sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Lima Duarte e o fantasma da velhice tenebrosa
Publicado em 07/11/2014, às 06h34 
Última atualização em 07/11/2014, às 06h34

Divulgação
Lima Duarte criticou os filmes norte-americanos que fazem comédias com velhinhos simpáticos e brincam com os problemas da terceira idade
Realidade: Lima Duarte criticou os filmes norte-americanos que fazem comédias com velhinhos simpáticos e brincam com os problemas da terceira idade

Jorge Luiz Calife
jorge.calife@diariodovale.com.br

Todo mundo conhece o Lima Duarte, aquele ator global que interpretou vários personagens inesquecíveis como o "sinhozinho Malta" da novela Roque Santeiro. Com a idade Lima Duarte anda meio sumido, mas surpreendeu com uma entrevista para um desses sites de celebridades. Além de falar de sua carreira, ele criticou os filmes norte-americanos que fazem comédias com velhinhos simpáticos e brincam com os problemas da terceira idade, como o "Cowboys do Espaço" do Clint Eastwood. Para Duarte a velhice não tem nada de engraçada. É uma idade "tenebrosa" em sua opinião.
Realmente, envelhecer em um país como o Brasil é uma experiência assustadora. Mas pior do que ficar velho, é ficar velho e pobre, coisa que acontece com uma multidão de aposentados brasileiros. Lima Duarte está chateado porque queria o papel do coronel Epaminondas na novela "Meu Pedacinho de Chão" e a Globo preferiu entregar para o Osmar Prado. Mas ele não tem muito o que temer da velhice. Como ator contratado pela Rede Globo, Lima Duarte deve contar com um salário de cinco dígitos e, se ficar doente, poderá escolher o médico ou a clínica particular que quiser.
A maioria dos idosos brasileiros vive de aposentadorias pouco maiores do que o salário mínimo. Viver nessas condições é uma luta cruel pela sobrevivência. Depois dos 60 anos as pessoas ficam sujeitas a doenças crônicas e degenerativas. É quando elas precisam tomar vários medicamentos caros regularmente. Minha mãe, por exemplo, sofria de hipertensão e precisava tomar um remédio que custava mais de R$ 100 a caixa. E eram duas caixas por mês. Imagine uma pessoa que ganha salário mínimo tendo 50% de sua renda comprometida com tratamentos médicos. Vai ter que escolher: ou morre de fome ou morre da doença.
O governo, que devia zelar por uma vida digna para as pessoas que contribuíram a vida toda, não está nem aí. Vive inventando coisas como o tal do "fator previdenciário" para achatar ainda mais o rendimento dos velhinhos. Um dos meus vizinhos se aposentou com quatro salários mínimos. Hoje ganha pouco mais de um. Diante disso, os idosos que ainda têm condições de trabalhar vivem fazendo biscates para sobreviver. Outros se arrependem e pedem a "desaposentadoria" para voltar ao mercado de trabalho. Os que não podem são jogados em asilos onde passam o resto de suas vidas trancados atrás de portões com grades, condenados a prisão pelo crime de terem ficado velhos. Culpados por terem sido abandonados por suas famílias. Essa sim, que é a velhice tenebrosa, não a velhice rica e abastada do Lima Duarte.
População mais velha
O problema só tende a se agravar, já que a população brasileira de pessoas com mais de 60 anos está aumentando. O Brasil já foi um país de jovens, está se tornando um país de velhos como a Suécia ou a Noruega. E é aí que está a tragédia dos nossos idosos.
Os países escandinavos têm o melhor sistema de assistência social do mundo. As pessoas pagam altos impostos a vida inteira, mas quando chega a terceira idade contam com os melhores médicos e clínicas de graça. Aqui no Brasil só os impostos são iguais aos da Escandinávia. Ao idoso resta a fila do SUS já que uma aposentadoria miserável não será suficiente para pagar um desses planos de saúde exorbitantes que existem por aí.
E some-se a isso uma inflação de mais de 10% ao ano. Todo ano assistimos as greves dos bancários e dos rodoviários que param exigindo aumentos de salário que compensem as perdas sofridas com a inflação. Mas o aposentado não pode fazer greve. Ele vê o seu minguado salário ser corroído mês após mês, o preço dos remédios subindo com reajustes sucessivos, a sacola do supermercado ficando cada vez mais vazia.
Esse é o horror, a velhice tenebrosa de que fala o Lima Duarte.


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