Mais sobre Messi como "autista" (Asperger?)-Dr. Marco A. Alves

FONTE - http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=39021

 Após Messi ser descrito como Asperger, mesmo sem diagnóstico, Goal vai atrás de especialistas e conversa com os autores da teoria para explicar polêmica

Goal
20/09/2013

Em entrevista exclusiva ao Goal, Amado, primeiro a levantar essa hipótese em seu site, explica que essa afirmação foi dada a partir da análise comportamental à distância do ídolo argentino.

Rodrigo Calvoso e Tiago Domingos

A ideia de que uma grande personalidade superou uma doença ou alguma deficiência para se tornar o maior do planeta em sua profissão mexe com as pessoas. É por isso que mais de 150 mil internautas, inclusive o Deputado Federal e ex-jogador Romário, repercutiram nas redes sociais o texto “Como o autismo de Messi o ajudou a se tornar o melhor do mundo", do jornalista Roberto Amado, chamando atenção da mídia e gerando muita controvérsia e debates. Assim como inúmeros virais da internet, a veracidade das informações é algo muitas vezes deixada de lado, o que pode tornar teses sem comprovação em fatos. Mas de onde surgiu essa teoria e quais fatores levaram o seu autor a espalha-la através das redes sociais?

Em entrevista exclusiva ao Goal, Amado, primeiro a levantar essa hipótese em seu site, explica que essa afirmação foi dada a partir da análise comportamental à distância do ídolo argentino. De acordo com ele, durante a realização dessa pesquisa, foi descoberta a citação da existência de um laudo médico afirmando que Messi era portador da Síndrome de Asperger, (Veja o box explicativo) uma forma mais branda de autismo, porém o documento jamais foi divulgado.

“Há dois anos penso nesse assunto e venho analisando o comportamento do jogador dentro e fora de campo. Não possuo nenhum embasamento científico para chegar a tal conclusão, mas digo isso a partir da minha experiência de vida, já que convivi com pessoas com o mesmo quadro desde criança”, declarou Amado.

A experiência citada pelo jornalista se deve ao fato, segundo ele, de ser filho de um neuropediatra e uma fonoaudióloga, que atuaram juntos profissionalmente em casos semelhantes por mais de 35 anos, tornando o convívio com esses pacientes algo bastante comum no seu cotidiano. Para ele, a criação dessa matéria serviria para valorizar os portadores da Síndrome e não difamar o jogador.

“Quando escrevi essa matéria, meu principal objetivo não foi de acusar o Messi de que ele era um doente, como muita gente entendeu. O principal objetivo era dizer que autistas podem se relacionar, podem viver normalmente e serem muito produtivos.”, afirma.

Ainda que a notícia não conte com nenhuma fonte médica, conforme o próprio autor declarou, a tese logo se espalhou e foi repercutida entre as pessoas que vivenciam essa situação. O jornalista e publicitário José Luiz Tejón, um dos primeiros a comentar a nota na Revista Exame, a considerou coerente assim que tomou conhecimento da mesma. Apesar disso, ele deixa claro que apenas uma pessoa especializada poderia fazer tal afirmação.

“Somente um psiquiatra pode definir (a doença). Eu pessoalmente nunca estive com o Messi ou falei com um psiquiatra sobre isso. O que mais me chamou atenção foi a angulação desse caso, positiva para as pessoas com deficiência. Tenho um carinho muito grande por eles.”, justificou.

Apesar da intenção do autor, a psicomotricista Alexandra Resende, que lida diariamente com diversos pacientes enquadrados no espectro autista, reprova esse tipo de análise e sem o contato direto com o paciente.

“Acho que é prematuro demais, superficial e até irresponsável fazer um diagnóstico à distância. Até porque, para se chegar a um diagnóstico de Asperger, autismo ou o grau que for, é importante colher a história de vida do paciente. É um trabalho minucioso”, destacou a profissional.

Ainda que não tenha tido o embasamento necessário apontado pela especialista no assunto, Roberto Amado se diz satisfeito com o retorno de sua obra, pois, para ele, atendeu a ansiedade daqueles que convivem com portadores da doença. Apesar disso, ele reconhece que poderia ter sido um pouco mais precavido como jornalista.

“Considero até que eu tenha ido um pouco além da conta do que deveria como jornalista ao fazer tal afirmação sem subsídios técnicos. Mas eu fiz e não imaginava que teria tanta visibilidade. De repente a coisa virou uma bola de neve. Mas não me arrependo do que fiz porque atendi a uma ansiedade das pessoas que estão envolvidas com a Síndrome de Asperger. Esse é o retorno que tive, até com muita intensidade”, comentou.

Para o jornalista, o preconceito ainda é um tema que não deve ser esquecido quando se fala do autismo. Roberto Amado se defende afirmando que a repercussão do seu trabalho se deu justamente porque a sociedade não aceita que uma pessoa “diferente” do padrão se torne uma referência dela.

O olhar de quem convive com a realidade
Como uma pessoa leiga, mas que vive o dia a dia dessa situação, analisa o trabalho de Roberto Amado? Renata Rabelo, 34 anos, mãe de duas crianças diagnosticadas no espectro autista, compartilha a ideia da possibilidade de um portador da Síndrome obter sucesso na vida profissional. Porém ela demonstra incerteza em depoimento a respeito da teoria ao apontar incoerências na abordagem do fato.

