Acessibilidade
como fator de concretude e aperfeiçoamento dos direitos humanos
"Disability is not inability”
Ban Ki-Moon, Secretário-Geral da ONU
De
acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, quase 24% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência.
Essas pessoas estão conquistando grande espaço no mercado de trabalho, tanto no
setor público quanto no privado, mormente por força do artigo 37, inciso VIII
da CF/88 e pela aplicação da Lei de Cotas – Lei 8.213/91 – que determina a
porcentagem de funcionários ou empregados com deficiência que a administração
pública e cada empresa devem contratar, de acordo com seu respectivo número
total de trabalhadores. Por conta disso, as demandas trabalhistas envolvendo
pessoas com deficiência estão cada vez mais presentes em nossas instâncias
jurisdicionais.
A
Justiça do Trabalho, seja pela nomeação de servidores com deficiência ou pela
ampla prestação jurisdicional que a notabiliza pela agilidade e sensibilidade
em relação às questões sociais e humanas, precisa assumir uma consciência de
seu papel atitudinal, por meio de seus magistrados e servidores, visando ao
atendimento de todas as necessidades que envolvem recursos de acessibilidade.
A
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das
Nações Unidas (ONU) foi ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto
Legislativo 186, de 9 de junho de 2008 e promulgada pelo Presidente da
República por intermédio do Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, incorporando-se ao ordenamento jurídico
brasileiro com força de Emenda Constitucional (CF/88, art. 5º. § 3º). Esse
importante tratado, e norma constitucional no Brasil, oferece um novo paradigma
na conceituação da deficiência, vez que, pelo pensamento ali embutido, a
deficiência agora pertence à sociedade, que ainda apresenta tantas barreiras
arquitetônicas, tecnológicas, políticas, econômicas e, principalmente,
comportamentais.
As
características clínicas de cada cidadão não são mais o único elemento
considerado para avaliar a existência e o grau da deficiência. A consequência
da citada Convenção é, portanto, a utilização da CIF – Classificação
Internacional de Funcionalidades – transformando a nossa visão da deficiência,
que não é mais o problema de um grupo minoritário e não se limita unicamente às
pessoas com deficiência visível.
O
conceito de pessoa com deficiência, agora, enseja grande relevância jurídica,
uma vez que inclui na tipificação das deficiências, além dos aspectos físicos,
sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social e cultural em que o
cidadão está inserido, a qual se sobreleva como principal fator de cerceamento
dos direitos humanos que lhe são inerentes. Esta ideia já foi agasalhada pelo
Supremo Tribunal Federal em voto memorável do Ministro Marco Aurélio Mello no
Acórdão do Recurso Extraordinário 440028 do final de 2013, por meio do qual a
Suprema Corte invocou a convenção da ONU para determinar a adaptação de uma
escola pública em São Paulo
a todas as pessoas com deficiência, decisão que nos parece paradigmática, pois
revela a compreensão absoluta do que até aqui se expôs.
Deste
modo, o conceito de acessibilidade não se relaciona somente à eliminação das
barreiras físicas, nas vias públicas, no meio ambiente, nas tecnologias, nas
construções e no mobiliário, mas principalmente, à eliminação das barreiras
existentes nas relações entre as pessoas, cujas atitudes podem originar e
manifestar preconceito e discriminação. É o que chamamos de acessibilidade
atitudinal.
Ainda
que possamos contar com todo um aparato tecnológico e regras estruturais, a
conscientização da sociedade para a importância de se priorizar a
acessibilidade em qualquer aspecto da vida é fundamental.
A
acessibilidade representa para as pessoas com deficiência o direito à
eliminação de barreiras arquitetônicas, de comunicação, de acesso físico, de
equipamentos e programas de informática adequados, de conteúdo e apresentação
da informação em formatos alternativos, objetivando tornar o acesso dessas
pessoas amplo e irrestrito (artigo 9 da convenção supracitada).
