QUEM EU FUI. QUEM EU SOU.
Minha vida foi muito misturada, mas foi boa. Falo no passado – foi muito
misturada...será que é porque tenho 91 anos? Ou será que é porque não consigo
mais me locomover, sem a cadeira de rodas? Ou também porque já não enxergo tão
bem e tenho um constante tremor em minhas mãos? Percebo que os fatos vão
ficando esmaecidos nos véus dos tempos, às vezes quero lembrar de nomes, datas,
coisas que aconteceram e não consigo.
Fui criança de lidar na roça, nunca apanhei, meu pai era pessoa doce, só
chamava minha atenção. Casei com um moço do mesmo lugar, morávamos em Capivari,
era honesto, amoroso, trabalhador, meu querido Dante! Já se foi há muitos anos,
não sei quantos...
Lembro que no início trabalhávamos na roça, mesmo morando na cidade.
Depois tivemos um açougue e depois ainda um bar. Eu trabalhava junto e sempre
fui muito respeitada, nunca coloquei uma gota de álcool em minha boca!
Quando comecei a usar a cadeira de rodas não pude mais morar com minha filha
– as portas do apartamento não permitiam minha passagem.
Daí me trouxeram para esta casa que é tudo de bom – as pessoas que
cuidam da gente são pacientes, carinhosas, e tenho a companhia de outras
senhoras idosas, como eu. Percebo que algumas não podem mais sair de seu
quarto. Outras de suas camas.
Tenho dois filhos, quatro netos e três bisnetos, que me visitam sempre .
Comemoramos aqui meu aniversário, com um churrasco e bolo para todos da
casa e toda a minha família presente!
Mas quando eu sarar, eu ainda vou morar no apartamento! Meu nome é
Marina.
“Eu bato o portão sem fazer
alarde. Eu levo a carteira de identidade. Uma saideira, muita saudade, e a leve
impressão de que já vou tarde. ” – Chico Buarque
Caso real. Elizabeth Fritzsons da
Silva, psicóloga, e-mail: bfritzsons@gmail.com
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