Como viver apaixonadamente… não importa sua idade
Escrito por Isabel Allende (*).Tradução: Ruy Lopes Pereira
Olá, crianças. Eu tenho 71 anos. Meu marido tem 76. Meus pais estão na faixa dos 90. E Olívia, a cadela, tem 16 anos. Falemos sobre o envelhecimento. Contarei como eu me sinto quando eu vejo minhas rugas no espelho e noto que algumas partes de mim caíram e não consigo vê-las lá embaixo.
Mary Oliver diz em um de seus poemas: “Conte-me, o que é que você planeja fazer com sua vida única, indômita e preciosa?” Quanto a mim, pretendo viver apaixonadamente.
Quando começamos a envelhecer? A sociedade decide quando ficamos velhos, geralmente em torno dos 65, quando entramos no Medicare, mas ao nascer já estamos envelhecendo. Agora mesmo estamos envelhecendo, cada um vivencia isso de modo diferente. Nós nos sentimos mais jovens do que nossa idade real, porque o espírito nunca envelhece. Eu ainda tenho 17 anos.
Olhem para Sophia Loren. Ela diz que tudo o que vocês vêem ela deve ao espaguete. Eu tentei isso e ganhei mais de 4kg nos lugares errados.
Atitude. Envelhecer também é atitude e saúde. Minha verdadeira mentora nessa jornada de envelhecimento é Olga Murray. Essa garota da Califórnia, aos 60 anos começou a trabalhar no Nepal para salvar meninas da escravidão doméstica. Aos 88, já salvou 12 mil garotas, e mudou a cultura do país. Agora é ilegal que os pais vendam suas filhas como escravas. Ela também fundou orfanatos e clínicas de nutrição. Ela está sempre feliz e eternamente jovem.
A dependência dói?
O que eu perdi nas últimas décadas? Pessoas, naturalmente, lugares, e a energia inesgotável de minha juventude, eu começo a perder a independência e isso me assusta. Ram Dass diz que a dependência dói, mas se você aceitá-la, o sofrimento é menor. Depois de um AVC muito grave, sua alma sempre jovem observa as mudanças do corpo com ternura, e ele é grato àqueles que o ajudam.
O que eu ganhei? Liberdade: não tenho que provar mais nada. Não estou presa à ideia de quem eu era, de quem eu quero ser, ou de que outros esperam que eu seja. Eu não tenho mais que agradar aos homens, apenas aos animais. Fico dizendo ao meu superego que vá embora e deixe-me aproveitar o que ainda tenho. Meu corpo pode estar se desfazendo, mas minha mente ainda não. Eu amo meu cérebro.
Sinto-me mais leve. Não levo ressentimento, ambição, vaidade, nenhum pecado mortal, que nem valem a pena. É ótimo abrir mão. Eu deveria ter começado mais cedo. E também me sinto mais suave porque não me assusta ser vulnerável. Não o vejo mais como uma fraqueza. E ganhei espiritualidade. Tenho consciência de que antes a morte estava no meu bairro. Agora, está no vizinho ao lado, ou dentro de minha casa. Eu tento viver com essa consciência e estar presente no momento. Por falar nisso, o Dalai Lama é alguém que envelheceu de um modo bonito, mas quem quer ser vegetariano ou celibatário?
A meditação ajuda. É bom começar cedo. Sabe, para uma mulher vaidosa como eu, é muito difícil envelhecer nesta cultura. Por dentro, sinto-me bem, charmosa, sedutora, sexy. Ninguém mais vê isso. Eu sou invisível. Eu quero ser o centro das atenções. Eu detesto ser invisível.
Grace Dammann, ficou por seis anos em uma cadeira de rodas devido a um terrível acidente de carro. Ela diz que não há nada mais sensual do que uma ducha quente, que cada gota de água é uma bênção para os sentidos. Ela não se vê como uma deficiente. Em sua mente, ela ainda surfa no mar.
Ethel Seiderman, uma combativa e adorada ativista onde eu vivo na Califórnia usa sapatos vermelhos e seu mantra é que um cachecol é bom mas dois é melhor. Ela está viúva há nove anos, mas não procura outro companheiro. Ela diz que existe um número limitado de modos de fazer sexo - bem, ela o diz de outra maneira - e que experimentou todos eles. Eu, por outro lado, ainda tenho fantasias eróticas com Antonio Banderas - e meu pobre marido tem que aguentar isso.
Como posso manter-me apaixonada? Eu não posso desejar viver apaixonada aos 71. Eu treino isso há algum tempo, e quando me sinto triste, e entediada eu finjo. Atitude, atitude. Como eu treino? Treino dizendo sim à qualquer coisa que vier: drama, comédia, tragédia, amor, morte, perdas. Sim à vida. Eu treino tentando manter o amor. Nem sempre funciona. Mas não pode criticar-me por tentar.
Num comentário final, aposentadoria em espanhol é jubilación. Júbilo. Celebração. Pagamos nossas contribuições. Demos nossa contribuição à sociedade. Agora é o nosso momento, é um grande momento. A menos que você esteja doente ou muito pobre, você tem opções. Eu escolhi permanecer apaixonada, comprometida com um coração aberto. Eu trabalho isso todo dia. Querem juntar-se a mim?
(*)Isabel Allende é romancista e novelista. É considerada uma das principais revelações da literatura latino-americana da década de 1980. Sua obra é marcada pela ditadura no Chile, implantada com o golpe militar que em 1973 derrubou o governo do primo de seu pai, o presidente Salvador Allende (1908-1973). É filha de Tomás Allende, funcionário diplomático e primo-irmão de Salvador Allende, e de Francisca Llona. Vive nos Estados Unidos. Suas obras tem um realismo mágico, com histórias românticas, no melhor sentido da palavra. Seus romances incluem A Casa dos Espíritos, Eva Luna e As Histórias de Eva Luna, Cartas a Paula, além de literatura infanto-juvenil. Tem um trabalho comunitário: A Allende Fundação, sem fins lucrativos, ong que atua na na área da Baía de San Francisco e Chile para capacitar e proteger mulheres e meninas, pois entende que o empoderamento das mulheres é a única rota fiel à justiça social e econômica. Tradução Ruy Lopes Pereira, revisado por Gustavo Rocha. Disponível Aqui
http://www.portaldoenvelhecimento.com/velhices/item/4049-como-viver-apaixonadamente-nao-importa-sua-idade
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