Avaliar
e mensurar a importância da acessibilidade no contexto atual não é tarefa
fácil. Tendo em vista sua amplitude, é entendida como um princípio a ser
seguido, já que deve ser base para qualquer regra ou padrão, estando
diretamente relacionada a dignidade humana, tanto que a Organização das Nações
Unidas adotou a acessibilidade como fator fundante dos direitos humanos, da
mesma forma que a sustentabilidade, para a agenda de desenvolvimento pós-2015.
Acessibilidade,
destarte, não se limita apenas a permitir que pessoas com deficiências ou
mobilidade reduzida participem de atividades que incluam o uso de produtos,
serviços e informações, mas oportunizar-lhes a inclusão e extensão do uso
destes.
A
Recomendação 27/2009 do Egrégio Conselho Nacional de Justiça encarece aos
Tribunais vinculados ao Poder Judiciário que adotem medidas para a remoção de
barreiras físicas, arquitetônicas, de comunicação e atitudinais de modo a
promover o amplo e irrestrito acesso de pessoas com deficiência, bem como que
criem, de forma institucionalizada, comissões de acessibilidade visando ao
planejamento, elaboração e acompanhamento de projetos e metas direcionadas à
promoção da acessibilidade a essas pessoas. Em sua alínea "I",
determina que os órgãos do poder Judiciário elencados nos incisos II a VII do
art. 92 da Constituição Federal providenciem
"aquisição de impressora em Braille, produção e manutenção do material de
comunicação acessível, especialmente o website, que deverá ser
compatível com a maioria dos softwares livres e gratuitos de leitura de tela
das pessoas com deficiência visual. (grifo nosso)".
Esta
determinação certamente contempla também o sistema Processo Judicial
Eletrônico, não só por se tratar de uma forma de comunicação que deve ser
acessível, mas ainda por se apresentar por meio da web. Assinalamos, por
oportuno, que a menção a software livre, no dispositivo supra enfocado,
refere-se, por óbvio, à garantia de acesso gratuito a todos, na medida em que
sejam operacionais. Em não sendo, há que fazer uso de mecanismos que aceitem
qualquer outra ferramenta assistiva.
Não
se deve perder de vista também o caráter psíquico do indivíduo em situação de
dependência que poderá inclusive acarretar transtornos irreversíveis de ordem
emocional como transtorno de pânico, depressão, entre outros. À guisa do mal
que a dependência propele colige-se a lição de Elio D`Anna:
“Depender é sempre uma escolha pessoal,
ainda que involuntária (…)
Depender é uma consequência da perda da
própria dignidade. É o resultado de um esmagamento do Ser.
(…)
Depender é o efeito de uma mente tornada
escrava por apreensões imaginárias, pelo próprio medo… A dependência é o efeito
visível da capitulação do ‘sonho’. A dependência é uma doença do Ser!… Nasce da
sua própria incompletude. Depender significa deixar de acreditar em si mesmo.
Depender significa deixar de sonhar.
Diante
da constatação por parte de quase 2000 advogados com deficiência visual
inscritos na OAB, e de incontáveis servidores e usuários de que o sistema PJe é
inacessível, - hostil mesmo a qualquer ferramenta assistiva - faz-se mister a
adoção urgente de soluções intrínsecas ao sistema, às quais não são onerosas e tampouco acarretam dificuldades
insuperáveis de implantação.
Vale
finalmente reiterar, que a acessibilização do sistema PJe não implica custos
para a administração, tendo em vista tratar-se da adoção de meras normas de
desenvolvimento. Tornar um sistema acessível não requer a aquisição de software
ou qualquer outra ferramenta, basta seguir as diretrizes internacionais de
acessibilidade (Web Content Accessibility Guidelines - WCAG), desenvolvidas
pelo World Wide Web Consortium - W3C, um consórcio multinacional de empresas
que elaborou um conjunto de normas de desenvolvimento Web.
Comissão Permanente de Acessibilidade do
Processo Judicial eletrônico da Justiça do Trabalho (CPA-PJe-JT), Brasília,16/01/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário