Medos do envelhecimento: meus, seus e nossos...ao envelhecer
Os medos são tantos. Será possível traduzir em palavras todos esses medos, se, já o envelhecer para alguns é tão duro de ser enfrentado?
É impossível não pensar em questões pessoais ao ler a reportagem “Idosos de diferentes países explicam do que têm medo ao envelhecer” (http://notícias.uol.com.br). E perguntamos, quais os seus medos? Melhor nem falar sobre isso? Talvez. Algumas coisas são tão complicadas que pioram só ao serem mencionadas, escritas, então, nem se fale; lidas, uma catástrofe!
Mas o tema é tentador, motivo de muitas noites de reflexão pra nós do Portal e conversas com equipe e amigos. Antes de entrar nas respostas dos entrevistados da matéria, gostaríamos de contar a história de dois amigos nossos, muito queridos, que não tiveram a chance de envelhecer. Saíram “dessa”, prematuramente, para se aventurarem em outras paragens desconhecidas.
Um deles morreu antes dos 50, vítima de um câncer agressivo repentino. Seu maior sonho, ao contrário de muitos, era envelhecer. Com ele iniciamos o Portal, como uma atividade meio que acadêmica, lúdica, um sonho de um dia sensibilizarmos a sociedade sobre nosso longeviver, e com isso entendermos melhor o nosso próprio envelhecimento, para envelhecermos de bem com a vida.
Um dia, com o outro amigo, conversávamos sobre nossos medos particulares, quando a idade avançada chegasse. A conversa começou meio assim:
- “Tenho medo de morrer sozinha sem socorro. Passar mal e não ter ninguém para me acudir...” É, a solidão parece uma lança cuja ponta afina com o passar dos anos.
- Outros medos, ele perguntou.
- “Não, as rugas são bem-vindas, o passo lento, compreensível, os esquecimentos, apropriados, mas as doenças que paralisam, essas sim nos levam ao inevitável, ao súbito da vida, ao fim que não se anuncia”.
Ele, o amigo, estranhamente, não tinha medos.
- “Tenho uma esposa que me ama, filhas queridas e companheiras e amigos valorosos. Como eu teria medo? Isso sim seria uma indignidade minha. Tenho é que brindar a ausência da solidão, presente e futura”.
Verdade seja dita: esse amigo era mesmo iluminado. Pensando sobre isso, talvez ainda estejamos na idade da pedra, muito primitivos, terrivelmente apegados às coisas do mundo e às pessoas.
Mas a vida prega peças. Num certo dia e após muitas dores (enfrentadas bravamente, diga-se de passagem), este nosso amigo se foi, jovem e com muito ainda por fazer.
Suas palavras finais foram:
- “Minha amiga, fique tranquila, você não ficará sozinha quando velhinha ficar. Quando o ar lhe faltar, eu estarei lá, ao seu lado. Quando você perceber minha presença, todo ar do mundo invadirá seus pulmões e a solidão, nem sentida será”.
Assim são as histórias e assim acompanhamos os relatos dessas pessoas, estranhas, mas ao mesmo tempo, próximas nos seus medos atuais e futuros. O que a vida nos reserva? Você já pensou sobre isso? Veja o que idosos de várias partes do mundo dizem a respeito.
Medos do envelhecimento
“À medida que envelhece, do que você mais tem medo? Qual é o maior problema que enfrentam os idosos no seu país?”, pergunta a reportagem.
Pedro Vega Yucra, 80, morador de Chacas, uma pequena aldeia em Ayacucho, no Peru, comentou: “Eu só tenho uma casa pequena. Não tenho terra para trabalhar, então não tenho dinheiro. Moro sozinho, porque meus três filhos moram longe, e minha mulher morreu há anos. Então meu maior medo é que um dia eu não tenha nada para comer ou mesmo energia para trabalhar por conta própria. Nas áreas rurais do meu país, nós, os idosos, morremos e ninguém percebe. Nós comemos sozinhos, dormimos em paz. O governo deveria cuidar de nós, mas quando você se torna velho, ninguém se importa”.
Padma Sagaram, 63, aposentada, Singapura: “Eu tenho medo de ficar doente e ser financeiramente dependente dos outros. Envelhecer provoca uma grande sensação de medo de estar sozinho. Tenho filhos, mas eles têm uma vida também. O que acontece com outros idosos que não têm filhos? Acho que o principal problema aqui é que não temos aldeias de aposentados. Envelhecer se tornou um estigma no país. Temos casas de repouso, mas não é o mesmo. Para mim, são como um lugar para abandono de pessoas idosas e doentes. Se tivéssemos aldeias de aposentados, poderíamos envelhecer com outros graciosamente e o apoio emocional estaria disponível”.
Mohammed Hamid, 65, Nova Déli: “Mohammed, que é pai de seis filhos, três dos quais são casados, disse que tem muito medo da miséria absoluta que pode alcançar a sua família, se ele, o único membro que trabalha, perder o emprego como um puxador de riquixá. Segundo ele, o maior problema para a maioria dos idosos que vive na Índia é a ausência de abrigo adequado, o que faz muitos deles dependerem da misericórdia de seus filhos”.
Ingrid Förster, 82, Frankfurt, Alemanha: “Eu tenho mais medo de perder a minha independência física e mental me tornando dependente de uma enfermeira. O maior problema para os idosos é viver uma vida solitária”.