“Eu acho que a tese até possa ser possível, mas meu marido, que acompanha futebol muito mais do que eu, por exemplo, não concorda. Creio que seja possível notar traços de autismo através do olhar, observando seus hábitos. Mas é claro que não somos capazes de diagnosticar, só um médico pode fazer isso. O que eu não concordei mesmo com essa informação foi quando ele afirmou que a coordenação motora do Messi é muito boa justamente por ser portador da síndrome, já que percebemos que de uma forma geral que a situação é exatamente a inversa. Eu nunca vi nenhum autista ter a habilidade de jogar futebol. Eles possuem facilidade com matemática, em atividades mentais e não na habilidade motora.

Mas como mãe, esse texto serviu muito de estímulo. Não necessariamente que eles venham a se tornar jogadores de futebol, mas serem bem sucedidos em outra área. Fiquei sim ainda mais esperançosa.“

Mas e se considerarmos que a teoria de Roberto Amado esteja correta? Nesse caso seria possível que o jogador alcançasse o nível de excelência que tem sendo portador da Síndrome de Asperger? De acordo com a Dra. Alexandra Resende sim, já que este quadro influencia principalmente aspectos sociais e não o impediria que desenvolvesse as habilidades que possui.

“O Asperger é uma síndrome que causa uma deficiência na interação social, mas normalmente são crianças e pessoas muito inteligentes, algumas vezes até com o QI acima do nível médio. Então é perfeitamente possível sim que mesmo estando dentro do quadro ele possa atingir esse nível”, lembrou.

O Dr. Marco Antônio Alves, Diretor da Clínica de Reabilitação da Ilha, no estado do Rio de Janeiro, e um dos maiores especialistas do assunto no Brasil, explica que a síndrome pode ser perfeitamente levada a níveis que podem passar despercebida, caso seja tratada logo nos primeiros anos de vida do paciente.

“Quanto mais precoce for feito o diagnóstico e o início do tratamento melhor será o prognóstico de vida dessa criança. Podemos dizer até mesmo, o que a ciência não coloca, a obtenção de cura do autismo através da reorganização neurofuncional. Esse resultado pode chegar através do método Padovan, criado pela brasileira Beatriz Padovan, que realmente vai determinar a mudança de comportamento de qualquer grau dentro do espectro autista”, explicou.

Roberto Amado só lamenta que após toda essa experiência ele tenha se tornado alvo de ofensas por parte dos fãs do argentino, que segundo ele não entenderam o objetivo de seu trabalho.

“Recebi ofensas. Quando você fala que um ídolo é autista as pessoas ficam completamente furiosas com você. Se eu ofendi o Messi e sua família, sinto muito. Não foi minha intenção. Muito pelo contrário, queria valorizar aqueles que são diferentes”, justificou.

Diante de tanta polêmica fica a certeza de que, sendo ou não portador da síndrome, Lionel Messi é um gênio que mexe com a emoção de muitos. Mas por outro lado, também fica a percepção de que a sociedade ainda precisa aprender a lidar com pessoas que fogem do padrão tido como normal. O importante, conforme atesta a Dra. Alexandra Resende, é que esses cidadãos não possuem um limite pré-determinado ainda que o craque não tenha nenhum diagnóstico conhecido dessa síndrome.

“Eu acho que não há limite para ninguém. A partir do momento que o paciente encontra um tratamento neurológico correto, que envolve um método comprovadamente eficaz, a consequência é o mais importante. Então é por isso que acho que não existe um limite. Se você encontrar um método que dê resultado, vá fundo sem se importar com o tempo, invista nele e permita que o paciente rompa todas as barreiras para que ele ganhe o mundo.”, concluiu.

O que é o autismo
Autismo é um transtorno global do desenvolvimento, que gera alterações em suas percepções sensoriais, que resultam em dificuldades funcionais e na eficiência da comunicação. Pode-se exemplificar de forma simples que o autista enxerga bem e não nos vê; escuta bem mas não nos ouve; pode falar e não nos diz nada. Esses pacientes podem também apresentar uma grande alteração no sentido do movimento (sentir a necessidade de estar com brinquedos que giram, por exemplo).

Pesquisas recentes no EUA apontam que há 1 autista para cada 50 indivíduos em algumas cidades daquele país, sendo que as causas mais prováveis possam ser variações genéticas e biológicas. Outras teses afirmam que fatores ambientais também sejam capazes de desenvolver essa síndrome, como agentes infecciosos (rubéola por exemplo) ou contato com agentes químicos, como talidomida ou metais pesados, durante o período da gravidez.

A Síndrome é dividida em diferentes níveis, sendo o Asperger o mais leve, onde não há comprometimento da inteligência, mas grande impacto na interação social. Já os pacientes diagnosticados nos graus intermediário ou alto grau, podem apresentar incapacidade no contato interpessoal , podendo adquirir comportamento agressivo em casos agudos.

O tratamento, através do método Padovan, prioriza um atendimento multidisciplinar , que engloba fonoaudiologia tradicional, psicomotricidade, psicopedagogia, psicologia e fisioterapia, que buscam a reorganização neurofuncional. Essa ginástica cerebral reproduz através de exercícios pré-determinados fases do desenvolvimento que estimulam a sinapse que permite que áreas não atuantes do cérebro tenham suas funções substituídas por outras. Há relatos de pacientes que passaram por essa terapia que após esse tratamento cursam normalmente cursos de alfabetização em escolas regulares e outros que chegaram a inclusive a concluir o nível superior.

Fonte: Dr. Marco Antônio Alves, que atua neste segmento há mais de 35 anos. Atualmente é Diretor da Clínica de Reabilitação da Ilha (RJ) onde coordena uma equipe multidisciplinar. Fonoaudiólogo, Pscicomotricista, Psicopedagogo, Titular no curso de reorganização neurofuncional, e especializado em autismo com diversos cursos no exterior.