segunda-feira, 13 de abril de 2015

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Conheça o “tempero” mais usado por brasileiros que pode matar a sua família

"Agrotóxicos não são uma necessidade inevitável. É possível levar comida para cada mesa brasileira sem agredir o meio ambiente e nem causar danos à saúde dos trabalhadores rurais e de nós mesmos. Ar puro, águas limpas, terras férteis e alimentos de qualidade", escreve Daniel Boa Nova, redator, em artigo publicado pelo sítio Hypeness / Página do MST, 06-04-2015.
Eis o artigo.
Imagine que um amigo convida você para almoçar na casa dele. Na mais saudável das intenções, a proposta é um menu leve. Digamos que uma salada de entrada e batatas recheadas no prato principal. Você possivelmente toparia o convite, não? E se ele dissesse que usaria veneno no tempero?
É isso que acontece na casa de uma pessoa qualquer como eu, você e esse amigo fictício. E também nos restaurantes de esquina, buffets por quilo e praças de alimentação. Pode lavar as folhas, deixar a cenoura no vinagre e esfregar cada pepino com bucha. Se na lavoura eles receberam agrotóxicos, ainda estarão contaminados. Quem diz isso não é o Hypeness, é a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Se todos os defensivos agrícolas utilizados por ano em nosso país fossem divididos pela população, daria um galão de 5,2 litros para cada brasileiro. Vai um aí na janta?
Foi no pós-2a Guerra que o uso de agrotóxicos passou a ser disseminado, com o crescimento exponencial da agricultura industrial. A chamada Revolução Verde levou uma série de inovações ao campo para aumentar a produção agrícola. Entre elas, a substituição da mão-de-obra humana pela mecanizada, o advento de sementes geneticamente modificadas e o uso de adubos químicos e venenos para pragas. O objetivo declarado até poderia ser nobre: combater a fome. Porém, cinquenta anos depois, além dos impactos sociais causados pelo êxodo rural, as consequências para o meio ambiente e para a saúde das pessoas evidenciam que esse modo de produzir pautado apenas na quantidade e não na qualidade está ultrapassado.
No ano passado, a Embrapa deixou disponível na internet um estudo realizado por seus pesquisadores entre os anos de 1992 e 2011. O objetivo do levantamento era traçar um panorama sobre a contaminação ambiental causada pelos agrotóxicos no Brasil. E o cenário é assustador: em todas as regiões do país são encontradas amostras de resíduos tóxicos em concentrações acima do recomendável, seja nas plantações, no solo, nas águas ou nos peixes. Isso porque não foram avaliados os impactos sobre a carne, ovos e leite, que indiretamente também trazem agrotóxicos para a mesa.
Muito se fala sobre como o Brasil disputa a liderança no mercado mundial de soja. O que não se fala tanto é sobre como essa cultura lidera o uso de defensivos agrícolas no país. Um bastante aplicado para limpar terrenos antes do cultivo é o herbicida 2,4-D. Trata-se de um dos componentes do agente laranja, utilizado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. O herbicida é proibido em países como a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, em vários estados do Canadá e os Estados Unidos vêm discutindo o seu banimento também. Aqui é liberado. E ele é apenas um.
Em nosso país temos mais de 400 tipos de agrotóxicos registrados. Entre eles, pelo menos 14 venenos proibidos no resto do mundo acabam sendo desovados por aqui e têm permissão para o comércio. Na União Europeia e Estados Unidos, são considerados lixos tóxicos. No Brasil manuseamos, respiramos, bebemos e comemos. Alguns a gente até proíbe, mas a venda e o uso ilegal correm soltos pelo campo frente a uma fiscalização falha. E, das substâncias permitidas, em inúmeros casos são aplicadas quantidades acima dos limites aceitáveis. Até porque há um mito entre produtores rurais de que, quanto maiores as doses, mais tempo a lavoura fica livre de pragas. Mas parece que esse controle se tornou ele próprio a maior praga. Porque os impactos na saúde pública são evidentes.
A cada 90 minutos, um brasileiro é envenenado em decorrência do uso de agrotóxicos no país. E isso são apenas os casos notificados ao sistema de saúde. É uma epidemia de intoxicações agudas, com direito a dores de cabeça, vômitos, infecção urinária, alergias. O uso de agrotóxicos é uma prática tão deliberada, inconsequente e sem controle que chegamos ao absurdo de episódios como esse, onde um avião simplesmente despejou sua carga do inseticida engeo pleno em cima de uma escola, hospitalizando funcionários e dezenas de crianças. Aliás, a prática da pulverização aérea foi proibida pela União Europeia lá em 2009, dada sua baixa eficiência e riscos ambientais. Por aqui, apesar da pressão dos movimentos sociais, a discussão sobre proibição da pulverização aérea está nesse nível aqui.
Ainda sobre os impactos que o uso massivo de agrotóxicos têm sobre a saúde, eles vão além do mal estar. Especialistas apontam uma relação direta entre o acúmulo de agrotóxicos no organismo e o desenvolvimento de câncer de mama, fígado e testículos. Uma contradição quando se pensa que o consumo de frutas e legumes é exatamente uma das atividades saudáveis recomendadas para ajudar a prevenir o surgimento de tumores malignos. Há pouco tempo, uma pesquisa realizada no município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, mostrou que havia resíduos de agrotóxicos no leite materno de todas as mulheres examinadas. Todas, 100%. A mesma cidade é apontada como ícone do desenvolvimento trazido pelo agronegócio, como mostrou essa reportagem que foi à TV.