Sandra S. Harris, 67, Geórgia (EUA): “Eu estou com mais medo de perder minha memória. Com tantos casos de doença de Alzheimer, fico assustada. Eu me preocupo em me lembrar do passado, das pessoas e dos amigos e de coisas que eu fiz e não me lembro. Tenho dificuldade em perceber que estou ficando mais velha e tenho medo de que as pessoas se aproveitem de mim. Acho que um grande problema enfrentado pelos idosos neste país é o roubo de identidade. Eu não sabia que algo assim existia até me atingir. Tenho uma personalidade muito extrovertida e preciso ter cuidado. Quando as pessoas são muito boas comigo presto mais atenção agora”.
Nissim Pinto, 79, Tel Aviv (Israel): “Eu não tenho medo de nada. Eu só realmente não sei como continuar a minha vida quando eu ficar mais velho, da forma como eu vivi os quase 80 últimos anos. Eu não gosto quando os jovens me tratam como um homem velho. Quando eu espero na fila no supermercado ou na farmácia, eles me perguntando por que eu estou de pé. Eu realmente aprecio a forma como eles querem ajudar um idoso, mas eu não gosto de me sentir velho. Os tempos mudaram, e a vida é muito mais cara do que costumava ser há 20 anos, não é fácil viver da pensão que temos, temos dinheiro para pagar menos do que o básico, e não podemos mais trabalhar”.
Amadou Mbaye, 74, Dakar, Senegal: “Uma vez que Deus me permitiu viver até 74 anos, eu só posso agradecer-lhe. Estou realmente satisfeito. Estou preocupado com as crianças, com o futuro delas. A vida é muito cara, há muito desemprego e a saúde é precária”. Sobre qual é o maior problema que enfrentam os idosos no Senegal, Mbaye responde que as más condições econômicas tornam a situação financeira dos idosos mais imprevisíveis do que no passado, quando se podia contar com os filhos para apoiá-los. “O Senegal é um país pobre. Não há emprego para os jovens, que lhes permitam cuidar de idosos, e não temos mais forças para trabalhar e sustentar a família”.
Mahmoud Hussein, 75, agricultor, Cairo: “Tenho medo de que meus filhos me machuquem, me chutem para fora da minha casa e eu morra sozinho O maior problema dos idosos egípcios é a falta de seguro saúde e pagamento da aposentadoria como em países civilizados”.
Richard Hardick, 74, San Diego (EUA): “Eu não tenho medo de envelhecer. Eu surfo, eu pratico fly fishing [pesca com mosca] no Alasca, leciono em uma escola, sou um pouco diferente do que a maioria. Eu sou religioso e agostiniano, fiz votos de pobreza, castidade e obediência. Eu não tenho qualquer receio em particular, estou em um grande momento. Acho muito provável que as pessoas ao ficarem velhas tenham problemas de saúde, como diabetes e mal de Alzheimer. Acho que esses são os verdadeiros desafios”.
Paul Gresham, 75, Geórgia (EUA): “Eu não tenho medo de muita coisa, mas o que me chatearia mais é se alguém levar o meu carro. Sei que o dia está chegando, como eu continuo a fazer aniversário, em breve eu não vou ser capaz de conduzir, mas essa é a minha liberdade. Perder me deprime mais do que qualquer outra coisa. Não ser capaz de cuidar do meu cachorro. Acho que um dos problemas mais negligenciados que enfrentam os idosos neste país é o abuso da família. Eu vejo isso no meu bairro, em muitos casos, os avós estão criando filhos que estão criando filhos. Há um temor entre os idosos, eles preferem ficar com os netos e sofrer abusos, do que viver sem eles em outro lugar. Eles vivem com medo e é um problema que está crescendo”.
Juma Abdalla Athanas, 65, favela de Kibera em Nairóbi, no Quênia: “Nós estamos esperando os títulos de propriedade para a nossa terra e, o principal problema é como é que vamos deixar uma casa nossos filhos e netos. Tivemos muitos problemas, o governo está mentindo para nós. Minha saúde é um problema, eu não tenho força, do jeito que eu estou ficando velho. Existem diferentes tipos de idosos; quem tem dinheiro pode ser levado para casa de repouso, mas para aqueles que não têm recursos, não há para onde ir”.
Claudio Rodriguez Contreras, 71, veterano da Revolução Cubana: “Cubanos idosos não têm maiores medos da velhice, com o nosso governo revolucionário temos os requisitos mínimos de ajuda: uma pensão, assistência médica gratuita, comida, casa, e nos mantemos ativos na sociedade. O problema na minha idade é que por causa do embargo contra Cuba, o nosso país não pode se desenvolver como deveria e não podemos ver os sonhos que temos para os nossos filhos realizados”.
Para aqueles que sofrem pela solidão do envelhecimento, um pouco, então de Clarice Lispector: “Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite”.
Referências
UOL NOTÍCIAS (2013). Idosos de diferentes países explicam do que têm medo ao envelhecer. Disponível em http://noticias.uol.com.br/album/2013/10/14/idosos-de-diferentes-paises-explicam-do-que-tem-medo-ao-envelhecer.htm#fotoNav=13. Acesso em 15/11/2013.
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