que um salto no escuro.
Teve algum medo em fazer a cirurgia?
Lak Lobato – Medo da cirurgia, eu não tinha, mas tinha medo da anestesia, essas coisas que a gente fica apreensivo. Por outro lado, no dia da cirurgia mesmo, acordei super tranquila e entrei desperta e feliz na sala de operações.
Qual foi a sua reação quando ativou o implante?
Lak Lobato – A ativação do IC pode ser uma dádiva ou uma frustração. É uma sensação sonora diferente, porque o IC converte o som em impulsos elétricos e a audição natural é por via área. Mas, no meu caso, contrariando as más expectativas, foi maravilhoso. Pude ouvir (claro que não com muita clareza) uma música pela primeira vez depois de quase 23 anos de silêncio. Foi uma emoção indescritível.
Você reaprendeu ouvir? Como foi a adaptação?
Lak Lobato – Tive que reaprender a ouvir, mas não é exatamente um aprendizado, é mais um trabalho de memorização, de treinar o cérebro pra interpretar o que ouve. É um trabalho mental constante e ainda me sinto em fase de treinamento. Porém, é uma sensação maravilhosa de descobertas e redescobertas, de simplesmente nascer de novo e passar a viver num mundo totalmente deslumbrante!
Você fez recentemente o implante do lado direito. Por que decidiu fazer bilateral?
Lak Lobato – Realmente, eu acabei de fazer a segunda cirurgia. Respondo essas perguntas a pouco mais de 36 horas de operada. Ainda estou com o curativo cobrindo a orelha e parte da cabeça hehehe!
Decidi fazer o segundo IC, porque acho natural ouvir com os dois ouvidos. De um lado só, é impossível localizar de onde vem o som. Também é complicado quando te chamam do lado não-implantado, porque o som não chega tão rápido quanto se te chamarem do lado implantado. E como eu não gosto de usar aparelho convencional (acho que tem um chiado constante insuportável) sentia falta da audição do lado direito.
Como foi a primeira e a segunda cirurgia? Ocorreu tudo bem?
Lak Lobato – A primeira cirurgia foi bem complicada. Ela demorou o dobro do tempo previsto, por isso tomei muita anestesia e sai bem baqueada. Tive enjôo por uns 10 dias e passei mais 40 com labirintite. Resisti porque fazer o IC era um sonho e pra realizar um sonho, a gente encara qualquer parada. A segunda, apesar de estar muito mais assustada (meu medo era justamente do pós operatório), foi super tranquila e já estou ótima. Salvo pelo curativo-turbante incomodando e a língua parcialmente anestesiada, acho que nem sinto que fiz uma cirurgia.
Você aprendeu LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais)?
Lak Lobato – Eu aprendi o básico, aos 26 anos, pra fazer um trabalho. Mas, pessoalmente, apesar de ter respeito pela língua de sinais e pelos usuários dela, não tenho qualquer identificação com essa forma de comunicação e não uso no meu dia a dia. E simplesmente detesto que tentem falar comigo em LIBRAS, a menos que seja um usuário exclusivo dela. Ela não é meu idioma, não é minha forma de comunicação e eu não me sinto a vontade de conversar assim.
Quais os benefícios do implante coclear para você?
Lak Lobato – Ouvir e perceber a vida por completo. O aparelho convencional, para casos como o meu, distorce muito a percepção dos sons, porque a minha perda era desigual em várias frequências. Como o IC não usa a audição residual, ele conduz e reproduz o som na cóclea, acaba com essa percepção distorcida dos sons. Apesar de duas décadas sem ouvir, muitos sons, quando ouvidos através do IC, soam bem próximos do que eu me lembrava. Poder ouvir de novo é um deleite…
O implante coclear mudou a sua vida?
Lak Lobato – Mudou, apesar de eu continuar sendo a mesma pessoa. Não deixei de ter deficiência auditiva. Sem os aparelhos, não ouço praticamente nada, portanto, fisicamente, não mudei. Mas, ter acesso aos sons, me faz sentir parte integrante do mundo de novo. Sempre achei a surdez muito isolante, porque é o som que nos conecta ao mundo ao nosso redor. Você está no quarto e ouve um barulho na sala, coisas assim.
Por conta disso, ele melhorou absolutamente minha autoestima, me deixou mais confiante. A confiança em mim acabou mudando meu relacionamento com as pessoas, minha carreira e, por consequência, a autoimagem que tenho de mim. Antes, me sentia meio frágil. Agora, me sinto mais forte, mais completa e mais feliz!
Como surgiu a ideia de fazer um blog? Por quê?
Lak Lobato – Na real, o blog é anterior ao IC. Fiz o blog de brincadeira, por dois motivos: eu adoro escrever e queria ter um blog com foco em algo. E também porque eu comentava o blog do Jairo Marques, colunista da Folha de São Paulo, que escreve sobre deficiências e acessibilidade. Sempre pedia pra ele escrever sobre surdez, sem foco na LIBRAS, o que é raro, porque tendem a achar que surdez e língua de sinais são sinônimos. Ele me dizia que eu era a melhor indicada pra escrever sobre isso e acabei aceitando o desafio. Seis meses depois, fui implantada e o foco do blog passou a ser o IC e ele acabou virando uma referência no assunto. Amo demais ter a oportunidade de escrever o “Desculpe, não ouvi”. Meu caso está todo documentado na internet e serve de apoio pra muita gente precisa de uma referência quanto ao implante coclear. Sou grata pela oportunidade de ajudar outras pessoas. Faz a gente ter aquela sensação de que nada do que a gente passa é em vão.
Gostou? Deixe seu comentário e acesse o blog “Desculpe, não ouvi” http://desculpenaoouvi. laklobato.com
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