Agora, nem eu e nem você somos obrigados a ingerir produtos contaminados por agrotóxicos. A alternativa está bem ao nosso alcance: optar pelo consumo de alimentos provenientes da agricultura orgânica. Além de serem isentos de adubos químicos e venenos para pragas, eles também não contêm remédios veterinários, hormônios e organismos geneticamente modificados. Quando se trata de alimentos orgânicos processados, nada de corantes, aromatizantes e conservantes sintéticos. É um modo de produzir que respeita os ciclos da natureza e estabelece formatos de trabalho colaborativos, valorizando a qualidade de vida de quem produz, de quem vende e de todos que consumimos.
Muito se diz sobre os alimentos orgânicos serem mais caros do que os demais. É uma meia-verdade. Nos supermercados e mesmo nos sacolões, talvez possa ser. Até porque ainda não temos por aqui um varejista como oWhole Foods Market, que desde os anos 80 vende somente comida orgânica. A rede começou com apenas 19 pessoas trabalhando, e hoje já são mais de 50 mil colaboradores em suas lojas pelos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Com seu capital aberto, a empresa é uma prova de que a agricultura orgânica não é inimiga do business. Um exemplo de como é possível vender com escala e obter lucros sem ser nocivo ao meio ambiente e às pessoas.
Olhando para a nossa realidade, a maneira mais fácil de encontrar orgânicos a preços acessíveis é comprando direto do produtor. E com isso não estamos dizendo que é preciso fazer uma viagem à roça cada vez que a geladeira esvaziar. Hoje já são mais de 300 feiras orgânicas espalhadas pelo Brasil, onde é possível encontrar de tudo a preços justos e sem riscos à saúde. Fizemos até uma matéria mostrando algumas. Uma simples busca por “orgânicos” noGoogle ou Facebook também traz vários resultados de produtores vendendo os mais diversos insumos, alguns provavelmente localizados perto de você.
Outras iniciativas que devem ser apoiadas e multiplicadas são as dos hortões urbanos. Que, além de gerarem alimentos saudáveis, também contribuem para o cinza das cidades se tornar mais verde. Recentemente visitamos um incrível no meio de São Paulo. Aliás, também podemos cultivar alimentos em nossas próprias residências. Dentro de casa ninguém vai jogar agrotóxico, concorda? Hortaliças e temperos são alguns exemplos do que pode ser plantado facilmente em pequenos vasos para suprir a demanda doméstica. Quem sabe fazendo isso você não toma gosto pela coisa e chega ao nível dessa família norte-americana, que a 15 minutos do centro de Los Angeles produz toneladas de alimentos orgânicos no próprio quintal.
O cultivo de orgânicos dentro de cooperativas familiares poderia suprir a todos com alimentos de qualidade a preços justos. Seria uma questão de organizar a produção e o escoamento de forma mais descentralizada. Tanto que a própria ONU incentiva o desenvolvimento dessas práticas. Mas, no Brasil, de um lado estão os grandes interesses econômicos do agronegócio e, do outro, as questões ambientais e de saúde pública. Evidências científicas alarmantes nem sempre são decisivas frente à contribuição que certos grupos dão ao nosso PIB. Apesar de algumas iniciativas localizadas do poder público serem muito bem-vindas, esperar que o governo solucione todo esse embate pode ser esperar tempo demais.
Claro que para haver mudanças é importante atuar politicamente em relação ao tema, cobrando dos 3 poderes as medidas que queremos, fazendo petições, organizando protestos e não votando nos representantes que vão contra nossos valores. Entretanto, de forma bem pragmática, podemos no dia a dia tomar decisões que pressionem os grupos econômicos a mudarem de rota. Quanto mais gente consumindo orgânicos, mais mau negócio o uso de agrotóxicos se torna. Só que para isso é preciso uma postura mais pró-ativa e crítica na hora de ir às compras. Não basta chegar no local mais próximo e pegar o item mais barato possível, achando que com uma lavadinha vai ficar tudo bem. Temos que ser sinceros com nós mesmos para ter uma vida com mais qualidade.
Agrotóxicos não são uma necessidade inevitável. É possível levar comida para cada mesa brasileira sem agredir omeio ambiente e nem causar danos à saúde dos trabalhadores rurais e de nós mesmos. Ar puro, águas limpas, terras férteis e alimentos de qualidade. A gente tem direito a tudo isso.
E esse é um dos motivos pelos quais apostamos na ideia de que o futuro é mesmo um retorno ao campo. Não da forma como nossas gerações passadas fizeram. O futuro é poder unir tecnologia com natureza e usufruir dos dois com equilíbrio. Muita gente já decidiu largar a cidade em busca de mais qualidade de vida, mas se esse não for um sonho seu, não é preciso ser tão radical. Basta se reaproximar da natureza reativando hábitos sábios que nossos antepassados deixaram: plantar, para comer bem.
Uma varanda num apartamento já é espaço suficiente para produzir alguns alimentos básicos para uma família e evitar servir veneno como acompanhamento das refeições para as pessoas que ama. Vendo desse ponto de vista, qual o trabalho de regar alguns vazinhos todos os dias?
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541495-conheca-o-tempero-mais-usado-por-brasileiros-que-pode-matar-a-sua-familia

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