“SOU CRIANÇA CRESCIDA E QUERO CONTINUAR
SENDO ETERNA CRIANÇA”
.
Ser assim é meu suave “protesto”, meu fôlego.
Pequena, eu me comportava como os amiguinhos, me adaptando às brincadeiras,
sempre muito feliz, mas sem entender muito bem de onde vinham minhas limitações
de locomoção. Como todo mundo, eu estudava, aprontava e apanhava pelas minhas
artes Desde bebê não tive firmeza nas pernas, os médicos consultados diziam
para minha mãe que tudo estava “normal”. Sempre tive dificuldades para andar, de equilíbrio mesmo
pois os pés apresentam curvatura pronunciada, configurada assim independente de
meu comando. Isso não interferia em meu apetite por viver, em saborear a alegria
da descoberta da vida de quase todos os jovens. Estudei, namorei, casei, e vivi
os cinco primeiros deliciosos anos desta relação. Era extremamente ativa, uma
“pipoca”, inquieta mesmo. Daí meu relógio biológico disparou – é tempo de ser
mãe! Engravidei e me aquietei. Nasceu Lucas, e inexplicavelmente veio a
depressão pós-parto. Talvez estivesse incluída aí a natural mudança de estilo
de vida que a chegada de um filho determina. Eu e meu marido superamos.
Acompanhando o desenvolvimento de meu filho, em seus nove meses de vida, vi
minha história se repetindo – agora finalmente com uma estrutura de saúde de
país que ao menos diagnosticou a doença degenerativa – pudemos ter acesso a
tratamento e conhecimento de quais são as expectativas e qualidade possível
para a vida, assim como de quais as terapias que poderiam ser úteis e de algum alívio,
como fisioterapia, exercícios aeróbicos, alongamento, natação e sapatos
ortopédicos adaptados. Eu Edna, agora com trinta e quatro anos e Lucas, agora
com sete anos, nascemos com um distúrbio do sistema nervoso, determinado
geneticamente (são cerca de 70 subtipos), de configuração individualizada,
chamada “Charcot-Marie-Tooth”. Usualmente surge por volta de 50 anos, mas
existem casos de manifestação mais agressiva da doença, como aconteceu comigo e
com meu filho. Os nervos periféricos (pernas, pés e mãos), vão gradualmente sendo atingidos, e perdendo a
força, criando dificuldades de locomoção e equilíbrio, além de falhas de
sensibilidade - não sentimos de forma adequada calor, frio ou dor. Fazemos
parte de grupos na internet que buscam informações de tratamentos paliativos –
não há ainda perspectiva de cura. Precisamos de mais pesquisas sobre a doença,
para termos talvez um alcance medicamentoso que seja capaz de impedir a progressão da doença, e depois a
sonhada cura – são dois milhões de pessoas acometidas no mundo. Se a doença
progride em cada um de nós, pode surgir além da limitação de movimentos, a
alteração de função de cordas vocais, dos nervos que comandam a face e pulmões.
Precisamos chegar a diagnósticos mais precoces, para ajudar mais cedo quem
precisa. E precisamos também deste diagnóstico para alcançar o aconselhamento
genético de futuros pais que são deste grupo – eles precisam ser informados de
quais os possíveis riscos. E de terapia para aprender a lidar de forma
construtiva com nossos limites. Mas é pelos “Lucas” que alegram nossas vidas
que precisamos nos unir, nos informar e trabalhar por todos que vivem esta
realidade, inclusive pelos queridos familiares que acabam sendo nosso porto
seguro. Continuaremos lutando, com a esperança que só corações de criança sabem
ter!
“Um homem grandioso é aquele que
não perde seu coração de criança” - Mêncio
Caso real, Elizabeth Fritzsons da
Silva, psicóloga, e-mail: bfritzsons@gmail.com
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